Seis anos se passaram, e Keirrison ainda não crava que é um jogador aposentado. Aos 35 anos, ele classifica o hiato como uma pausa necessária na carreira. A decisão de dar um tempo foi motivada por uma sequência de dramas: a perda de um filho, as seguidas graves lesões, as dores e a saúde mental. Todos esses problemas, somados, fizeram o atacante priorizar o seu bem mais precioso: a família.

– O futebol sempre será uma paixão, desde que eu nasci acho que já estava com uma bola de futebol, vivi ela, continuo vivendo com meus filhos, brincando, tenho todo tipo de bola aqui em casa também. Ela vai estar sempre presente em nossa casa, em nossas vidas. Mas há cinco, seis anos atrás que isso ocorreu [morte do filho], a gente precisaria estar um pouco mais focado no cuidado em casa, na questão de nossas coisas pessoais, e isso fez com que juntos aqui em casa a gente tomasse essa decisão.

– Não que o futebol seja menos importante, ele sempre será importante para a minha vida, para a vida de todos aqui em casa, mas naquele momento precisaria dizer uma pausa para ele. Falar, olha, agora você vai ter que ficar em casa porque há coisas que são muito mais importantes para você cuidar. Não que eu não cuidasse, mas exigiria mais esse tempo, esse convívio. Porque o futebol em si, o esporte, a gente tira um pouquinho de alguns momentos porque precisa viajar, competir. É normal, é de outros trabalhos também, não só do futebol, mas isso depende de uma decisão sua, uma postura. Não foi fácil – disse Keirrison, em entrevista exclusiva ao ge.

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Revelado pelas categorias de base do CENE, de Mato Grosso do Sul, foi no Coritiba que Keirrison ganhou destaque nacional e virou um dos atacantes mais promissores do futebol brasileiro no início dos anos 2000. Os 41 gols marcados ao longo de 2008 mudaram a sua vida. Artilheiro do Brasil naquele ano, Keirrison deu sequência a uma trajetória meteórica.

No ano seguinte, desembarcou para jogar no Palmeiras. A passagem foi curta, mas intensa e recheada de gols. Foram 24 em 35 partidas, suficientes para chamar atenção do Barcelona.

Depois de pouco mais de seis meses no Verdão, Keirrison deixou o clube por 15 milhões de euros (aproximadamente R$ 41 milhões na cotação da época) para realizar o sonho de atuar no time comandado por Guardiola e que via o surgimento de Lionel Messi. A passagem, porém, quase não deixou registros – pouco além de algumas fotos, uma delas em um muro com o escudo do clube..

– Algo que me espantou foi o ambiente do Barcelona. Eles buscavam desenvolver também você como pessoa, não só como atleta. Isso ficou marcado para a minha vida e fez com que desenvolvesse e tivesse maturidade cada vez mais, como pessoa, como homem. A minha chegada foi espantosa, o Ibrahimovic chega também próximo do período que cheguei no clube, estivemos juntos também.

– Esse pessoal estava no videogame, a gente jogando e eu estava lá naquele momento junto, do lado, no vestiário. Foi extraordinário. Gostaria, óbvio, de ter vivido mais tempo. Por questões de inscrições, eu era estrangeiro, não tinha essa vaga disponível. Então não pude ficar ali porque não ia disputar os campeonatos. Vivi algo que foi muito além do que pude pensar e imaginar. Viver esse período do Barcelona foi extraordinário – conta Keirrison.

• Nome: Keirrison de Souza Carneiro
• Profissão: jogador de futebol (centroavante)
• Idade: 35 anos
• Carreira: CENE-MS, Coritiba, Palmeiras, Barcelona, Benfica, Fiorentina, Santos, Cruzeiro, Londrina e Arouca-POR;
• Títulos: Conmebol Libertadores (2011); Primeira Liga de Portugal (2009) e Série B do Brasileiro (2007); Campeonato Paulista (2011); Campeonato Paranaense (2008 e 2013);
• Prêmio Individuais: Artilheiro e Craque Revelação do Brasileirão (2008).

A passagem pelo Barcelona durou poucos dias. Keirrison foi apresentado discretamente, não chegou a ter uma coletiva de imprensa e deixou o clube emprestado para o Benfica. O motivo foi o limite de estrangeiros na equipe, além das inúmeras opções de Pep Guardiola para a temporada.

No ano passado, o jornal espanhol "As" colocou o brasileiro como a pior contratação da história do clube.

No Benfica, foram apenas sete jogos e nenhum gol marcado. Em seguida, um novo empréstimo e tentativa de sucesso na Europa. O destino foi a Fiorentina, da Itália. Foram 12 jogos, dois gols e a decisão de retornar ao Brasil no ano seguinte.

Ainda contratado pelo Barcelona, Keirrison desembarcou em Santos para jogar ao lado de Neymar, Ganso e companhia. Sem conseguir ser titular absoluto daquele time, fez dez gols em 31 jogos, foi campeão estadual e da Conmebol Libertadores até deixar o clube no meio de 2011 para jogar no Cruzeiro.

A passagem por Minas Gerais deu início ao drama com as lesões. Keirrison rompeu o ligamento de um dos joelhos e precisou de duas cirurgias para voltar a jogar futebol. Desenganado por médicos, recebeu o diagnóstico de que deveria pendurar as chuteiras.

Foram 18 meses de recuperação até voltar a jogar, em 2013, pelo Coritiba. O gol justamente na partida que marcou o seu retorno ainda está vivo na memória de Keirrison, que diz ter sofrido muito durante o período em que tratou a grave lesão.

– Realmente vivi momentos de fisioterapia, mentalmente cansado até por entender que existia uma situação que não dependia de mim. Você fica pensando e depois vai aprendendo que não tem nada no controle. As pessoas acreditam nisso, né? Eu acreditava na época, mas na verdade você não tem. Você faz, óbvio, o seu melhor, se dedica, mas não está no seu controle.

– Sei que muitos médicos não acreditavam que eu ia voltar. E isso foi um combustível, porque quando as pessoas vinham com uma negativa, sempre transformava de forma positiva. Mesmo as pessoas falando tanta besteira, isso fez com que eu tivesse motivação durante um período de recuperação. Tive que reaprender muitas coisas com o meu corpo – conta Keirrison.

Ao rescindir o contrato que estava em reta final com o Barcelona, Keirrison ficou por quase três temporadas no Coritiba, entre altos e baixos, lesões e a instabilidade. Em 2015, a perda do filho e uma nova lesão praticamente acabaram com sua passagem pelo clube.

Keirrison recomeçou no Londrina no ano seguinte. A boa passagem no clube o fez retornar para a Europa, desta vez para defender o Arouca, de Portugal. Foram apenas dois jogos e o retorno para o Coritiba, em 2017. A terceira passagem pelo clube durou cinco partidas até um novo retorno ao Londrina, onde fez seis jogos, marcou um gol e decidiu pela pausa na carreira, em 2018.

Keirrison passou a sofrer com inúmeras lesões na carreira que o impediram de conseguir ter uma sequência de jogos nos últimos anos. O drama que começou em 2011 e que parecia ter sido solucionado quase dois anos mais tarde ficou pequeno perto do maior baque que sofreu em sua vida.

Pouco tempo depois de ter se recuperado de duas cirurgias no joelho e 18 meses afastado do futebol lutando para recuperar a forma física, Keirrison perdeu o filho de apenas dois anos de idade.

No fim de 2015, Henri Lucca Buss Carneiro deu entrada no hospital com um quadro aparentemente infeccioso e que vinha sendo tratado pelo pediatra da família como uma virose. A criança apresentou parada cardíaca e respiratória antes da internação na UTI e morreu duas horas depois.

Desde então, Keirrison não tem qualquer perspectiva de retorno ao futebol.

– Foi bem difícil, é algo que a gente passou muito tempo... não falo que a gente tentou buscar entender. Mas, de certa forma, a gente ficou um pouco vazio no sentido de compreensão das coisas, sabe? Mas entendendo, vivendo um luto difícil, como você citou, algo que não está na forma, mas acontece, não é só conosco, aconteceu, tivemos a oportunidade de encontrar pessoas que, infelizmente, também viveram isso.

– Foi difícil humanamente falando, realmente, a gente determinou um tempo e juntos como família, como todos aqui a gente passou esse processo. A saudade fica, mas temos os nossos outros filhos que vieram, o Joaquim e Emanuel. Eu falo que a vida, Deus nos proporciona viver um novo de novo – disse Keirrison.

O momento pessoal ruim ligou o alerta em Keirrison para a saúde mental. Apesar de entender que passava por um problema psicológico, ele nunca recebeu o diagnóstico de depressão.

– Na época nós não tínhamos muita informação, mas já estava em 2013, 2014, não tinha muito disso sobre depressão, mas lembrando posso confessar que pode ter passado ali um problema, sim, de escuridão, se posso dizer as palavras assim.

– Você ia se olhando, depois de uma cirurgia me via assim, deitado numa cama, não podia levantar quase direito, com o meu corpo perdendo massa. Eu não engordo. Cada um tem uma forma, né? Tem pessoas que vão ganhando mais peso, né? Eu, na verdade, vou definhando, que também é feio – disse Keirrison.

Keirrison diz não se arrepender de pausar a carreira para cuidar de si e da família.

– Sou grato por essa decisão porque fez com que realmente a gente tivesse essa unidade em casa, tivesse essa conexão maior. São decisões que todo tempo a gente tem que tomar na vida. E quando a gente tem as prioridades definidas, aquilo que tem valor fica mais fácil de decidir – disse Keirrison.

Keirrison fez 24 gols em 35 jogos pelo Palmeiras. A saída do clube rumo ao Barcelona causou grande polêmica e até a demissão do técnico Vanderlei Luxemburgo. Sem aceitar a perda do jogador na época, o técnico atacou Keirrison e disse que se a negociação não desse certo, ele não jogaria mais pelo Palmeiras.

– Ele não está pronto. É uma saída prematura, como de todos os jogadores jovens. O Robinho (ex-Santos) disputou duas Libertadores e foi para fora. O Keirrison só ficou seis meses no Palmeiras – disse Luxemburgo na época.

O treinador ainda ficou bravo com a direção palmeirense na época, sugerindo uma quebra de hierarquia por não ter sido comunicado da transferência do jogador para o Barcelona. As seguidas declarações custaram o cargo de Luxemburgo.

– Aconteceu o posicionamento do Luxemburgo. Respeito, mas concordar é totalmente diferente da postura do que ele falou, de tudo, porque quando você cita a pessoa direto é complicado, é uma falta de respeito. Respeito ele, foi um ótimo treinador na minha carreira, me ensinou demais, mas depois disso, no outro dia a gente viu o que aconteceu, né?

– Não preciso muito ficar falando, o presidente demite o Vanderlei Luxemburgo, então essa foi a resposta para todos. Aqueles que têm um pouquinho de entendimento vão entender o motivo de tudo. Então, não foi da forma que ele disse, não – conta.

No fim daquele ano, com Muricy Ramalho como técnico e Vagner Love como centroavante, o Palmeiras perdeu a vantagem de cinco pontos para o segundo colocado e deixou escapar o título brasileiro para o Flamengo.

Keirrison evita usar a palavra frustração quando o assunto é o Barcelona. Contratado para ser nova estrela em um time que já tinha Messi, Mascherano, Iniesta, Xavi, entre outros jogadores, ele sequer entrou em campo. Foram poucos dias treinando sob comando de Pep Guardiola até o comunicado que não poderia ser aproveitado.

Dos cinco anos de contrato assinado com o Barcelona, Keirrison ficou vinculado ao clube quase três. No período, foi emprestado para Benfica, Fiorentina, Santos e Cruzeiro. Apesar de nunca ter entrado em campo para uma partida oficial, o jogador trata a experiência como a realização de um sonho.

– Confesso que em nenhum momento passou esse sentimento de frustração ou de não ter realmente ido um pouco mais além daquilo. Sou grato, desde que cheguei no Barcelona e soube da informação [que não jogaria], minha maturidade me ajudou a não ficar com esse pensamento de frustração.

– Gratidão mesmo, porque um menino saindo de Mato Grosso do Sul, viver todos esses processos, viver essa experiência, não tem como não ser grato. Realmente, grato demais. Óbvio que todos aqueles que trabalham com performance, atletas que buscam crescer cada vez mais, gostariam realmente de ter a oportunidade de viver mais, óbvio. Não vou dizer isso, como não sou uma pessoa que senta numa cadeira e quer ficar esperando as coisas acontecerem, não sou assim. Mas não deixo de ter a gratidão – disse Keirrison.

Keirrison acredita que poderia ter conseguido jogar se fosse aproveitado por Guardiola. Na época, o Barcelona tinha visto craques como Samuel Eto'o e Thierry Henry deixarem a equipe, mas com a chegada de Ibrahimovic (apresentado três dias depois de Keirrison), David Villa, Pedro, Messi, entre outros atacantes.

– É questão de tempo me adaptar, normal, todo lugar que você vai se adaptar um pouco ali nas características de algumas coisas. Sempre estive dedicado a isso, a aprender, então acredito que seria algo que poderíamos ter vivido, algo diferente, mas isso já estava escrito, então nós temos que respeitar algumas coisas e ser grato pelo tempo que tive de viver lá – disse Keirrison.