Por g1 RN


Dois presos fugiram pela primeira vez na história do sistema penitenciário federal

Dois presos fugiram pela primeira vez na história do sistema penitenciário federal

Dois presos escaparam da Penitenciária Federal de Mossoró, na região Oeste do Rio Grande do Norte, no dia 14 de fevereiro. Esta foi a primeira fuga registrada na história do sistema penitenciário federal desde a criação, em 2006. A PF abriu um inquérito para apurar as circunstâncias do caso.

Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral Nascimento são ligados ao Comando Vermelho, facção de Fernandinho Beira-Mar, que na época da fuga também estava preso na unidade federal de Mossoró. Ele foi transferido para o presídio federal de Catanduvas após a fuga.

Nesta reportagem, você vai saber:

1. Quem são os criminosos?

Os dois fugitivos respondem por crimes como homicídio, roubo, latrocínio, tráfico de drogas e organização criminosa. Saiba mais a seguir:

  • Rogério da Silva Mendonça, conhecido como Querubin, de 35 anos. Condenado a 74 anos de prisão, responde a mais de 50 processos, entre os quais contam os crimes de homicídio e roubo. Ele é natural de Sena Madureira (AC).
  • Deibson Cabral Nascimento, 33 anos, também conhecido como "Tatu" ou "Deisinho". Seu nome está ligado a mais de 30 processos nos quais responde pelos crimes de organização criminosa, tráfico de drogas e roubo. Ele tem 81 anos de prisão em condenações.

Rogério e Deibson estavam no presídio de segurança máxima em Mossoró desde 27 de setembro de 2023.

Ambos foram transferidos após participarem de uma rebelião no presídio de segurança máxima Antônio Amaro, em Rio Branco, que resultou na morte de cinco detentos - três deles decapitados (veja históricos de crimes envolvendo os fugitivos).

Os detentos Deibson Cabral Nascimento (à esquerda) e Rogério da Silva Mendonça fugiram da Penitenciária Federal de Mossoró (RN) — Foto: Reprodução

Os dois já tentaram escapar juntos, em 2013, do Complexo Penitenciário Francisco de Oliveira Conde, apontam documentos sigilosos do sistema prisional do Acre, obtidos pela GloboNews.

A Interpol incluiu na quinta-feira (15) os nomes dois dois fugitivos na difusão vermelha -- lista de criminosos procurados internacionalmente porque trabalha com o risco de eles tentarem fugir para países vizinhos.

2. Como eles fugiram?

Segundo apurou o Fantástico, que entrou nas celas de onde os presos fugiram, os dois fugitivos estavam em uma área com 12 celas do isolamento - onde ficam os presos que cumprem pena no Regime Disciplinar Diferenciado, o RDD, o mais rígido dentro dos presídios federais.

Eles estavam em celas separadas uma ao lado da outra, a número 1 e a número 2. Cada cela tem 8 metros quadrados, com mesa e cama de concreto, banheiro e, como passam o dia todo trancados, um espaço bem pequeno para o banho de sol ali mesmo, o solário.

  • Uma das hipóteses da investigação é que os detentos tenham retirado pedaços de vergalhão das paredes da cela e usado como ferramenta para retirar a luminária, que fica em uma parede lateral. Pode ter sido do banheiro, pode ter sido de uma parede, mas pode ter sido também debaixo de uma mesa, onde não é possível ver mais vestígio da ferragem.
  • Os presos teriam usado as barras de ferro para retirar a luminária e também aumentar o buraco, para conseguirem passar.
  • A estimativa dos investigadores é de que os presos levaram mais de três dias para retirar a luminária e abrir o buraco.
  • Já está confirmado que os detentos usaram uma mistura de sabonete e papel higiênico como uma espécie de reboco para camuflar os buracos nas paredes.
  • O sabonete também foi usado para deixar o buraco mais escorregadio e facilitar a passagem.
  • Depois de passarem pelo buraco aberto na parede, os detentos tiveram acesso a uma área de serviço conhecida como shaft - por onde passam dutos, rede elétrica e até uma escada que dá acesso ao telhado do presídio.
  • Após chegar ao teto das celas, os presos tiraram uma das telhas do lugar e pularam para o pátio.
  • A área externa estava cercada por um tapume de metal por causa de obras que estão acontecendo no presídio. Por questões de segurança, o cercado delimitava onde ficavam os operários e o material.
  • Os detentos passaram pelo tapume e usaram um alicate deixado pelos operários para cortar a primeira parte da grade. Andaram mais alguns metros, abriram a passagem na segunda tela e fugiram.

"É importante destacar que foi necessária uma primeira ferramenta, né? Agora, como essa ferramenta e como eles conseguiram, a gente ainda não tem essa resposta", diz a perita criminal federal Luciana Lobato Schimidt (veja vídeo abaixo).

Fantástico entra nas celas de presídio de segurança máxima em Mossoró e mostra falhas de segurança que levaram à fuga de presos

Fantástico entra nas celas de presídio de segurança máxima em Mossoró e mostra falhas de segurança que levaram à fuga de presos

Não há informação sobre quantos agentes penitenciários atuavam na unidade no momento da fuga.

O corregedor do presídio, Walter Nunes, afirma que caso os protocolos de segurança tivessem funcionado, a fuga não teria acontecido.

"Houve, sim, uma falta de observância do protocolo, até porque, ainda que fosse uma hipótese de uma perfuração de qualquer que fosse a parte da cela, naturalmente isso demandaria tempo."

Fuga da Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte — Foto: Arte/g1

3. O que foi feito após a fuga?

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, determinou uma série de providências após a fuga dos presos, incluindo a revisão de todos os equipamentos e protocolos de segurança nas cinco penitenciárias federais do país. Também foram determinados:

O secretário André Garcia, da Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça (Senappen), viajou até Mossoró no dia 14 de fevereiro com uma comitiva do Ministério da Justiça para apurar o caso de perto. Após quatro dias da fuga, o ministro Ricardo Lewandowski visitou a cidade e classificou a fuga como um "problema localizado".

O Ministro da Justiça autorizou o uso da Força Nacional nas buscas no dia 19 de fevereiro. Dois dias após a autorização, o uso da Força Penal Nacional para o reforço da segurança externa da Penitenciária Federal também foi autorizado.

No dia 24 de fevereiro, a Polícia Federal anunciou uma recompensa de até R$ 30 mil por informações sobre fugitivos.

No dia 2 de março, Fernandinho Beira-Mar e mais 22 presos foram transferidos de presídio em Mossoró - eles foram espalhados pelas quatro outras penitenciárias federais do Brasil.

No dia 13 de março, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, voltou a Mossoró e disse em entrevista coletiva que a força-tarefa tem "fortes indícios" de que os fugitivos permanecem na região 29 dias após a fuga e que, por isso, a operação será mantida.

No dia 2 de abril, a Corregedoria-geral da Senappen, do Ministério da Justiça, concluiu o relatório que apurava a responsabilidade dos funcionários da Penitenciária de Mossoró na fuga. A corregedora Marlene Inês da Rosa abriu processos adinistrativos disciplinares contra 10 servidores. Outros 17 foram determinados a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Ela concluiu que houve falhas de procedimentos carcerários.

Um levantamento da GloboNews apontou que os gastos na operação pelas buscas pelos suspeitos superaram os R$ 2 milhões.

4. Como acontecem as buscas?

Ao todo, mais de 500 agentes de segurança entraram em operação para tentar recapturar os fugitivos, segundo o ministro Ricardo Lewandowski.

Um grupo da unidade de elite da Polícia Federal chegou no Ceará, no dia 16 de fevereiro, para se unir à operação de fiscalização e buscas na divisa entre o Ceará e o Rio Grande do Norte. Foram enviados 25 integrantes do Comando de Operações Táticas da PF (COT), unidade de elite da PF, e 7 policiais do Grupo de Resposta Rápida da PRF (GRR).

Neste período, as buscas encontraram algumas pistas:

Passo a passo da fuga dos criminosos — Foto: Arte: g1

5. O que são penitenciárias federais?

Vista da Penitenciária Federal de Mossoró — Foto: Senappen/Divulgação

O sistema penitenciário federal foi criado em 2006 com objetivo de combater o crime organizado, isolar lideranças criminosas e os presos de alta periculosidade.

5 prisões de segurança máxima espalhadas pelo Brasil, incluindo a de Mossoró. Esta é a primeira fuga registrada desde a criação do sistema.

Para ser transferido para um presídio federal, o detento precisa se enquadrar em alguns pré-requisitos:

  • ter função de liderança ou participado de forma relevante em organização criminosa;
  • ser membro de quadrilha ou bando, envolvido na prática reiterada de crimes com violência ou grave ameaça.

Os presos são incluídos no sistema penitenciário federal por três anos, mas o prazo pode ser prorrogado quantas vezes forem necessárias.

  • Como funcionam penitenciárias federais? As regras nos presídios de segurança máxima são rigorosas. Até mesmo dentro da cela individual, de 7 metros quadrados, há procedimentos a serem seguidos: O chuveiro liga em hora determinada no único horário disponível para o banho do dia. A comida chega através de uma portinhola. A bandeja é recolhida e em seguida vai para inspeção.
  • Onde ficam as prisões de segurança máxima no Brasil? Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Mossoró (RN), Porto Velho (RO) e a mais recente, em Brasília (DF).

6. Como funciona a penitenciária federal de Mossoró?

Inaugurado em 2009, o presídio de segurança máxima de Mossoró tem capacidade para 208 presos, mas atualmente conta com pouco mais de 80 detentos. A unidade recebeu os primeiros detentos em fevereiro de 2010 - eram 20, transferidos do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte.

Mossoró é a segunda maior cidade do RN. A penitenciária fica em uma área isolada, distante cerca de 15 quilômetros do centro da cidade, na altura do quilômetro 12 da rodovia estadual RN-15, que liga Mossoró a Baraúna.

A unidade foi a terceira penitenciária federal a ser construída pela União (há 5 no total), e passa por uma reforma que pode ter facilitado a fuga, segundo a Senappen.

Na reforma do presídio de Mossoró, está sendo construída uma muralha igual à da penitenciária federal de Brasília. Este novo equipamento de segurança está previsto para todas unidades federais.

Segundo o Fantástico, um relatório produzido em maio de 2021 aponta que das 192 câmeras instaladas no presídio, 124 estavam inoperantes e mesmo as que funcionavam apresentavam instabilidade, com perda de imagem.

Em agosto de 2023, a divisão de inteligência apontou que problemas no acesso a um dos shafts, na mesma área de serviço que fica atrás das celas por onde os presos passaram. A portinhola estava destrancada, mas na análise descobriram que ela não fechava porque estava totalmente corroída por ferrugem.

O relatório ainda alertava que se algum preso retirasse a luminária das celas teria acesso à area externa da penitenciária, exatamente o que aconteceu na madrugada do dia 14 de fevereiro.

Mapa da Penitenciária Federal de Mossoró. — Foto: Arte g1

Veja características da penitenciária:

  • Área total de 12,3 mil metros quadrados.
  • Celas individuais de 7m² divididas em quatro pavilhões. Dentro delas, há dormitório, sanitário, pia, chuveiro, uma mesa e um assento. Não há tomadas, nem equipamentos eletrônicos.
  • Mais 12 celas de isolamento para os presos recém-chegados ou que descumprirem as regras.
  • O chuveiro liga em hora determinada, a comida chega através de uma portinhola e a bandeja é inspecionada.
  • As mãos devem estar sempre algemadas no percurso da cela até o pátio onde se toma sol.
  • Câmeras de vídeo reforçam a segurança 24 horas por dia, segundo o governo federal.
  • Dentro do presídio, ainda há biblioteca, unidade básica de saúde e parlatórios para recebimento de visitas e de advogados, além de local para participação de audiências judiciais.

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