lol

TIMES

Por Gabriel Oliveira e PH Nascimento — São Paulo e Los Angeles, EUA


Gabriel "Turtle" saiu do Brasil desacreditado e chegou ao melhor momento da carreira trabalhando no exterior, sendo campeão da LCS, a liga norte-americana de League of Legends, como treinador da Evil Geniuses (EG), uma das principais equipes dos Estados Unidos. Em participação no Early Game, o podcast de esports do ge, Turtle comentou a campanha do título da LCS Spring 2022, discutiu a importância da conquista, relembrou as transições de cargo, revelou os bastidores do processo seletivo da EG, contou o seu dia a dia como treinador e ainda analisou as expectativas para o Mid-Season Invitational (MSI) 2022.

Treinador de LoL Turtle, com troféu da LCS, em frente à logo da equipe EG — Foto: Reprodução/Instagram

Além de participar da edição #105 do Early Game, que pode ser ouvida no tocador acima, Turtle ainda conversou mais com o ge sobre a trajetória no cenário competitivo e as diferenças do LoL no Brasil e na América do Norte, onde conquistou o primeiro título da carreira.

— Assim que eu conquistei o título, no começo eu não acreditei, eu não conseguia acreditar. Para mim, parecia que era um sonho — declarou Turtle sobre os momentos posteriores à vitória da EG por 3 a 0 sobre a 100 Thieves na final, no último domingo, 24 de abril.

— Muita gente foi contra o Turtle. Desde que eu estava no Brasil, ninguém nunca botou muita fé. Os que botaram não davam o suporte necessário. Eu sempre achava que conseguia fazer muita coisa, só que ninguém conseguia ver. E, assim que eu ganhei a LCS, eu tirei todo esse peso que eu tinha carregado, todo esse peso de tentar um título e nunca conseguir, dar o sangue e a alma e nunca conseguir nada. Neste cenário você tem que dar a sua alma, o seu sangue, você sacrifica muita coisa da sua vida pessoal para tentar correr atrás do título. Eu passei por muitos problemas também, me adaptando aqui para a América do Norte, porque, falando outra língua, você não consegue se expressar da mesma maneira. Foram muitos baixos para finalmente atingir o alto. Foi uma sensação de alívio e de felicidade muito grande.

Hoje técnico, Turtle começou a carreira como jogador em 2014, na Team AWP, aparecendo no palco da Final Regional Brasileira, a competição nacional de LoL daquela temporada. Ele passou ainda por IMP e-Sports, Jayob e-Sports, Vivo Keyd, Operation Kino (OPK), INTZ e CNB e-Sports Club, sem conquistar nenhum título de CBLOL.

De jogador a técnico

Foi na CNB, a partir do 2º Split de 2018, que a carreira de Turtle virou. Ele se recorda que, naquele campeonato, revezava a posição com Yan "Yampi", mas que passou a se dedicar mais ao estudo do jogo. Destacou-se na função, e a direção da CNB o queria não mais como caçador, mas sim como técnico.

Ele se lembrou de um conselho do treinador Peter Dun, com quem havia trabalhado na INTZ. O britânico havia dito que, quando parasse de jogar, Turtle deveria ser técnico.

Mesmo um pouco contrariado, pois desejava continuar jogando, Turtle aceitou a missão de ser o treinador da CNB a partir do 1º Split do CBLOL 2019.

— Quem é jogador de LoL não quer parar, só que aí eu comecei a botar na balança o quanto eu consigo ajudar uma equipe jogando, porque eu sabia que eu tinha meus defeitos, e o quanto eu consigo ajudar o time sendo coach — disse o técnico.

Críticas

Turtle era muito criticado pela comunidade, principalmente pelas atuações em playoffs do CBLOL. Ele contou, na entrevista ao ge, que sofria com os ataques da torcida e que isso o afetava dentro de jogo.

— Pelo menos para mim, me incomodava muito, porque às vezes eu recebia hate sem nenhum motivo. Às vezes eu estava jogando solo queue, o cara via o meu nick e já começava a me xingar. A gente tenta aprender, quando é pro player, a meio que ignorar essas coisas, só que chega um momento que você não consegue. Eu sei que o público brasileiro é muito apaixonado e caloroso, quer se envolver, participar e dar opinião. Isso não tem nenhum problema. Mas, quando começa a ser só agressividade por agressividade, me afetava muito, muito, muito... E era um dos motivos pelos quais eu não conseguia performar bem em playoffs. É uma coisa que eu fui aprendendo com o tempo. Até depois que eu virei coach, eu refleti bastante sobre. É uma coisa que eu tenho como pessoa. Eu me importo muito com o que as pessoas sentem em volta de mim. Então, se todo mundo acha que eu estou sendo um merda para elas, que eu sou ruim, isso acaba me afetando — confessou Turtle, dizendo que, hoje em dia, está melhor e muito mais confiante em si mesmo.

No primeiro torneio de Turtle como treinador, o 1º Split do CBLOL 2019, a CNB, mesmo desacreditada e com jogadores menos experientes, chegou aos playoffs e ao 4º lugar. No 2º Split, a equipe acabou rebaixada. Turtle, que havia gostado de ser treinador, entrou para a Vivo Keyd para a temporada 2020, onde ficou dois splits como técnico, primeiro conseguindo a 3ª colocação e depois amargando o último lugar.

Turtle e outros integrantes do time de LoL da EG — Foto: Reprodução/Instagram

Entrada para a EG

Como encerrou a temporada em baixa, Turtle contou ter recebido propostas de times do CBLOL que não o valorizavam. Na mesma época, Peter Dun o indicou para uma vaga de positional coach de caçador na EG. Ele passou por três fases de processo seletivo e acabou contratado, em dezembro de 2020, pela organização norte-americana. No Early Game, o treinador detalhou os bastidores da seleção.

— Foi um choque de realidade muito grande — disse Turtle, que mora em Los Angeles, sobre o início do trabalho na EG.

— Antes de eu viajar para cá, a EG fez tudo do meu processo do visto, eu não precisei fazer nada. Eu só ia pegar documento e fazer a entrevista, e eles me davam o passo a passo de tudo. Quando eu cheguei aqui, já tinha um teclado para mim no meu apartamento e um teclado no escritório. O mesmo teclado que eu queria. Eles eram patrocinados pela Razer, né. Eles falaram: "escolhe tudo o que você quer do site da Razer". Eu escolhi o que eu queria e eu tinha em dobro, porque era um para o meu apartamento e um para o escritório. Eu cheguei no meu apartamento, tudo bonitinho, meu PC, cama arrumada. Eles que pagam o apartamento. No Brasil, pelo que eu sei, a maioria dos times dá ajuda de custo, tipo 1 mil reais. Com 1 mil reais você não aluga um apartamento nunca.

— E não é só questão de equipamentos. É o jeito que eles resolvem as coisas, o jeito que eles ajudam é muito diferente, você se sente acolhido. O meu tempo aqui é útil, porque eu vou ter futuro, eles me valorizam, eles valorizam o Turtle. Se eu for bom, eles vão me valorizar. Eu não sou só uma peça para eles ficarem trocando, porque era assim que eu me sentia no Brasil.

Essa discrepância de trabalho entre as organizações brasileiras e norte-americanas, para além da capacidade financeira, é uma das diferenças que Turtle apontou, no Early Game, sobre o LoL do Brasil e da América do Norte.

Outra divergência é o método de trabalho dos jogadores. Não é questão de quantidade de dedicação, mas sim da qualidade dela, segundo o técnico.

— Aqui eu tenho jogadores que não ficam só jogando solo queue, porque eles sabem que solo queue do NA não é tão produtiva. É só quando eles querem treinar algum campeão novo, treinar mecânica de alguma coisa ou ver coisas específicas. Mas eles assistem muito VoD [vídeos de partidas oficiais ou treinos]. E por eles mesmos. Não sou eu que vou lá e falo: "você tem que assistir jogo". Você chega na sala e eles já estão vendo LoL, estão vendo todos os jogos da LPL, eles conversam entre si, eles sabem meios de aprender. Porque só ficar jogando solo queue da mesma maneira para sempre, por 12 horas, você não muda. É um fator muito grande, você achar maneiras de aprender sem ser jogando solo queue.

Promoção para treinador-chefe

Depois de uma temporada em que Turtle diz ter sido muito elogiado dentro da organização, surgiu a oportunidade de ser treinador-chefe em 2022, em substituição a Peter Dun, que se tornou head da comissão técnica de LoL da EG.

— Eu comecei de positional coach, de jungle, que é a role que eu tenho mais sabedoria. Eu tive um ano em que todo mundo da EG gostou de mim, todo mundo me elogiou, todo mundo gostou. E acabou que chegou essa proposta de ser head coach.

Na LCS Lock-In 2022, campeonato que abre a temporada norte-americana, a EG chegou à final, mas perdeu por 3 a 0 para a Team Liquid. Na LCS Spring 2022, equivalente ao 1º Split do CBLOL, a equipe chegou aos playoffs depois de uma campanha mediana na fase classificatória e caiu da chave superior para a inferior logo no primeiro confronto, ao perder para a Liquid por 3 a 2. Daí, para a frente, porém, a EG atropelou todos os adversários na chave inferior: 3 a 1 contra a FlyQuest, 3 a 0 contra a Cloud9, 3 a 0 contra a Liquid e, na final, 3 a 0 contra a 100 Thieves.

— A gente estava em uma sincronia tão boa todo mundo, em uma vibe tão tranquila, sem muita pressão. Todo mundo achando que a gente não iria ganhar. Todo mundo só começou a torcer para a gente quando demos 3-0 na Liquid. Na final contra a 100 Thieves, a gente conseguia ver, na cara dos jogadores deles, que eles estavam muito pressionados, muito nervosos. Tinha muita pressão em cima deles, e eles já tinham medo da gente. Então a gente acabou dando 3-0 na final.

— Foi uma caminhada muito boa, porque a gente teve muitos altos e baixos, mas, no final, foi uma calmaria.

Turtle (dir.) conversa com o jogador sul-coreano Impact, da EG — Foto: Reprodução/Instagram

No Early Game, Turtle detalhou a campanha na LCS Spring 2022 e discutiu os benefícios e as desvantagens de passar pela chave inferior em uma competição.

— Foi muito bom, porque a gente tinha novatos [no time]. Eu posso dizer que passar por debaixo da tabela foi muito melhor para a gente, e os outros times não souberam nos punir. Eles tinham informações de quatro md5 [melhor de cinco partidas] nossas e não aproveitaram para punir os nossos drafts — comentou o treinador.

Carreira em alta

— Com certeza eu estou vivendo o melhor momento da carreira, porque eu ganhei o título da LCS, mas não foi fácil. Foi o split mais difícil da minha carreira e foi o mais gratificante porque eu ganhei. Mas, de longe, foi o mais difícil, de tanto estresse, o tanto que eu tive que me adaptar, o tanto que eu tive de aprender coisas novas. Foram muitas coisas que eu tive de aprender em pouco tempo, e isso me deu um desgaste emocional gigante, mas eu consegui, graças às pessoas ao meu redor. Foi o mais difícil, mas o mais gratificante.

Turtle contou que conseguiu ver o resultado do seu trabalho no desempenho da EG e deu exemplos práticos: a decisão de entregar a realização do draft a um técnico assistente, que era melhor do que ele na escolha dos personagens para as partidas, fez a equipe melhorar e, além disso, as orientações dele sobre a organização dos retornos à base e a comunicação surtiram efeito.

— Como head coach você tem que lidar com pessoas e saber os pontos fortes e fracos delas, como falar com elas e tudo mais.

Ele destacou que teve muitos aprendizados nesses quatro primeiros meses de 2022, mas que ainda não se sente plenamente confortável no cargo e que, por isso, está buscando evoluir ainda mais.

— Eu acho que eu ainda estou muito longe de ser um técnico muito bom, eu acho que eu tenho muita coisa para aprender, principalmente em inglês, eu tenho muita coisa para aprender para ser muito mais efetivo no time.

Expectativas para o MSI

Com o título da LCS Spring 2022, a EG se classificou para o MSI, o campeonato internacional de meio de temporada do LoL. A equipe norte-americana, que nunca havia sido campeã da LCS antes, está no Grupo C, ao lado da G2 Esports, da Europa, e da ORDER, da Oceania. Por ter só três times, é uma chave mais fácil, já que os dois primeiros colocados avançam para a fase seguinte.

— Se a gente ganhar da Oceania, é praticamente certo que a gente estará classificado para a fase seguinte. Eu acho que a gente consegue ir bem neste MSI, consegue ir até para a terceira fase. A gente está bem confiante, não está colocando pressão, que nem a gente fez nos playoffs, mas a gente está com uma expectativa sempre positiva.

Retorno ao CBLOL

Depois de ir embora do Brasil desacreditado, seria uma boa redenção retornar ao CBLOL como técnico consagrado? Turtle diz que tem o desejo futuro de retornar ao campeonato brasileiro, mas que, neste momento, o objetivo é construir uma carreira no exterior.

— Eu sinto falta do Brasil, é muito gostoso estar em casa. Mas, por enquanto, eu não tenho isso na cabeça, de voltar, porque eu acho que eu só estou começando aqui e eu acho que, se eu continuar me esforçando e acreditando em onde eu consigo chegar, eu vou bem mais longe.

De qualquer maneira, Turtle deixou uma mensagem de impacto no Early Game:

— Não desistam dos brasileiros, eu acho que isso é a principal coisa. A gente às vezes pode dar passos pequenos, demorar para chegar no lugar, mas, de pouco em pouco, com as oportunidades certas, o brasileiro consegue ir longe. A gente viu isso no Valorant com o time da LOUD, viu isso com a RED Canids, viu comigo. Então, não desistam, a gente consegue ir longe, sim.

— Eu só me recordo de, quando eu estava no Brasil, ter mais haters do que tudo, então aqui, agora, eu estou me sentindo muito amado pelo Brasil e isso me ajuda bastante.

Veja também

Mais do ge