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Por Flávia Ribeiro — Rio de Janeiro


Um time de cinco atletas brasileiras de ponta chamou a atenção nas redes sociais ao longo deste mês de setembro com posts alertando para a importância de se cuidar da saúde mental. As medalhistas de ouro olímpicas Rebeca Andrade, da ginástica artística, e Ana Marcela Cunha, da maratona aquática, a nadadora campeã mundial Etiene Medeiros, a medalhista de prata paralímpica no lançamento de dardos Raíssa Rocha Machado e a triatleta pentacampeã do IronMan Fernanda Keller se uniram ao projeto Inspire, que busca, como o nome sugere, inspirar mulheres ao autocuidado e ao protagonismo. Com o Setembro Amarelo, mês de conscientização sobre a depressão e o suicídio, o foco do projeto se voltou para a saúde mental.

Rebeca Andrade

Para a ginasta Rebeca Andrade, ouro no salto e prata individual geral nas Olimpíadas de Tóquio 2020, essa está sendo uma oportunidade de mostrar sua voz, sua representatividade e sua responsabilidade social.

- Fazer parte de um movimento tão incrível me dá a oportunidade de atingir a mais mulheres, e sei que juntas seremos mais fortes - diz Rebeca, que faz acompanhamento psicológico desde os 13 anos.

Rebeca Andrade no Pan de ginástica — Foto: Ricardo Bufolin/CBG

Rebeca sofreu muito com lesões, e chegou a se questionar se valia a pena continuar na ginástica.

- Quando um atleta, que sempre foi considerado um super-herói ou uma máquina, mostra que também enfrenta momentos difíceis, mostra que todos somos iguais, seres humanos cheios de sentimentos, e que às vezes é difícil lidar com eles... É acolhedor saber que não é só você que passa por isso. Muitas pessoas tentam vencer sozinhas por vergonha ou medo do julgamento. Temos que estar mais juntos, falar mais, nos encorajar. E faz muita diferença esse suporte. Nos momentos mais difíceis, eu tive essa rede de apoio, além de contar com a minha família - comenta.

Etiene Medeiros

Etiene Medeiros ouro 50m costas mundial natação budapeste — Foto: Satiro Sodré/SSPress/CBDA

Campeã mundial dos 50m costas, Etiene Medeiros não esconde que passou por momentos difíceis, e acredita que falar sobre o tema é uma forma de diminuir o estigma.

- O projeto trata muito dessa questão. Ele fala do universo feminino, que caminha em diversas vertentes, inclusive a da saúde mental, que está muito enraizada no esporte. Existem gatilhos para burnout, ansiedade e depressão no alto rendimento - comenta a nadadora Etiene Medeiros, campeã mundial dos 50m costas, lembrando que nas Olimpíadas de Tóquio, no ano passado, a ginasta multicampeã Simone Biles chegou a desistir de provas por causa da saúde mental. - Uma grande estrela do esporte mundial teve que parar para que a gente pudesse também parar e falar do assunto.

Etiene tem conhecimento de causa. Entre 2019 e 2020, a nadadora sofreu com síndrome de burnout, transtorno caracterizado por esgotamento, ansiedade e depressão e que é uma reação ao estresse causado pelo trabalho. A campeã mundial não se reconhecia mais nos treinos e competições, passou a sentir um aperto no peito, a conviver com pensamentos negativos e entrou num processo de início de depressão. Foi quando ela procurou ajuda.

- O esporte é transformador, mas é também muito intenso e exige muito. Busquei ajuda de psicólogo e da minha equipe, precisei voltar umas casinhas para me reconhecer de novo, primeiro como pessoa e depois como atleta. E como aconteceu comigo e com outros atletas, existe esse mesmo tipo de pressão em outros trabalhos - avalia Etiene.

Raíssa Rocha Machado

Medalhista de prata no lançamento de dardo nas Paralimpíadas de Tóquio 2020, Raíssa Rocha Machado enfrentou uma depressão e chegou a pensar em suicídio. Pouco depois de conquistar sua medalha paralímpica, há pouco mais de um ano, percebeu que precisava de ajuda.

- Eu tenho uma má formação congênita e sofri muito preconceito na infância. Mais com olhares do que com palavras, até. Tive que me blindar, ficar cascuda. Mas isso me limitou. Eu não saía, quando saía não ia sozinha ou já saía na defensiva. Chegou a um ponto em que eu ficava em casa no escuro, não falava com ninguém. Hoje já saio e me permito sentimentos, me sinto parte de algo. Saí do escuro - conta Raíssa. - Num certo momento, pensei: "ou eu morro, ou não morro e fico pior, ou procuro ajuda". Mas nem todo mundo consegue enxergar que há esse caminho. A maioria das pessoas ainda preconceito tem preconceito com buscar ajuda psicológica. Não percebe que buscar ajuda é tentar se entender, se conhecer.

Ela comenta que já fazia terapia desde os 15 anos, mas focada na atleta.

- Fazia terapia para o esporte, agora faço para a Raíssa. Estou passando por um processo de autoconhecimento. Antes via apenas meus defeitos, não via minhas qualidades. Agora consigo reconhecer os dois. E quero mostrar para outras mulheres que elas também podem pedir ajuda para que possam viver, e não se esconder.

Raissa Rocha Machado recebe a medalha no pódio — Foto: Rogerio Capela/CPB

Ana Marcela Cunha

A campeã mundial e olímpica de maratona aquática Ana Marcela Cunha lembra, num vídeo postado no Instagram, que foi uma doença física que abalou o seu lado emocional. Ana Marcela descobriu uma doença autoimune que afetava a produção das plaquetas sanguíneas. Em 2016, ela precisou passar por uma cirurgia para retirada do baço para ajudar a corrigir o problema. A partir daí, foi percebendo ainda mais que não só de esporte que se vive, que é necessário um equilíbrio.

- O esporte é massacrante, ele exige muito - diz Ana Marcela no post, no qual explica por que acha importante dividir suas experiências com outras mulheres: - Quando a gente compartilha as emoções, a gente ganha mais amor.

Saúde mental no esporte

Em 2021, quando a atleta multicampeã olímpica e mundial Simone Biles se retirou das disputas de vários aparelhos nas Olimpíadas de Tóquio e falou abertamente sobre questões emocionais que a estavam abalando, o mundo se espantou. Na mesma competição, a tenista Naomi Osaka, então número 2 do mundo, foi precocemente eliminada e deu declarações no mesmo sentido. O médico Luis Fernando Correia, colunista do EU Atleta, escreveu naquele momento:

- As diferentes formas de sofrimento mental são quase sempre associadas à desqualificação, fraqueza e vulnerabilidade. Exatamente o contrário do que se espera de um atleta olímpico. Por isso, também, relatos como os de Osaka e Biles são fundamentais para acabar com os estigmas relacionados aos transtornos mentais.

Para as atletas envolvidas nessa campanha, falar e ouvir sobre o assunto é fundamental.

- É importante poder mostrar a nossa vulnerabilidade - diz Etiene. - No esporte, eu vejo uma consciência maior, mas ainda tem um caminho. Qualquer pauta precisa de tempo.

- A cultura do esporte tem evoluído muito e eu tenho muito orgulho de fazer parte de uma equipe que tem um trabalho humanizado. Somos tratados como pessoas. Parece simples, mas como eu disse, durante muito tempo fomos tratados como super-heróis ou como robôs. E não somos, temos problemas, temos sentimentos. Vejo que os acontecimentos dos últimos anos abriram as portas para um olhar mais profundo sobre a saúde física e mental dos atletas - conclui Rebeca.

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