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Por Giovana Pinheiro, Juliano Lima e Marcelo Barone — Rio de Janeiro


Em meio a dezenas de crianças da Associação Miratus, projeto social localizado na comunidade da Chacrinha, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, dois alunos chamam a atenção. É impossível não notar a presença de dois "gigantes", de 2,02m de altura, nas quadras do local: os irmãos gêmeos Davi e Deivid Silva, de 19 anos. Os atletas são promessas do badminton que, embora não seja um esporte tão popular no Brasil, é praticado por lá desde 1998.

Gêmeos do badminton sonham em representar o Brasil nas Olimpíadas

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Aliás, a falta de conhecimento em relação ao badminton leva os irmãos a responderem sempre às mesmas perguntas sobre suas estaturas.

- Somos acostumados a isso... "Joga basquete? E vôlei?". Eu respondo que não e me dizem para jogar basquete. O badminton veio primeiro. As pessoas dizem "bad o quê?". Muita gente ainda não conhece. Éramos altos desde o sub-15, as crianças ficavam assustadas nas partidas contra a gente. As mães assistiam e diziam que não tínhamos aquela idade - afirma Deivid, em entrevista ao ge.

Deivid e Davi: irmãos são destaques no badminton — Foto: Marcelo Barone

Na Chacrinha, todos sabem o que eles praticam. Filhos de um segurança e de uma empregada doméstica, que ainda vivem no local, Davi e Deivid são nascidos e criados nas ruas e vielas da comunidade. Eles praticam o badminton desde os seis anos - suas vidas estão entrelaçadas com a da modalidade. Foi preciso, porém, driblar a violência para seguir nas aulas durante a infância.

- Passamos por muita dificuldade na Chacrinha. Na nossa cabeça, nós fomos os mais esforçados. Vínhamos treinar com chuva, debaixo de tiroteio, não tinha tempo ruim para a gente. Não foi fácil chegar até aqui, mas queremos ir ainda mais longe. A violência aqui era surreal. A gente é acostumado. Hoje é mais tranquilo, mas aonde moramos, lá em cima, era o foco do problema. O badminton significa superação, persistência - diz Deivid, apoiado por Davi.

- A Miratus tira muitas pessoas das ruas, que estão sem fazer nada ou que estão no tráfico. Teve um atleta nosso que acabou saindo daqui para o tráfico e faleceu. É muito importante para a comunidade, um meio de saída. É o futuro de muita gente. assim como esta sendo o meu, será o de muita gente ainda.

Deivid e Davi: criados na Miratus, no Rio de Janeiro — Foto: Marcelo Barone

O esforço de ambos foi recompensado com o passar dos anos. Disputaram campeonatos, colecionaram medalhas e viajaram pelo mundo. Hoje em dia, treinam em Americana (SP). Davi figura na 82ª posição do ranking, enquanto Deivid ainda tenta entrar no top 100. Eles não atuam juntos em quadra, mas estão na seleção brasileira de badminton.

- Ser atleta no Brasil é um desafio. E um orgulho também. Poucos chegam longe. O meu objetivo mais próximo é a classificação para o Mundial, na Dinamarca, no ano que vem. Eu sei que posso conseguir. O principal sonho é os Jogos Olímpicos de Paris, em 2024. Estar nas Olimpíadas seria uma grande vitória, mas conseguir uma medalha seria maravilhoso, perfeito - declara Davi, que conquistou medalhas de ouro, prata e bronze, nos Jogos Sul-Americanos, na dupla masculina, mista e no simples.

Sebastião Oliveira fundou o projeto em 1998 — Foto: Marcelo Barone

A inspiração para chegar às Olimpíadas vem do berço da Miratus: Ygor Coelho, filho do fundador do projeto, Sebastião Oliveira, e representante do Brasil na Rio 2016 e em Tóquio 2020.

- O Ygor é nosso espelho, está lá no top 100. Quero chegar nele ou ultrapassá-lo. O badminton pode me levar para muitos lugares, profissionalmente, e na vida. Aprendi muita coisa, mudei meus hábitos, me profissionalizei, criei mais responsabilidade, mais educação. O badminton fez uma diferença enorme na minha vida e pode me dar muito mais ainda, eu acredito - comenta Deivid.

O gigante e a baixinha

Davi e Sânia competem juntos desde abril — Foto: Miriam Jenske/COB

Na seleção brasileira, Davi e Deivid treinam em Americana, São Paulo. Os atletas, curiosamente, formam dupla com as irmãs Sânia e Sâmia Lima, respectivamente. O contraste de altura entre Davi, de 2,02m, e Sânia, de 1,50m, causou estranheza no início afinal, ele não atuava nas mistas. O resultado, contudo, apareceu rápido.

- Essa dupla foi formada em abril desse ano. Apareceu a convocação. Eu não era atleta de dupla mista, mas apareceu meu nome com o dela. Eu falei: "Não é possível, deve estar errado, até falei com ela". No México, perdemos a primeira, o que serviu de aprendizado. Depois fomos para os Jogos Sul-Americanos, em Assunção, no Paraguai, e conquistamos uma medalha de prata inédita para a gente, em nosso segundo torneio.

A dupla está afinada, mas não escapa das brincadeiras. A disparidade de tamanho rende momentos divertidos para eles e, também, para quem os assiste nas quadras.

- A minha dupla é carismática. A gente se dá bem dentro de quadra, eu sacaneio ela, e ela me zoa o tempo todo. As pessoas me chamam de Pé Grande, porque eu calço 48, de gigante, levo na boa... eu chamo ela de "Oompa Loompa". Mas essa combinação dentro de quadra é muito boa. Como sou muito alto e ela é baixa, eu cubro bastante do meio pra trás, ela a parte da frente, ajuda bastante.

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