SXSW

Por Marisa Adán Gil


Seres digitais farão parte da realidade cotidiana, segundo Ian Beacraft — Foto: Getty Images
Seres digitais farão parte da realidade cotidiana, segundo Ian Beacraft — Foto: Getty Images

Há três anos, a palestra de Ian Beacraft é uma das mais disputadas do South by Southwest (SXSW), o maior festival de tecnologia e inovação do mundo, que neste ano acontece entre os dias 10 a 19 de março em Austin, nos Estados Unidos. Todos querem saber o que vai pela mente do guru das tecnologias emergentes.

Metaverso das coisas, realidade sintética, seres digitais, inteligência artificial generativa, Web3, NFTs, criptomoedas: Beacraft aborda todos os temas com profundidade, sendo capaz de mostrar não apenas o que está sendo feito, mas o que vai acontecer nas próximas décadas - e como isso irá afetar as empresas, os relacionamentos humanos e a sociedade.

Ian Beacraft vai falar sobre IA e metaverso no SXSW 2023 — Foto: Divulgação
Ian Beacraft vai falar sobre IA e metaverso no SXSW 2023 — Foto: Divulgação

Fundador e Futurista-Chefe da Signal and Cipher, ele ajuda líderes de algumas das maiores empresas do mundo a encontrar aplicações concretas e valiosas para as novidades que surgem todos os dias. Pela sua mesa, já passam líderes da Nike, Samsung, Intel, Coca-Cola, Google e Microsoft, entre outros.

Nas horas vagas, comanda o estúdio de design virtual DeFiance Media, responsável pelo “Future Report”, em que Beacraft apresenta as notícias de tecnologia como um ser humano “sintético” – palavra que ele usa para designar tudo que tem como base algoritmos.

No dia 12 de março, ele fará em Austin a palestra I'm Dating an AI: How the Metaverse Changes Society (Estou saindo com uma IA: Como o Metaverso Muda a Sociedade). “Com o tempo, muitas pessoas se envolverão com seres virtuais”, disse Beacraft, em entrevista exclusiva a Época NEGÓCIOS. “Talvez eles não correspondam aos nossos sentimentos de maneira totalmente genuína. Mas, para muita gente, isso não vai fazer a menor diferença.”

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Vamos falar sobre o tema de sua palestra no South By Southwest. No futuro, vamos todos namorar seres virtuais no metaverso?

Bem, nós estamos muito mais próximos disso do que muitos imaginam. A ideia de ter um relacionamento com um ser artificial é um clichê que já vimos muitas vezes em Hollywood, e também em romances e livros de ficção científica. O exemplo mais literal disso é o filme “Ela”, em que o personagem principal se apaixona por sua assistente virtual. E já há empresas trabalhando nisso. Existe uma companhia chamada Replica, que desenvolveu uma assistente virtual com quem você pode conversar, e que aos poucos aprende mais sobre você e as coisas de que gosta. É possível manter uma relação amorosa com essa IA. Com o tempo, teremos muitos exemplos desse tipo de aplicação, especialmente agora que a inteligência artificial desenvolveu a capacidade de copiar a linguagem, o discurso e as emoções humanas. Talvez não seja um ser que corresponda aos nossos sentimentos de maneira genuína. Mas, para muita gente, não vai fazer a menor diferença.

O fato de não percebermos a diferença é algo positivo, na sua opinião? Afinal, não se trata de uma pessoa real.

Nossos cérebros não fazem essa distinção. E, com o avanço das tecnologias ligadas ao metaverso, o efeito será amplificado. Veja bem, qualquer nova tecnologia irá necessariamente amplificar os melhores e os piores traços dos seres humanos. Então veremos aplicações incríveis, como o aprimoramento das terapias relacionadas à saúde mental, ou à capacidade de socialização. Alguns especialistas já utilizam seres virtuais para ajudar as pessoas a conseguirem manter o contato visual e conversar de maneira mais desenvolta. Mas, claro, também haverá pessoas dispostas a criar aplicações que tenham efeitos nocivos sobre a mente humana. De uma certa maneira, isso já acontece hoje nas redes sociais. Somos viciados nas doses de dopamina que nosso cérebro recebe quando alguém interage conosco, seja no TikTok, Instagram ou Snapchat. Isso também pode acontecer com o metaverso.

Ian Beacraft é o CEO da Signal and Cipher, e também da DeFiance Media — Foto: Divulgação
Ian Beacraft é o CEO da Signal and Cipher, e também da DeFiance Media — Foto: Divulgação

Você já disse que o metaverso vai trazer uma mudança muito profunda para a sociedade. Acha que vamos viver nele, como propôs Zuckerberg?

Espero que não. Acho que estamos tão distantes dessa versão imersiva e onipresente do metaverso que, na hora em que ela chegar, será totalmente diferente de qualquer coisa que possamos imaginar hoje. De qualquer maneira, não será o que a Meta pregou. Veja bem, hoje as pessoas passam dez horas por dia em mundos virtuais como Roblox ou Fortnite. Mas ninguém aguenta ficar mais do que 20 minutos no Horizon Worlds – em parte, por causa do equipamento, que não permite uma experiência mais orgânica com esse mundo.

Na minha visão, o metaverso é algo que estará em torno de nós, como a internet está hoje. Não será um mundo separado, será algo que vai fazer parte da vida. Lembra quando nós dizíamos que íamos “entrar online”? Hoje seria absurdo dizer isso, porque estamos online o tempo todo. Com o metaverso vai ser a mesma coisa. Ou talvez eu devesse dizer “os metaversos”, porque teremos muitos formatos diferentes de imersão. Na CES [Consumer Electronics Show] deste ano, foi discutida a ideia do metaverso das coisas: haverá diversas portas de entrada para esses mundos, que serão uma extensão do nosso mundo real, com dados passando de uma realidade para outra, sem atrito.

E a realidade aumentada terá um papel fundamental nessa experiência, certo?

Sim, com certeza. Isso é uma das coisas que as pessoas não percebem: os mundos vão estar misturados. A realidade à sua volta será modificada. Projetores e equipamentos de luz e som serão importantíssimos para isso. Teremos algo como mapas sendo projetados em edifícios, ou modelos tridimensionais lado a lado com artistas em um festival – algo que o Snapchat já vez, em parceria com a Live Nation. Eu acredito que grande parte dessas experiências imersivas serão vividas em grupo. Nesse momento, a LG está criando experiências nas quais pessoas em diferentes localidades levantam seus celulares e podem viver a mesma coisa ao mesmo tempo, por meio da realidade aumentada. Quando essas experiências sociais se tornarem mais frequentes, aí sim é que o metaverso vai ganhar força.

De que maneira a inteligência artificial pode nos ajudar a criar esses mundos virtuais ou aumentados?

A inteligência artificial será fundamental para a construção dessas novas realidades. O metaverso só será possível por causa da evolução da IA, e da maneira como geramos conteúdo. Anos atrás, eu já dava palestras sobre como a IA generativa [capaz de criar conteúdos originais] seria capaz de gerar experiências transformativas, e isso está começando a acontecer agora, com as pessoas interagindo com sistemas como o DALL-E e o ChatGPT. É algo incrível de se ver. Mas ainda estamos bem no começo. Agora imagine o que vai acontecer quando formos capazes de unir a capacidade de gerar conteúdo da IA com o poder dos game engines para criar novos mundos. Em resumo, cada pessoa será capaz de criar seu próprio mundo virtual. É para isso que estamos caminhando. E isso vai mudar o modo como vemos a realidade sintética.

O que é realidade sintética?

O termo vem da expressão mídia sintética, que é algo parcialmente ou completamente gerado por algoritmos. Cinco anos atrás, isso consistiria em uma pequena fatia do conteúdo presente na internet. Mas os especialistas preveem que, em dez anos, já será 90% da internet. Eu acho que vai ser 99%. Porque nós vamos viver nesse espaço entre a realidade física e a realidade virtual, namorando assistentes digitais, ou entrando e saindo de diferentes mundos, ou trabalhando com sistemas de IA. De certa maneira, a realidade sintética será a nossa realidade. A nova geração já não faz mais distinção entre os mundos. Vi uma entrevista do Keanu Reaves, onde ele conta que tentou explicar o enredo de Matrix para o filho, dizendo que o Neo precisava descobrir o que era real ou não. E o filho adolescente disse: “Pra quê? Por que isso seria importante?”. Então é assim que a Geração Z pensa. Eles realmente não veem a diferença.

E são eles que vão criar os “metaversos”? Não tenho certeza de que as gerações anteriores estejam muito interessadas nisso.

Sim, porque nós estamos acostumados a experimentar mundos que outros criaram para nós. Estamos acostumados com os Facebooks e os Fortnites e os TikToks da vida. Veja bem, a genialidade da IA generativa é que todos podem ser criadores, mesmo que não tenham as habilidades técnicas para isso. E os próprios sistemas de IA são ótimos em criar mundos nichados, com características bem peculiares. É claro que estou falando de um assunto bem polêmico aqui. Há muita gente indignada com a ideia de que a IA pode criar algo novo e original. Mas, se eu fosse um artista, eu estaria pensando em todas as possibilidades que a IA abre para mim. Você pode tentar novas maneiras de criar, em áreas que nunca havia experimentado antes.

Não é o caso de ver a IA como uma inimiga, porque daí a derrota é certa.

Exatamente. Essa é a nova realidade, não tem volta. Então você terá que se tornar um artista diferente, um escritor diferente, um profissional diferente. Não tenho nenhuma ilusão de que essa transição será fácil. Vai ser uma jornada turbulenta, que vai mudar a natureza do trabalho, não só para os artistas, mas para todos os profissionais, e vai possibilitar um outro nível de experiência.

Isso não quer dizer que você não possa ficar irritado com a invasão da IA. Isso é da natureza humana. Quando a sua fonte de renda e o seu propósito são ameaçados, é a sua identidade que está em jogo. E a reação natural é colocar a raiva no inimigo mais óbvio. Veja bem, eu vejo muitos problemas na maneira como alguns trabalhos estão sendo usados sem os créditos e pagamentos devidos, e muitas vezes sem o conhecimento do artista. Mas acho que o foco deve estar em como incorporar essa nova tecnologia à sua vida, porque ela não irá a lugar nenhum. As novas gerações não vão entender qual é a diferença entre a arte que surgiu a partir de uma jornada espiritual e a arte criada por uma máquina, capaz de levá-las para uma jornada espiritual.

Qual será o papel da Web3 nessa transição para a realidade sintética?

Eu acredito que a Web3 fornecerá a base econômica para que essas mudanças ocorram. Toda a ideia do metaverso é que o movimento entre realidade física e sintética ocorra sem atrito, sem fricção, de forma natural. E que as pessoas sejam capazes de comandar seus próprios mundos de forma descentralizada, sem que isso gere problemas com as instituições. A Web3 tornará tudo isso possível, e também mudará a maneira como os negócios são conduzidos. Hoje em dia, as companhias têm como principal objetivo criar uma vantagem competitiva que o concorrente não seja capaz de alcançar. Mas a Web3 e a descentralização vão mostrar que a vantagem colaborativa pode ser muito mais importante. Quanto mais você colaborar com outras empresas, grupos e profissionais, mais bem-sucedida será a companhia.

No comando da Signal and Cipher, você ajuda líderes de grandes companhias a dominar e monetizar as tecnologias emergentes. Qual é a maior demanda que você hoje dos CEOs hoje?

O maior desafio para eles é descobrir como criar o maior impacto possível em suas empresas a partir das tecnologias que estão surgindo. Então, se eu apresentar para eles apenas as possibilidades futuras do metaverso, isso não vai funcionar. É preciso explicar a eles o que pode ser feito imediatamente, as aplicações concretas, de maneira bem prática. Na área industrial, uma tecnologia de grande valor são os gêmeos digitais, capazes de otimizar o trabalho nas fábricas, aumentando a produtividade e reduzindo custos. Na área de entretenimento, o que os líderes procuram são formas de engajar o consumidor muito antes e bem depois de seu produto ser lançado. Nesse caso, a parte mais difícil é abrir mão do controle e criar uma experiência realmente interativa.

E, claro, nada é mais importante do que avaliar qual o melhor uso da inteligência artificial para a sua empresa. É a IA que vai mudar tudo, proporcionando um valor inestimável para as companhias. Uma das aplicações mais relevantes será o uso da inteligência artificial para agregar, traduzir e dar sentido à toda a informação que está espalhada (e muitas vezes trancada) em diferentes áreas da organização. Veja bem, muitas reuniões acontecem porque a pessoa responsável por fazer os projetos andarem não tem toda a informação de que precisa. O que a IA faz é criar uma rede de informações que cruza todos os computadores da empresa, de forma anônima, aglutinando os dados necessários sobre o andamento daquele projeto. E isso é incrivelmente poderoso. Estamos nos movendo muito rapidamente nessa direção. Acredito que, em seis meses, alguém já terá criado essa solução, que poderá ser usada por todas as empresas.

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