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Por Douglas Ceconello

Jornalista, um dos fundadores do Impedimento.org, dedicado ao futebol sul-americano

ge.globo — Porto Alegre

Ricardo Duarte/Divulgação, Internacional

Tempos atrás, se alguém falasse na possibilidade de um Gre-Nal disputado fora do Rio Grande do Sul, colorados e gremistas dariam vazão ao delírio maior e deixariam refletir nas desvairadas pupilas algum clássico futuro decidindo a Libertadores da América -- em Buenos Aires, no Rio de Janeiro, em Bogotá. Mas a realidade é madrasta e também de padrasto se veste o destino: uma catástrofe climática levou a maior rivalidade brasileira até Curitiba, em uma rodada regular de Campeonato Brasileiro. (Por curiosidade, é o primeiro clássico fora do estado em território brasileiro, mas houve um no exterior, no caso em Rivera, no Uruguai, em 2011.)

Apesar de no momento os objetivos no campeonato serem opostos, ambos os times chegavam aos farrapos para o jogo, por todos os motivos que sabemos -- técnicos, físicos e anímicos. E quando Renato Portaluppi, sempre um contumaz bonachão e boleiro até o tutano, decide elencar todas as dificuldades vividas, estas provavelmente são as respostas mais sinceras que já direcionou a um microfone. Há muitos motivos razoáveis para se criticar o trabalho de Renato, mas não é possível dissociar o cenário hoje vivido no Rio Grande do Sul do desempenho da dupla Gre-Nal.

Pois o primeiro clássico gaúcho disputado em outro estado transcorreu, em grande parte, como uma homenagem ao ARQUÉTIPO do Gre-Nal e de suas tantas mesmas versões desenroladas no Olímpico, na Arena, nos Eucaliptos ou no Beira-Rio -- dois times que se repeliam e, portanto, enxergavam a meta adversária tão distante quando o sol alegretense se pondo no Rio Ibirapuitã, como canta o hino nativista. Um jogo em que cada arremesso lateral além do meio-campo é encarado como uma velada declaração de guerra -- seja pelo preço do charque ou, atrevimento supremo, para ganhar um escanteio.

E foi justamente num desses deslizes rotineiros que acabam deflagrando eventos históricos (um olhar mal interpretado, um relógio travado) que Vitão amarrou os cavalos no obelisco do primeiro pau para marcar o gol da vitória colorada. Mas o triunfo que coloca o time de Coudet, ainda que cambaleando, às portas do G4, com dois jogos a menos, com a alma moída e sem Beira-Rio, não passou apenas pela vitória do zagueiro colorado sobre Geromel, o ídolo que hoje mais na coragem se sustenta. 

Mesmo muitas vezes apresentando um futebol questionável, desde antes das enchentes, o Internacional tem mais potencial que o Grêmio. Na corda esticada do clássico, quando todos os nervos estão de prontidão, isso tem a capacidade de transformar empates prováveis em vitórias possíveis. Quando Alan Patrick, por exemplo, o ser vivo mais íntimo da pelota em campo, voltando de lesão e não vivendo sua fase mais brilhante, resolveu que iria rabiscar de qualquer jeito e entrar área adentro, como quem cruza o Uruguai a nado, exigindo que Marchesín se desdobrasse em um compasso escolar (uma perna presa e a outra girando), o destino do clássico estava selado. 

Se o Couto Pereira lembra o antigo estádio Olímpico pela arquitetura, pela atmosfera não-arenizada e pelas nostalgia de tempos menos exigentes, não teria Alan Patrick vestido a armadura de Andrezinho, que em 2011, mesmo com uma fratura no pé, marcou o gol que ajudaria o Inter a conquistar a última taça da histórica casa do rival? Não seria o clássico disputado no Paraná o início de outro perrengue farroupilha, extrapolando aos pouquinhos as fronteiras, longe demais de Porto Alegre, mas mais próximo das capitais que Humberto Gessinger fazia referência? Quanto será que uma casa de apostas pagaria na vitória dos farroupilhas contra o Império em 1835?

Tudo isso é uma forma de tergiversar em relação ao que realmente importa. O primeiro Gre-Nal em outro estado não aconteceu nas circunstâncias esperadas (ou deliradas). Também o conceito de delírio assumiu outros significados abaixo do Mampituba nas últimas semanas --.parece inverossímil até mesmo conceber uma rotina. Mas houve esforço de colorados e gremistas, em campo e nas arquibancadas e mesmo na esfera simbólica: retomar e reviver a rivalidade também é uma tentativa de voltar a tempos mais próximos do normal. E o próprio placar do clássico, emendaria algum cartesiano com o cotovelo apoiado num boteco do Rubem Berta enquanto veste a nove de Claudiomiro, foi um sincero apelo pela normalidade.  

Footer blog Meia Encarnada Douglas Ceconello — Foto: Arte

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