O que você faria para motivar seu atleta favorito antes das Olimpíadas?

Pai de Rayssa Leal tatua imagem da filha com troféu de campeã mundial para inspirar skatista antes dos Jogos Olímpicos

Por Marcel Merguizo — São Paulo


Um dia desses, um medalhista olímpico do Brasil pediu para mudar o horário de uma entrevista porque em cima da hora recebeu um telefonema de uma imobiliária e estava indo visitar uma casa para onde poderia se mudar. Certa vez, um dos principais nomes do atletismo brasileiro demorou a responder uma mensagem no celular e se desculpou dizendo que aquela semana estava complicada, pois era a de provas na faculdade. Outra medalhista olímpica nem sequer agendou gravação porque, na única semana livre no país, precisava resolver tantas questões pessoais que não teria tempo de encontrar mais ninguém a não ser a própria família.

Tatuagem de Rayssa Leal no braço do pai, Haroldo, feita por Vagner Salasar — Foto: Divulgação

Os super-heróis olímpicos, na verdade, são super-humanos. Eles pagam contas, ficam doentes, precisam fazer provas na faculdade e os boletos não somem depois que passam debaixo na porta, como a louça não se lava sozinha.

Lembro-me da primeira entrevista que fiz pessoalmente com Rayssa Leal. Perguntei com o que ela estava mais preocupada naquele fim de semana de decisão do Mundial de skate, em São Paulo. "Com a prova de matemática na segunda-feira, no colégio", respondeu, já de olho nos problemas a resolver em Imperatriz. A fadinha voa, mas não faz mágica.

Foi nesse dia, em 2019, que conheci os pais de Rayssa. E talvez apenas conhecendo pai, mãe, avós, tios fique mais claro que todos eles têm problemas normais no dia a dia. Mesmo entre os mais profissionais, entre os mais bem pagos, os desafios da vida cotidiana não somem depois que eles descem do pódio. E além de serem referências para os filhos, ainda são os primeiros --quiçá os maiores-- fãs dos seus atletas.

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Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Claro, ser ídolo, recordista, medalhista, tem seu preço. E nem todo Peter Parker tem seu tio Ben para ensinar lições. E só para ficar em um exemplo de problema esportivo que prova que todos eles são humanos: os ingressos.

Ao contrário dos Jogos Olímpicos de Tóquio, quando tudo era muito restrito devido à pandemia e nenhum familiar foi ao Japão, agora em Paris muitos deles se organizaram e gastaram muito para conseguir acompanhar suas crias nas Olimpíadas. Apartamentos emprestados, passagens parceladas, todo esforço para estar na cidade sede dos Jogos está sendo feito. Mas os tíquetes para entrar nas arenas estão (além de caros) disputadíssimos. E não é incomum trombar com pais e mães, nas redes sociais, pedindo ajuda para ter um assento para ver os prodígios brilharem no cenário olímpico.

E tem o outro lado, dos que não irão à França. Afinal, pai e mãe de atleta também trabalha pra pagar as contas. E aí é aquele sentimento paterno e materno estranho: o de criar para o mundo e depois sofrer quando começam a voar. A sensação de que às 9 horas da manhã já viveu um dia inteiro, mas aí na primeira meia hora sozinho já sente saudade do "mãe" ou "pai" ecoando no ouvido. A missão mais difícil e mais prazerosa do mundo não é cumprida por super-heróis, pelo contrário.

Rayssa Leal, o pai Haroldo Leal, a mãe Lilian Mendes e o irmão Arthur Leal em foto divulgada pela mãe na noite da festa — Foto: Reprodução / Instagram

Por isso quando vejo Haroldo, pai de Rayssa Leal, tatuando no braço uma enorme imagem da filha campeã, fico pensando quem é o herói dessa história. Os pais, idolatrados pelos filhos, precursores no ensino do cair e levantar, provedores da primeira bola, skate ou raquete? Ou os filhos, idolatrados pelos pais, atletas que fazem a família muitas vezes abrir mão de tudo pelo sonho esportivo, o pilar onde se apoiam pensando em um futuro melhor para os próprios pais?

- Conhecendo a filha que eu tenho, isso vai servir como inspiração e combustível para ela chegar voando nas Olimpíadas - diz Haroldo Leal, pai da medalhista olímpica que também se chama Jhulia.

E não há orgulho maior do que ser chamado de pai da... Júlia, e quem diz isso é o pai que vai sentir muita falta dela durante os Jogos Olímpicos.

Às sextas-feiras, Marcel Merguizo escreve crônicas olímpicas no ge

Blog Olímpico Marcel Merguizo — Foto: Reprodução