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Por Emilio Botta e Leonardo Lourenço — Santa Bárbara d'Oeste, SP


O União Barbarense era um time amador, de pouco menos de sete anos, quando jogou pela primeira vez em seu próprio estádio. No campo construído na rua 13 de maio, em Santa Bárbara d’Oeste, interior de São Paulo, venceu um amistoso contra o Concórdia, de Campinas, por 3 a 1.

União Barbarense luta para evitar perda de estádio que foi leiloado e pode virar prédio

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Naquele dia, só quem estava ao redor do gramado sabia o que acontecia no jogo. Não havia uma única emissora irradiando a partida. Afinal, não existiam emissoras – a primeira transmissão de rádio no país só seria feita um ano depois, em 1922, em comemoração ao centenário da Independência do Brasil.

Inaugurado em 22 de maio de 1921, o estádio que depois seria batizado como Antônio Lins Ribeiro Guimarães, o presidente do clube na época, se aproxima dos 103 anos sob risco de ser demolido.

Foi ali que a equipe criada no início do século passado ergueu a taça da Série C de 2004, seu maior título. Asfixiado por dívidas, porém, o União Barbarense teve seu maior patrimônio vendido a mando da Justiça do Trabalho por R$ 11 milhões, menos de um terço do valor pelo qual ele foi avaliado. Esse dinheiro é insuficiente para pagar os credores que processaram o clube na ação que determinou o leilão.

Estádio Antonio Lins Ribeiro Guimarães, a Toca do Leão, do União Barbarense — Foto: Emilio Botta

Em abril, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) negou mais um recurso que tenta anular a negociação da área do estádio. Sem sucesso na corte de Brasília, o clube vê agora a Justiça como um caminho estreito para salvar o estádio.

Em ano de eleições municipais, acompanha, de forma marginal, a política tomar a pauta em busca de votos na cidade de 183 mil habitantes, a 148 quilômetros de São Paulo. Políticos locais se engajaram e fazem promessas numa campanha iniciada por torcedores pelo tombamento do imóvel – algo que já foi negado pelo órgão que cuida do patrimônio histórico da cidade duas vezes.

Estádio Antonio Lins Ribeiro Guimarães: os portões, hoje, continuam fechados — Foto: Emilio Botta

Sem sucesso nos tribunais

Na última semana de abril, a oitava turma do TST rejeitou por unanimidade um agravo do clube, que busca anular o edital que levou o estádio a leilão. Há ainda a possibilidade de novos recursos que podem colocar a discussão no STF (Supremo Tribunal Federal).

Essa batalha nos tribunais se estende por anos, mas agora resta pouca esperança de uma solução jurídica.

– Qual é a realidade? É esperar a Justiça negar o nosso recurso, que o oficial de Justiça venha até a nossa secretaria e faça o comunicado da desocupação de todas as dependências do União Barbarense. Nós vamos colocar os nossos troféus numas caixas, arrumar algum lugar da cidade para guardar. E entregar a chave, porque nem a chave vai nos pertencer – emocionou-se Carlos Dalberto, o “Festa”, 60 anos, quase 40 deles como membro-fundador da TUSB (Torcida Uniformizada Sangue Barbarense).

Torcedores do União Barbarense protestam contra demolição do estádio Toca do Leão — Foto: Emilio Botta

O União Barbarense foi criado em 1914 e, seis anos depois, fundiu-se com o 7 de Setembro, equipe ligada à Companhia de Estrada de Ferro e Agrícola de Santa Bárbara. Foi a empresa, um marco no desenvolvimento da cidade, quem cedeu à agremiação uma área de cerca de 60 mil metros quadrados para a construção de um estádio em 1920 – como forma de gratidão, o clube adicionou o termo “agrícola” ao seu nome, o União Agrícola Barbarense que se mantém.

O estádio foi inaugurado no ano seguinte, quando o clube também passou a disputar torneios estaduais amadores e iniciou rivalidades regionais com o Rio Branco, de Americana, a Inter de Limeira e o XV de Piracicaba.

A equipe só se profissionalizou em 1964. Campeão da segunda divisão em 1998, o clube finalmente alcançou a elite estadual em 1999. Cinco anos depois, o título mais importante: a conquista da Série C de 2004 e o acesso à Série B do ano seguinte.

O troféu foi erguido com um empurrão de investidores ucranianos que em 2003 assumiram a gestão do futebol do União Barbarense numa parceria que desmoronaria rapidamente. O time colecionou rebaixamentos e, em 2006, já estava de volta à terceira divisão estadual, o que causou parte das rachaduras que levaram o estádio do clube a leilão 15 anos depois.

– Quem está conduzindo a penhora (do imóvel) é a Justiça do Trabalho, em decorrência de inúmeros processos trabalhistas desde 2005 – contou o diretor jurídico do União Barbarense, Régis Godoy.

Regis Godoy, advogado do União Barbarense — Foto: Emilio Botta

Com ações que datam de quase 20 anos, a Justiça do Trabalho agrupou uma série delas num processo único de execução que está em tramitação há quase uma década.

– São aproximadamente 100 ações trabalhistas – explicou Godoy, que estima que o clube deva, em valores atualizados, cerca de R$ 19 milhões a ex-funcionários – montante que chega a R$ 26 milhões se somadas dívidas fiscais e na Justiça Cível.

Em 2017, após pedido de penhora do estádio, um perito avaliou a área, que inclui também a sede social do União Barbarense, em R$ 37 milhões – o clube depois apresentou um laudo particular de R$ 46 milhões, ignorado pela Justiça.

O bar da Toca do Leão resiste ao tempo — Foto: Emilio Botta

O leilão ocorreu em 2021: seguindo as regras do edital, houve uma primeira tentativa de venda pelo valor cheio, sem interessados. Em seguida, foi oferecido um desconto de 50%, mas outra vez ninguém apresentou propostas.

Nesse cenário, a Justiça determinava que não fosse mais feito um leilão, mas sim uma venda direta que poderia ser fechada por um mínimo de 30% da avaliação do bem. Dois empresários da cidade vizinha de Americana ofereceram R$ 11 milhões e tiveram a proposta aceita pela juíza do caso.

Toca do Leão já recebeu jogos históricos do União Barbarense — Foto: Emilio Botta

Como pagar a conta?

Desde então, o clube tenta anular o acordo nos tribunais, sem sucesso. Defende que o valor é irrisório e também alega descumprimento de prazos. Por enquanto, os empresários depositaram R$ 100 mil em juízo como “sinal” enquanto aguardam o fim dos recursos.

– O União nunca demonstrou empenho em resolver a situação. Nunca tentou parcelar, fazer algum pagamento. Isso virou uma bola de neve. Temos juros mensais, com correção, em torno de R$ 100 mil. Eles tiveram dez anos para tentar resolver a situação. Nunca tentaram uma conciliação, ofertar garantia ou outros imóveis – disse o advogado Filipe Rino, que representa cerca de 50 dos quase 100 credores que fazem parte deste processo na Justiça do Trabalho.

– O clube tem condições de fazer proposta hoje? Não. Não temos como propor um parcelamento alto, não temos condição financeira de chamar os credores e fazer proposta – admitiu o diretor do União Barbarense.

Uniformes secam sob uma das arquibancadas do estádio Antônio Lins Ribeiro Guimarães, em Santa Bárbara d'Oeste — Foto: Emilio Botta

Ele, porém, afirma que manterá a disputa nos tribunais enquanto houver a possibilidade de recursos:

– Os credores não me levem a mal, eles trabalharam e têm que receber, foi injusto o pessoal vir aqui e não receber, mas não podemos rifar um patrimônio que a gente entende que vale muito mais do que o valor pelo qual ele foi arrematado. Está praticamente sendo dado embora. E isso não vai resolver o problema, mais de um terço dos credores não vão receber. O que a gente quer é algo justo, pagar todos e ficar com o estádio – completou Godoy.

O diretor garante que o União Barbarense, que ficou dois anos sem disputar torneios profissionais em 2021 e 2022, tem conseguido se adequar à realidade atual do clube.

– Quando o atual presidente (Daniel de Castro) entrou, há cinco anos, o plano era reorganizar administrativamente, parar com as ações trabalhistas. Isso ele teve sucesso, de estancar a dívida. Ele está sempre buscando investidores. Queremos sanar o clube, ficar viáveis. Estamos tentando administrar de uma forma mais responsável.

Estádio Antonio Lins Ribeiro Guimarães, a Toca do Leão, do União Barbarense — Foto: Emilio Botta

Os compradores da área ainda não revelaram os planos que fazem para o terreno. Apesar de todo o imbróglio e da comoção causada pela venda, eles não têm interesse em abrir mão do negócio.

– Eles não sabem se vão continuar com o próprio estádio, às vezes explorar a parte esportiva, ou se vão fazer algum investimento na área em si – disse o advogado Cláudio Melo da Silva.

– A princípio não irão desistir, vão manter a proposta e vão aguardar a decisão final da Justiça.

A declaração não convence torcedores do clube, que têm a certeza de que o estádio será demolido, assim que possível, para que um empreendimento imobiliário seja erguido no local, em região bem localizada da cidade.

Campanha pelo tombamento

– Alguns chamam de investidores, eu digo que são oportunistas, né? Com certeza (o estádio) será demolido, é isso que os quatro cantos da cidade imaginam – previu Carlos Festa.

– Será construído um condomínio de alto padrão, privilegiando uma minoria da classe econômica da nossa comunidade, fechando definitivamente os portões e dando fim à história tão linda, tão vitoriosa do União Barbarense – completou.

Portal de Entrada do estádio do União Barbarense foi tombado por órgão municipal — Foto: Emilio Botta

Desesperançoso em ver o clube se salvar na Justiça, Festa iniciou uma campanha na cidade pelo tombamento do estádio Antônio Lins Ribeiro Guimarães – uma manobra que protegeria o imóvel e que poderia evitar a venda do terreno.

Em 2020, antes do leilão, o Codepasbo (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santa Bárbara d’Oeste) avaliou um primeiro pedido de tombamento. Então, foi aprovada a proteção apenas ao chamado Portal de Entrada do estádio, uma pequena edificação do meio do século passado que funcionou como portão principal e, depois, como bilheteria.

Em 2023, a Câmara de Vereadores entrou na campanha. Os legisladores locais indicaram o tombamento do estádio ao órgão de patrimônio, que novamente avaliou o processo, mas manteve a decisão de não estender a proteção ao restante da área do União Barbarense.

Em ofício enviado ao ge, o Codepasbo respondeu que o “instituto do tombamento” não deve ser usado como “medida de caráter coercitivo, preventivo ou mecanismo de frustração de procedimentos judiciais”.

A decisão do órgão municipal não encerrou o assunto, que tomou rumos políticos em ano de eleições para prefeito e vereadores.

Um dos portões que levam ao gramado do estádio do União Barbarense — Foto: Emilio Botta

Um abaixo-assinado com 12,3 mil assinaturas – quase 10% dos eleitores de uma cidade que elegeu o atual prefeito com 39,5 mil votos em 2020 – serve como termômetro.

– A saída não é jurídica, é política – afirmou ao ge o vereador Eliel Miranda, que se apresenta como pré-candidato à prefeitura.

– Só depende do Codepasbo. A cidade de Santa Bárbara d’Oeste está decepcionada com essa situação, (os cidadãos) também querem o tombamento e estão clamando por isso – cobrou outro vereador, Carlos Fontes, que no mês passado foi ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em busca de apoio pelo tombamento do estádio barbarense.

Dê uma volta pelo centenário estádio do União Babarense que foi leiloado

Dê uma volta pelo centenário estádio do União Babarense que foi leiloado

O clube diz que não se envolve na campanha por temer que movimento do tipo seja visto pela Justiça como uma interferência no processo:

– A gente fica feliz pela mobilização, mas o clube não tem relação. É um assunto delicado, o clube conduzir algo nesse sentido pode caracterizar uma fraude de execução – esquivou-se o diretor jurídico do União Barbarense, Régis Godoy.

Cláudio Melo, advogado que representa os compradores da área, diz que já levou ao conhecimento da Justiça do Trabalho essa tentativa de tombamento.

– Na nossa visão, essa conduta de tentar tombar um estádio caracteriza uma desapropriação indireta. Existem direitos que têm que ser honrados de trabalhadores que estão sem receber.

Arquibancadas desgastadas do estádio — Foto: Emilio Botta

Neste ano, o União Barbarense disputou a quarta divisão do Paulista e foi eliminado pela Francana nas quartas de final. Trata-se de um torneio em que as despesas chegam a R$ 1 milhão e em que as receitas raramente cobrem esse custo. Sem perspectivas de aportes financeiros, a equipe profissional não jogará outro torneio na temporada, e os jogadores já se despediram do clube.

Pelos meses à frente, a luta para manter o estádio da equipe de pé será com as arquibancadas vazias. E esperança de que haja, ali, um próximo jogo.

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