Diário de um Empreendedor

Por Tiago Dalvi


Unicórnio — Foto: Getty Images
Unicórnio — Foto: Getty Images

Tenho 37 anos, sou casado e pai de 2 filhos, natural de Londrina (PR). Mudei com 16 anos para Curitiba para cursar administração na UFPR e aqui fiquei. Sou apaixonado por pescaria esportiva e automobilismo. Já vendi produtos em feira de artesanato. Já tive loja em shopping. Já fui distribuidor para grandes varejistas. Já passei finais de semana embalando produtos, carregando, paletizando carga e até colocando produtos na gôndola para vender ao consumidor no supermercado. Sou um empreendedor brasileiro, daquele tipo curioso que já passou por um pouco de tudo ao longo dos últimos 20 anos.

Em 2011, decidi trazer toda a minha experiência do varejo físico para empreender no mundo online. Sem saber programar, me tornei um empreendedor de tecnologia. Aprendi a fazer query em banco de dados, mas confesso que este não é meu forte. Pelo menos, vergonha eu não passo. Mas analisar padrões de dados e entender o que realmente está acontecendo nas diferentes safras de clientes e frentes do negócio se tornou parte do meu DNA e uma paixão de longa data.

Na minha história, uma característica foi marcante até aqui: a de tomar porrada (rs). Mas o valor nunca esteve na porrada em si, mas o que aconteceu logo após ela. Como diria Ray Dalio: dor, seguida de reflexão, igual a evolução. Claro que não é tão simples, nem linear como está escrito. Mas se você entender que na vida, tirando a morte, tudo é uma vírgula e não um ponto final, você passa a dar mais valor para estes momentos. Essa característica formou uma espécie de prazer pelo desafio com um apetite ao risco e sem tanto medo de se ralar. No tempo, a casca ficou resistente o bastante para doer menos, porém flexível para ser abandonada por completo se necessário. Foi assim em diversos momentos ao longo da minha história. A cada virada, dor.

Hoje, a minha empresa movimenta cerca de R$ 30 bilhões ao ano e nos tornamos 3% do varejo, mas aposto que você ainda nem a conhece. Sou fundador e CEO da Olist. Nos tornamos unicórnio no hype do mercado, em 2021, mas confesso que nunca tive apreço a esta sigla e sempre preferi ser aquela cabra da montanha que resiste a qualquer intempérie do mercado.

Unicórnio é aquela empresa avaliada ao menos em US$ 1 bilhão e por muito tempo carregou o estigma de crescimento a qualquer custo, algo que não cabe mais no mercado de hoje. No apagar das luzes, em dezembro de 2021, anunciamos uma rodada de investimento Série E, e colocamos R$ 1 bilhão no caixa da empresa. Sucesso, finalmente? Zerei a vida? Longe disso, sinto que não estamos arranhando nem 1% do que podemos ser. Costumo dizer que ainda estou pedalando a bicicletinha e, se parar de pedalar, ela tomba. Sabe o que aconteceu logo após dezembro de 2021? Chegou 2022 (rs). Tudo mudou, meus caros leitores.

Aquele frenesi de olhar para o futuro com a convicção de que me tornaria o próximo Shopify ou Mercado Livre nos 2-3 anos seguintes foi rapidamente substituído por uma realidade árida, dura e sem garantia do que o futuro nos reservava. A equação é simples: previsibilidade futura e capital disponível te permitem tomar mais risco no negócio. Menos previsibilidade (mesmo com capital disponível) deveria modular seu apetite a risco. Neste contexto, a rentabilidade (que sempre foi importante) se tornou uma qualidade ainda mais relevante. Eu tomei a dura decisão de reduzir significativamente tudo aquilo que consumia mais capital no meu negócio e o retorno ainda era incerto e/ou demandaria muito mais capital no futuro, a ponto de nos colocar em uma situação de risco. Duro, mas importante.

Os últimos 2 anos foram os mais intensos da minha vida profissional até aqui. Iniciei uma reestruturação completa do negócio, aquela que eu lia nos livros de administração na faculdade. Coisa de gente grande. Partimos de uma empresa que crescia receita 3,5 vezes ao ano, em 2021 (porém, com margem de contribuição reduzida), para uma empresa rentável e cujo crescimento claramente depende de variáveis conhecidas e mais previsíveis. Também aproveitei para ajustar nossa visão de futuro e estratégia, o como faremos para chegar lá. Isto trouxe um nível de clareza absoluta para quem está comigo, que passaram a remar para uma direção única. Hoje, temos um negócio absolutamente mais saudável e com um futuro ainda mais promissor do que imaginávamos lá em 2021.

Mesmo unicórnios sentem dor e precisam se conectar com a realidade. Toda empresa, independentemente do tamanho, passa por momentos de transição e transformação. Passe por estes momentos de frente. O mercado é dinâmico, a concorrência avança, sua cultura evolui. Você também precisa ressignificar seu papel no negócio. Não se apoie em um título ou conquista do passado. O valor real está na sua capacidade de se reinventar quando ninguém mais acredita ser possível. Eu te garanto: o dia seguinte sempre dói um pouco menos. No mês seguinte, o ânimo já mudou. Aproveite cada crise, cada momento difícil, e não deixe decisões duras para depois. Você e seu time precisam encontrar uma saída. Ninguém fará isto por vocês. Afinal, você prefere a vírgula ou o ponto final?

*Apaixonado por tecnologia, Tiago Dalvi, CEO da Olist, tem como missão de vida transformar a realidade de milhares de PMEs no Brasil e no mundo. Nesta coluna, o empreendedor compartilha insights valiosos e práticos sobre como transformou sua loja no shopping em um negócio bilionário. Tiago, que também é pai de dois filhos e um apaixonado por automobilismo, é conselheiro da Endeavor e fundador de uma das maiores e mais promissoras empresas de e-commerce do Brasil.

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