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Por Tiago Bontempo

Gekisaka / J.League

Neste meu último fim de semana no Japão, consegui ir em dois jogos, cada um de um mandante que está em lados extremos do espectro do futebol japonês. O Kawasaki Frontale virou nos últimos anos o exemplo a ser seguido pelos aspirantes a time grande na J.League: um clube que até 2017 nunca tinha sido campeão, mas em poucos anos subiu de patamar, conquistou vários títulos e se tornou um dos maiores do país, jogando um futebol ofensivo, visando sempre o ataque e com a preocupação de jogar bonito, além dos vários jogadores que revelou. Porém, o Golfinho hoje vive seu pior ano dessa era de vacas gordas (mesmo já tendo conquistado uma Supercopa este ano) e está na parte de baixo da tabela.

Por outro lado, o Machida Zelvia, que até pouco tempo atrás era figurante na J2, virou um "novo rico" com o investimento da Cyber Agent e está causando uma pequena revolução em seu ano de estreia na J1, jogando o mais simples e eficiente "futebol de resultado". Um time que prima pelo coletivo e aplicação tática que tem como maior estrela o técnico Go Kuroda - aliás, ele foi o nome mais aplaudido quando a escalação foi anunciada no telão do Machida Gion Stadium antes do jogo contra o Albirex Niigata.

Para o pessoal de Machida, Kuroda é um herói. É quem colocou a cidade no mapa do futebol. É quem fez os torcedores sonharem o que nunca tinham sonhado. Antes eles só queriam não cair para a J3, hoje estão no topo dos 60 clubes profissionais do país. "Já teve dia de semana com chuva que não tinha nem 500 pessoas aqui", disse uma torcedora. Hoje o estádio, que acomoda até 15 mil pessoas (e foi reformado recentemente para preencher os requisitos da licença da J1), está sempre cheio e a torcida vem aumentando, apesar de ainda ter poucas pessoas de fora da cidade de Machida (dentro do trem, tanto na ida quanto na volta, eu vi muitas pessoas com uniforme do visitante Albirex, mas poucas com camisas do Zelvia). "Da J1 para a Ásia - A continuação do nosso sonho ainda não acabou", dizia uma faixa da torcida. "A gente quer ganhar a J1 e depois a ACL", contou outra torcedora. Até mesmo a possibilidade de Kuroda dirigir a seleção japonesa já é comentada. "A gente ia adorar ver ele na seleção, mas queremos que ele fique mais um tempo em Machida ainda", disseram para mim.

Torcida do Machida Zelvia no Machida Gion Stadium — Foto: Tiago Bontempo

Para os rivais, no entanto, Kuroda é um vilão. É quem está destruindo o futebol com um estilo pragmático e sem novidades. Um retrocesso no futebol japonês. Em Kawasaki, um jornalista me disse que "aqui ninguém gosta do Kuroda. É um tipo de futebol chato e sem criatividade. Nós gostamos de ver o futebol bem jogado." Torcedores de Urawa e Kashima me disseram que "eu não queria que ele fosse técnico do meu time" e "eu não gosto de ver esse time do Machida jogar, é muito chato". Também ouvi dizerem que "jogar contra o Machida é como enfrentar um time coreano ou chinês na ACL".

Pensando no futuro da seleção japonesa, o estilo de jogo que Kuroda usa, mais físico e focado na defesa e em contra-ataques, é bem diferente do típico estilo japonês de passes curtos e controle da bola que tem sido usado há décadas. Aliás, muitos acreditam que Toru Oniki, atual técnico do Kawasaki Frontale, é o melhor nome possível para ser o próximo técnico da seleção japonesa caso a JFA não queira ir atrás de um estrangeiro, até por ele ter uma trajetória bem parecida com Hajime Moriyasu. O Kawasaki Frontale de 2020, que para este que escreve e para muitos com quem falei no Japão é o time mais forte da história da J.League, fica como exemplo de futebol ideal para a seleção japonesa (e muitos daquele time estão na seleção hoje, como Mitoma, Morita, Hatate, Ao Tanaka e Taniguchi). Fiquei com a impressão de que por mais que o momento do Frontale não seja dos melhores, uma eventual saída de Oniki sequer é cogitada por lá.

Panorama do Todoroki Stadium antes do jogo entre Kawasaki Frontale e Nagoya Grampus — Foto: Tiago Bontempo

O que é praticamente unanimidade entre o grupo pró-Kuroda e o anti-Kuroda é que a principal mudança que ele fez no Machida foi na mentalidade dos atletas. Jogar pensando sempre em vencer, fazer tudo pela vitória. E essa mentalidade é justamente um dos pontos em que o futebol japonês ainda precisa evoluir.

O Machida Zelvia estava em uma sequência de três vitórias seguidas e vinha abrindo vantagem para a concorrência, mas nesta rodada os deuses do futebol fizeram o que sempre fazem para deixar o campeonato disputado e imprevisível. O líder Machida, que vinha batendo os favoritos, perdeu em casa logo para o 15ª colocado, Albirex Niigata (mas que também é um time bem organizado e que tem o trabalho do treinador Rikizo Matsuhashi bastante elogiado), pela primeira vez neste ano sofrendo três gols em uma partida. "Acho que foi nosso pior jogo neste ano", lamentou o atacante brasileiro Erik. Semanas antes, o Zelvia empatou sem gols com o 18º Shonan Bellmare. "Acho que esse campeonato vai ser igual 2019, disputado até o fim e o time que der uma arrancada no final vai levar", apostou Erik, que em 2019 estava no Yokohama F-Marinos, justamente o time que deu essa arrancada para o título.

Já o Kawasaki Frontale, que vinha de quatro rodadas sem vencer, respirou aliviado, agora em 14º lugar e seis pontos acima do Z-3, com uma grande vitória sobre o Nagoya Grampus e um primeiro tempo que até lembrou o supertime de três, quatro anos atrás. Akihiro Ienaga, que aos 37 anos ainda joga como se tivesse 27 (semana que vem ele completa 38), fez os dois gols da vitória do Golfinho. Mas não foi sem sofrimento, já que o Grampus diminuiu no finalzinho e pressionou até o apito final. A esperança no Todoroki é que esse jogo seja o início de uma recuperação em busca de um segundo semestre melhor. Em setembro começa a Champions League (que agora se chamará ACL Elite) e a prioridade do Kawasaki será buscar o inédito título continental.

Resultados da 17ª rodada da J1:
(17º) Sagan Tosu 0x1 FC Tokyo (6º) (7.528)
(5º) Sanfrecce Hiroshima 2x0 Júbilo Iwata (16º) (25.517)
(2º) Kashima Antlers 3x2 Yokohama F-Marinos (13º) (52.860)
(1º) Machida Zelvia 1x3 Albirex Niigata (15º) (10.411)
(18º) Shonan Bellmare 1x2 Gamba Osaka (3º) (11.006)
(8º) Urawa Reds 1x1 Vissel Kobe (4º) (45.976)
(19º) Kyoto Sanga 1x1 Cerezo Osaka (9º) (14.160)
(11º) Tokyo Verdy 5x3 Hokkaido Consadole Sapporo (20º) (16.301)
(14º) Kawasaki Frontale 2x1 Nagoya Grampus (7º) (19.463)
(12º) Kashiwa Reysol 0x2 Avispa Fukuoka (10º) (8.198)

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