TIMES

Por João Delfino* — São José dos Campos, SP


– Sou muito grata por ter esse envolvimento. Não só nos jogos, mas de mãe e filho, de parceira nos games e na vida. Ele sentiu que a mãe precisava dele e fez isso por mim. Os jogos foram imprescindíveis para a minha cura.

A frase é Adria Silva, de 54 anos, que se curou de um câncer de mama. Moradora de São José dos Campos, ela encontrou nos jogos online uma forma de se unir ainda mais ao filho Jefferson Silva, de 26 anos, e também de encarar a batalha contra a doença.

Adria e Jefferson, mãe e filho, que fazem dupla nos jogos online — Foto: Arquivo pessoal

A dupla, que usa o nome de "The Shamsz", começou em 2008, quando Jefferson se interessou pelo jogo Tibia, um dos games mais antigos e consagrados do mundo do MMORPG, que significa "jogo de representação de papéis online".

Segundo o jovem, isso traz um afeto entre jogador e avatar, gerando uma ligação entre vida real e o game. Isso fez com que sua mãe se interessasse pelo jogo também. Após alguns anos de parceria, jogando juntos, os dois foram parando de jogar.

Adria e Jefferson, mãe e filho, que fazem dupla nos jogos online — Foto: Arquivo pessoal

Em dezembro de 2018, Adria foi diagnosticada com um câncer de mama agressivo. A doença obrigou que a mulher, então com 49 anos, fizesse uma cirurgia e passasse pela quimioterapia.

– Quando recebi a notícia, pensei: "pronto, vou morrer. Meu Deus, como assim? Eu tinha tanta coisa para viver'". Fui correr atrás de biopsia, cirurgia, tratamentos. Tinha um cabelo longo e precisei raspar a cabeça. Isso tudo me baqueou – relembrou.

Jefferson relembra que a sequência da notícia, operação e das sessões deixaram a mãe abatida e com quadro de depressão. Ele percebeu que poderia a auxiliar, resgatando uma prática antiga que faziam juntos.

– Eu lembrava que quando a gente jogava juntos, minha mãe ria muito, fugia da realidade. Vi isso como uma possível ajuda para que ela pudesse saísse daquela situação. Comecei a fazer estágio e separava uma parte do que eu ganhava para comprar algumas peças para montar um computador. Tive ajuda do meu pai, da minha namorada e todos sabiam da intenção. Eu dizia "vou montar o computador para a minha mãe".

Jefferson e Adria em um evento de jogos online — Foto: Arquivo pessoal

Em agosto de 2019, o computador estava pronto. Ele então começou a ensinar a mãe a jogar League of Legends (Lol). Tudo o que o jovem queria era ver sua mãe com a mesma alegria que ela tinha quando jogavam nos anos anteriores.

No começo, Jefferson relembra que a missão não foi tão fácil. Devido à condição de saúde ainda debilitada, tinha dias que Adria não tinha muita vontade de jogar.

Adria e Jefferson tiraram foto com o troféu do Mundial de Valorant — Foto: Arquivo pessoal

Foi então quando o filho teve uma ideia que poderia fazer com que a mãe se animasse, os dois começaram a fazer lives de Lol e Valorant em uma plataforma de streaming, jogando juntos. Assim, a dupla reeditava a parceria e de quebra, ainda teria espectadores.

Lives

– No mesmo dia que o computador ficou pronto, já o montei no meu quarto, coloquei meu notebook do lado e começamos a jogar juntos. Mas os dias se passavam e eu via que ela não estava melhorando. Aí veio a ideia das lives, pois, pouco tempo antes do câncer, ela tinha conseguido um emprego, mas teve que sair e isso a chateou. Lá ela se envolvia com bastante gente e tinha perdido isso. Então pensei: "por que não além dos jogos, também as lives?". Íamos juntar as duas coisas, os games e a interação. Aí vi essa melhora dela, a mudança de humor – contou Jefferson.

Adria, de 54 anos, em uma de suas lives — Foto: Arquivo pessoal

Com as transmissões, pessoas viam a mãe e o filho jogando juntos e isso se popularizou na internet. Juntos, conseguiram mais de 7.500 seguidores na plataforma e fãs que passavam horas os acompanhando.

A relação de carinho entre os dois e os espectadores foi crescendo. Adria é chamada de "mãe" pelos seguidores. Além do jogo em si, distribuía conselhos durante a live, já que os fãs a viam como uma figura materna.

– As lives me ajudaram muito. Senti uma nostalgia, uma coisa gostosa, de estar jogando com meu filho de novo. Era legal estar ali, conversar. O pessoal falava '"queria que minha mãe fosse assim" e eu dava dicas de como chamar ela para conversar sobre isso. Além do jogo, rolava uma conversa também. Eles falavam "mãe, estou passando por isso" e eu aconselhava. Eles me ajudaram e sinto que eu os ajudei também. Digo que sou uma mãe privilegiada, tenho quase oito mil filhos – disse a mãe gamer.

Adria e Jefferson quando conheceram o streamer Alexandre "Gaulês" Borba — Foto: Arquivo pessoal

Atualmente, a dupla diminuiu o volume de lives, mas a relação com os fãs ainda continuaram. Ambos fizeram amizades com alguns e jogam juntos fora das transmissões até hoje.

Já curada do câncer, Adria define a atitude do filho, os jogos e as lives como imprescindíveis para que se curasse. Jefferson descreve a oportunidade de ter sua mãe ao seu lado no jogo como um privilégio e destaca a ligação que os jogos online forneceram aos dois

– O que o jogo nos proporcionou é algo inexplicável. Algo que a gente traz até hoje, essa relação que criamos juntos foi incrível. Me sinto privilegiado por ter tido a minha mãe lá junto comigo desde pequeno, desde quando entrei no mundo dos jogos. Ela querer entender esse mundo. O mínimo que eu poderia fazer era tentar retribuir quando senti que minha mãe precisava de mim. Não tem outra palavra a não ser privilégio – conta Jefferson.

Adria e Jefferson em um evento de criadores de conteúdo no Rio de Janeiro — Foto: Arquivo pessoal

* João Delfino colaborou sob a supervisão de Danilo Sardinha

Veja também

Mais do ge