Diário de um Empreendedor

Por Tiago Dalvi


 — Foto: Getty Images
— Foto: Getty Images

Você acordou hoje e reconheceu que o seu momento é muito difícil. A sua empresa, seja ela um pequeno comércio ou uma grande multinacional, a qual você dedicou tanto tempo precioso da sua vida nos últimos anos, está passando por um momento desafiador e precisa de um verdadeiro ponto de virada.

Ao longo dos últimos anos, seu negócio superou a fase de arrebentação inicial e se consolidou em seu bairro, setor ou categoria. Com seu crescimento, chegaram novos desafios, assim como o jogo e a dinâmica de mercado já não são mais os mesmos.

No caminho do crescimento mais acelerado, seu negócio perdeu em rentabilidade. Se antes você tinha total controle sobre cada detalhe, agora tudo parece mais complexo e difícil de ser ajustado. Com isto, o resultado da sua empresa começa a degradar até um momento em que você precisa tomar uma decisão definitiva.

Essa é uma situação extremamente difícil, estressante e você provavelmente sente que está fazendo seu máximo, porém não consegue enxergar um caminho possível de mudança.

E agora, o que você faz?

Em momentos críticos, como o que eu acabei de descrever, eu vejo duas alternativas bem simples: a primeira é colocar um ponto final nesta história empreendedora. Você já fez muito e não se sente capaz ou com energia de quebrar mais essa pedra. Esta é uma opção justa para muitos. Antes de se endividar e gerar um prejuízo financeiro e um impacto negativo para sua saúde, você teve a coragem de encerrar este ciclo. Considerando que estamos no Brasil, este é um desafio ainda maior. Claro, não é fácil, pois tudo aquilo que você criou e imaginou para seu futuro termina aqui, longe de um sonho de virada que um dia viria.

A segunda opção é talvez ainda mais desafiadora: se lançar ao abismo, seguir em frente, colocar mais uma vírgula nessa história e desbravar a dor do desconhecido. Porém, essa opção vem com o custo de ainda mais dor, mais mudança e muito mais frio na barriga.

E aí, o que você escolheria?

Eu te convido a seguir o segundo caminho comigo, apesar de ter muito respeito por quem optou pela primeira opção.

Antes disso, deixa eu colocar um pouco de luz no que pode estar contribuindo para sua realidade ser tão dura.

Com todo esse ruído, você acabou despriorizando algo muito importante: seu cliente. Você esqueceu quem ele é e o que ele pensa e diz sobre seu produto ou negócio. Boa parte do seu tempo mais nobre não é mais investido para, genuinamente, ouvir e entender a experiência com seu produto.

Sinto lhe dizer, mas o seu radar falhou e, por conta disso, seu negócio poderá quebrar se nada for feito; porém, você ainda não percebeu que essa é a principal causa.

De alguma forma, na trajetória de mudar a empresa de patamar, algumas coisas podem acontecer e te desconectar do que deve ser a essência de todo negócio: gerar valor para o cliente.

Isso acontece por vários motivos. Seja pelo fato do seu negócio ter crescido e, ao trazer mais gente para sua operação, você acabou delegando vários chapéus que antes eram de sua responsabilidade e que agora estão nas mãos de gestores ou executivos.

Pode ser que você não percebeu, mas parte do seu time se tornou executor de tarefas diárias, deixando de trabalhar focado nas metas e objetivos do negócio. Muitos dos líderes da companhia se tornaram corporativos, focados na própria carreira e trajetória, e não nos seus clientes.

A execução do orçamento se tornou mais importante do que entender o impacto de cada entrega para o cliente, isto porque o objetivo é conseguir mais recursos para o orçamento do ano seguinte.

Quando as coisas estão difíceis, quase ninguém assume a frente. Na verdade, é difícil achar alguém que se responsabilize quando algo dá errado. O responsável se tornou a complexidade, alguém que já saiu ou mesmo a área vizinha. Ninguém quer aparecer demais e, portanto, a única pessoa a tomar risco, no final, é você. As análises com indicadores baseados em médias nunca foram tão presentes.

Você deixou de conhecer os detalhes do seu negócio, apesar de ir todo dia para o seu escritório. Você possui um time direto muito capaz e com um currículo brilhante que te diz que tudo está funcionando; porém, limitam suas atuações a própria área de conhecimento, perdendo a visão do todo.

Este contexto, com alguma nuance, é uma realidade muito comum a empresas que crescem e precisam se reinventar. Todo produto possui um ciclo de vida e, ao longo do tempo, precisa ser atualizado para continuar gerando valor ao cliente. Porém, se reinventar significa fazer uma virada 180 graus no seu negócio e entender que ser, de fato, obcecado pelo seu cliente é o melhor caminho para ler os sinais de mudança e se preparar com antecedência. Seu radar precisa voltar a funcionar!

Retome o controle da sua agenda e a organize em torno disso. Garanta tempo de qualidade para você refletir sobre processos e rotinas que permeiam seus clientes. Crie formas de ouvir e se conectar com eles diretamente, sem filtros, pontes ou comitivas. Não basta ler relatórios de NPS (net promoter score), atendimento e suporte. Focar no cliente significa não depender de um relatório que apresente uma média. Cada ponto de uma curva no gráfico importa e, em geral, os outliers (pontos distantes da média) podem trazer percepções ainda mais valiosas para você.

Procure administrar o efeito da dor em você. No início, vai ser difícil escutar e entender que o seu produto ou serviço precisam mudar, mas esse é o começo para seu time voltar a te reconhecer como uma liderança presente, estável e que merece confiança.

Faça terapia, vá caminhar ou correr, encontre algo que te permita gastar energia. Resolva seu sono. Você estar bem permitirá ao seu time te acessar e compartilhar mais. Esteja aberto a ouvir. Module suas reações. Falo isso por experiência própria. Tenho 2 filhos, um negócio que movimenta R$ 30 bilhões por ano e precisou se reinventar algumas vezes ao longo da última década.

Esteja atento e reavalie toda e qualquer liderança ou gestor que não saiba dos detalhes da área que lidera. Liderança que depende de alguém para responder uma pergunta técnica sobre algo importante da área que lidera está te atrapalhando e não vai te ajudar no processo de mudança que você precisa conduzir. A liderança da companhia deveria se responsabilizar e não gastar tempo apontando culpados.

Procure líderes técnicos, que saibam de cada detalhe do escopo que lideram e possuam uma curiosidade genuína. Pessoas que buscam aprender e ensinar cada tema importante relacionado ao seu escopo são as que realmente importam para você. Você precisa de alguém que tenha prazer em desenhar, com você, um novo processo no seu quadro branco. Pessoas que queiram reaprender quantas vezes forem necessárias.

Ter um time que tenha a responsabilidade de falar com seus clientes também não basta. Você precisa se tornar o líder dessa missão. E a sua missão é priorizar seus clientes.

Abraçar essa missão é o primeiro passo para a virada. Você vai conduzir uma transformação cultural dentro da sua própria empresa. Sua mudança de posicionamento vai impulsionar todo o time. E o seu exemplo vai ter mais impacto do que qualquer outra ação (que também serão realizadas nesse sentido) e, com muita consistência, a mudança acontece.

Uma vez que o time absorva essa nova realidade, você passa a compartilhar a missão. A partir disso, o impacto positivo para o cliente é o que vai nortear todas as decisões tomadas dentro da empresa.

E o que essa mudança de mindset significa no dia a dia da empresa: todo planejamento e novas ações serão norteadas por essa visão do cliente no centro. Esse direcional irá permear todas as áreas da empresa. Desde o atendimento a vendas ou qualquer lançamento de produto. A priorização levará em conta o que é mais importante para o seu cliente, mesmo que, no curto prazo, essa priorização não seja popular.

Com esse direcional em mente, a sua operação ganha eficiência, pois todos estão olhando para o mesmo lado e remando juntos para trazer a melhor solução e experiência possível para o cliente. Quando algum desafio aparece, vocês trabalham juntos incansavelmente para resolver da melhor forma possível para o seu cliente.

É muito trabalho. É um esforço diário e contínuo. O resultado deveria ser um negócio mais rentável, que gera uma percepção de valor positiva.

E olha você colocando mais uma vírgula em sua história.

*Apaixonado por tecnologia, Tiago Dalvi, CEO da Olist, tem como missão de vida transformar a realidade de milhares de PMEs no Brasil e no mundo. Nesta coluna, o empreendedor compartilha insights valiosos e práticos sobre como transformou sua loja no shopping em um negócio bilionário. Tiago, que também é pai de dois filhos e um apaixonado por automobilismo, é conselheiro da Endeavor e fundador de uma das maiores e mais promissoras empresas de e-commerce do Brasil.

Mais recente Próxima O nascimento e a reinvenção de um unicórnio