Enxuga Aí

Por Flávio Battaglia

Flávio Battaglia é presidente do Lean Institute Brasil (LIB)


 — Foto: Getty Images
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Resolver problemas sem criar outros não está entre as grandes competências da nossa sociedade atual. Geralmente, se faz o contrário. A impressão é que os métodos de solução utilizados apresentam uma certa “miopia”. Só enxergam um lado da questão. E não levam em consideração, sequer se preocupam, com os efeitos diversos, por vezes maléficos, que uma ação pode gerar. Os exemplos disso são incontáveis e estão em todas as áreas.

Por exemplo, só para ilustrar com um fenômeno recente, advogados dos EUA estimaram que podem chegar a dezenas de milhares o número de participantes de ações na Justiça, por causa dos efeitos colaterais não previstos em bula, contra fabricantes de medicamentos que prometem perda de peso.

Nas empresas, ocorre fenômeno similar. Talvez porque as pessoas se apropriem dessa mentalidade do “resolver, custe o que custar”. Assim, não são poucas as soluções pensadas e executadas que até minimizam um problema, pelo menos aparentemente (ou temporariamente). No entanto, as próprias soluções adotadas acabam gerando outros problemas, por vezes até piores do que o original, e que, quase sempre, se perpetuam na organização.

Isso geralmente acontece porque, na gestão tradicional, há uma tendência para se tentar resolver problemas de maneira isolada e um tanto quanto egoísta. Cada área, setor ou departamento busca otimizar seus esforços pontualmente, olhando para o “próprio umbigo”, muitas vezes em detrimento do “todo”. No mundo das organizações, pedaços excelentes, funcionando de maneira desconectada, podem levar a um péssimo desempenho sistêmico.

Assim, é muito fácil colocar em prática pseudo soluções que, sem que se perceba num primeiro momento, impactam diretamente a vida e trabalho de outras pessoas, em outros locais. E assim, cria-se uma cadeia de implicações, cujas consequências jamais foram planejadas.

A gestão lean propõe métodos específicos para solução de problemas que tendem a evitar esse tipo de efeito colateral.

Primeiro, todo problema precisa ser resolvido da maneira mais científica possível, ou seja, com base em fatos, dados e cuidadosa análise das causas raízes. Nessa análise, é necessário entender as origens mais profundas dos problemas e seus impactos, mas considerando toda a organização, não apenas o “meu departamento”.

De maneira similar, a solução proposta precisa ser igualmente científica, o que significa que ela deve ser capaz de neutralizar as causas raízes, estancando seus efeitos e, tão importante quanto, jamais criando espaço para outros desvios.

Parte do desafio é que, para isso acontecer, não se pode adotar uma postura individualista, algo comum em culturas que valorizam os “heróis”. Resolver problemas precisa ser uma ação coletiva, colaborativa, social mesmo. Toda a organização deve entender os problemas que tem. As pessoas precisam conhecer as possíveis soluções para que possam, se necessário, alertar sobre potenciais desdobramentos indesejáveis ou contribuir para que alternativas mais econômicas, eficientes e sustentáveis sejam colocadas sobre a mesa.

Claro que fazer isso não é tão fácil ou mesmo imediato. É preciso desenvolver continuamente elementos que são hoje cada vez mais importantes, como o diálogo sincero entre as pessoas, a capacidade de ouvir da maneira ativa e, principalmente, fomentar lideranças que consigam integrar os indivíduos para que todos consigam pensar e aprender juntos.

Do contrário, podemos até não perceber, mas continuaremos repetindo, dentro das empresas, os equívocos que nossa sociedade, infelizmente, insiste em cometer dia após dia. Resolve-se um problema, o que gera outros, que trazem mais alguns...como se fosse um efeito dominó sem fim. Precisamos encontrar meios de interromper esses ciclos.

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