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Por Agência o Globo


date app, tinder, app de namoro, aplicativo, redes sociais — Foto: Getty Images
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No recém-lançado “Os maridos” (Intrínseca), romance da australiana Holly Gramazio, a protagonista é uma mulher solteira que, certa noite, se depara com um desconhecido que alega ser seu cônjuge. Ela logo descobre que seu sótão é uma espécie de “portal” de maridos: a cada vez que um deles sobe ao local, é substituído por outro homem.

Holly até tenta escolher o parceiro ideal, mas sempre acha algum tipo de defeito nos candidatos. Por fim, acaba sufocada pelo fluxo infinito de opções. Qual é o sentido de investir tempo e criar uma conexão emocional, se ela sempre poderá encontrar alguém melhor na próxima ida ao porão?

A trama segue a via do absurdo, mas toca numa ferida real. Sucesso de público e crítica, o livro de Gramazio, que hoje vive em Londres, vem sendo tratado como uma metáfora da turbulência afetiva na era dos aplicativos de namoro. Graças ao “cardápio humano” de plataformas como Tinder e Bumble, nunca foi tão fácil paquerar. Mas também nunca foi tão difícil estabelecer relacionamentos mais profundos. O fenômeno gerou até uma nova expressão: dating burnout, a exaustão provocada pelo acúmulo de mais e mais encontros românticos, e a consequente dificuldade de lidar com expectativas em torno deles.

— Quando você tem um número enorme de opções, torna-se muito difícil tomar uma decisão — diz Gramazio por e-mail ao GLOBO. — Às vezes, pode parecer que deve haver uma única decisão correta, como se você devesse continuar pensando em todas as suas opções, reunindo novas e fazendo listas e tentando resolver tudo até identificar a melhor escolha. E isso pode acontecer quando você está olhando para 300 tipos diferentes de escova de dentes em um supermercado, ou quando você está deslizando por 300 rostos diferentes em um app de namoro.

Como a protagonista de Gramazio vai aprender, escolhas perfeitas não existem. Até as boas opções são boas “de maneiras diferentes”, diz a autora.

‘Era pra ser?’

É um dilema parecido com o da protagonista do romance “Prazos de validade”, de Rebecca Serle, que sai este mês pela Paralela. Sempre que conhece uma pessoa nova, a jovem recebe um papelzinho com a duração que o relacionamento deve ter. Enquanto espera o par ideal, ela encara seus namoros como temporários e começa a se questionar se é mesmo possível existirem almas gêmeas em uma era de escolhas infinitas. A narrativa é repleta de dúvidas atuais. O que faz um relacionamento ser duradouro? O amor de verdade acontece porque “era para ser” ou exige esforço e paciência?

A psicóloga e professora Tatiana Paranaguá — Foto: Foto: Arquivo pessoal
A psicóloga e professora Tatiana Paranaguá — Foto: Foto: Arquivo pessoal

A rotatividade frenética e a falta de compromisso dos relacionamentos contemporâneos não provocam apenas exaustão, mas também um certo vazio existencial. É o que defende a psicóloga e professora da Casa do Saber Tatiana Paranaguá, em seu “Vínculo fantasma” (Record). A expressão que dá título ao livro designa o hábito de se afastar ao primeiro sinal de intimidade. A tendência seria ainda mais dolorosa do que o “ghosting”, que é quando a pessoa some repentinamente e corta toda comunicação com a outra.

O vínculo fantasma pode se arrastar por relacionamentos longos, sempre driblando os estágios de maior envolvimento. O comportamento não é novo, claro, mas teria ganhado intensidade por conta de uma “epidemia da imaturidade”, como define a autora.

— Hoje, há um foco no prazer imediato, o que gera uma ansiedade tremenda — diz Tatiana. — As pessoas tentam tapar o buraco emocional com mais compulsão e frenesi, caindo em um ciclo vicioso. Há sempre um estímulo pela troca, pelo novo, por um amor que é bonito porque não se conclui. Mas uma mina de ouro precisa ser garimpada, e leva tempo.

Depois de publicar o livro, Tatiana achou que passaria a receber mais pacientes sofrendo por abandono. Mas percebeu que também estava “exorcizando os fantasmas” de corações avessos a compromissos.

— Recebi pacientes que se reconheceram no que escrevi e decidiram que não queriam mais ser essa pessoa — conta. — Porque mesmo quem gosta desse estilo de vida tem um grau de sofrimento, como se estivesse preso em si mesmo.

Os caçadores

Na era dos apps, os relacionamentos “voláteis” seguem muitas vezes a lógica da “gamificação” — aplicam na vida estruturas próprias dos games, como competições, desafios e recompensas. Alguns usuários desses aplicativos são conhecidos como colecionadores de “match” — caçam o interesse do outro como num jogo, e pouco interagem com seus pares após a estrelinha do like.

Não por acaso, Gramazio tem um background como designer de games. Ela originalmente concebeu “Os maridos” como um jogo eletrônico, mas acabou transformando a ideia em um romance:

— A premissa do jogo era fazer as pessoas pularem entre relacionamentos, escolhendo quando trocar de marido, tentando encontrar um momento em que estivessem felizes em permanecer. Mas não era divertido jogar, pelos mesmos motivos que os apps de namoro gamificados não costumam ser divertidos. Era muito estressante tomar decisões, você estava sempre se perguntando o que estava perdendo.

Nova cultura

O mundo passa por uma grande mudança na cultura do namoro, afirmam os especialistas de um campo cada vez mais requisitado, a “ciência do relacionamento”. Com tanta gente perdida diante de novos paradigmas românticos e sociais, mentores e coachs encontraram nesse segmento da população uma oportunidade de ouro, enquanto o mercado editorial aproveita o embalo com livros de não ficção que ensinam os leitores a criarem vínculos mais significativos e verdadeiros.

Em “Como encontrar o seu par” (Sextante), a mentora de relacionamentos Logan Ury tenta entender por que o mundo do namoro está tão caótico e frustrante. Formada em Harvard, a badalada coach usa expressões como “companheiro(a) para a vida” e “acompanhante para o baile”.

Os primeiros seriam pessoas dignas de confiança que vão ficar com você para toda a vida. Já os segundos, “indivíduos divertidos a curto prazo”, mas que acabam deixando você na mão.

“Tenha em mente que algumas das melhores conexões surgem de um crescimento gradual, em vez de uma faísca imediata”, recomendou ela em uma recente entrevista para a revista Cosmopolitan. “Não há um tempo definido para se conectar com alguém, então não se preocupe em comparar-se com as pessoas ao seu redor.”

A primeira lição, explica ela no livro, é entender o seu próprio perfil e seus próprios desejos. Ury conta que muitos dos seus clientes não sabem o que querem. Nascidos no auge da taxa de divórcio nos anos 1970 e 1980, eles não têm modelos de relacionamentos duradouros para se basear.

A falta de uma referência mais forte tem um lado positivo. Como os modelos de relacionamento se expandiram, a coach acredita que as pessoas ganharam mais liberdade para experimentar novas possibilidades. Só que as múltiplas opções também podem fazer as pessoas se sentirem “esmagadas”, acredita Ury.

Disputa por atenção

Uma coisa é certa, aponta o autor e cineasta Topaz Adizes: nos relacionamentos, você recebe o que você dá. Ele é autor de “Amor em 12 perguntas” (Harlequin), que oferece ferramentas para ter diálogos atentos e relevantes em um relacionamento.

Como mostra a série “{THE AND}”, que venceu o Emmy, Adizes passou uma década observando conversas entre casais para aprender os caminhos de uma conexão profunda.

— Quanto mais atenção, amor e cuidado você dá, mais recebe em troca — diz Adizes. — Eu realmente acredito que a experiência do amor está mudando. Podemos usar as mesmas palavras, mas acredito que essas palavras correspondem a diferentes experiências emocionais.

O cineasta faz uma relação com relacionamentos d’outrora, mostrando que o tempo tem sua importância:

— Nossos avós, por exemplo, costumavam escrever cartas de amor um ao outro. Eles enviavam a nota para o outro e aguardavam uma resposta. Às vezes, por semanas. A velocidade da comunicação era mais lenta e, portanto, a sensação de amor estava mais correlacionada com paciência e tempo. É muito difícil fazer isso quando há tantas coisas, como redes sociais, aplicativos de namoro e mídia de entretenimento, disputando sua atenção e tempo.

Serviço

‘Os maridos’. Autora: Holly Gramazio. Tradutor: Mariana Moura. Editora: Intrínseca. Páginas: 352. Preço: R$ 69,90.

‘Prazos de validade’. Autora: Rebecca Serle. Tradutor: Lígia Azevedo. Editora: Paralela. Páginas: 264. Preço: R$ 64,90.

‘Vínculo fantasma’. Autor: Tatiana Paranaguá. Editora: Record. Páginas: 196. Preço: R$ 49,90.

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