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 — Foto: Getty Images
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A Inteligência Artificial (IA) é pauta recorrente no mundo empresarial e de fusões e aquisições há algum tempo, inclusive sob a perspectiva jurídica. Muito se fala sobre o potencial da IA em otimizar a prática do Direito Comercial e ainda mais sobre o papel do advogado e dos juristas, em geral, em se manterem atualizados e encarar as inovações tecnológicas como suas aliadas e as utilizar em seu favor. Mas, na prática, é possível perceber essa postura colaborativa e os resultados decorrentes da aplicação da IA nos processos de M&A?

A experiência mostra avanços tímidos. Ou, poderia se dizer, compatíveis com a dinâmica de constante evolução e aprimoramento de novas tecnologias. Afinal, historicamente, o Direito e a prática jurídica correm atrás dos avanços sociais para a eles se adaptar ou, até mesmo, moldá-los. Nesse sentido, o Direito Empresarial, principalmente por seu caráter cosmopolita, que permite trocas e adaptações com maior facilidade entre diversas áreas do conhecimento e jurisdições, já dá alguns exemplos da confluência com a IA.

O mercado de fusões e aquisições apresenta diversas frentes que poderiam se beneficiar da IA, seja por meio da otimização dos longos e exaustivos processos de due diligence, do desenvolvimento de estratégias mais precisas de avaliação e precificação (valuation), ou mesmo o oferecimento de uma gama maior e mais qualificada de informações para basear a tomada de decisões dos executivos. Como já demonstraram algumas pesquisas de especialistas do mercado, um dos principais usos da IA é a consolidação de dados diversos e esparsos em diferentes fontes para subsidiar gestores nas decisões de investimentos.

Outros fatores também são relevantes para a integração da IA nas operações de M&A: o crescente volume de operações envolvendo empresas de tecnologia (“Techquisitions”), a presença da IA na atividade principal de 60% das startups consideradas “unicórnios” pelo mercado, além do aumento no número de operações cujas targets são empresas que desenvolvem atividades baseadas em IA ou machine learning, principalmente como estratégia para obter acesso a essa tecnologia (IA), pois não conseguiriam ou gastariam muito mais tempo e investimento para desenvolver internamente.

Muitas empresas também apresentam dificuldades para encontrar profissionais qualificados para testar e implementar IA em suas organizações e, diante dessa escassez de profissionais e do aumento do interesse pela tecnologia de IA, as operações de fusões e aquisições de empresas com atividade voltada para IA tendem a aumentar.

Aliás, esses fatores por si só desenvolveram outras necessidades específicas para o mercado, como o cargo de CIO (Chief Information Officer) e o foco na análise jurídica de questões que envolvem direitos autorais, propriedade intelectual e código-fonte, visibilidade sobre os resultados da aplicação de IA, dados enviesados e a responsabilidade decorrente dessas questões (além, é claro, das demais formas de responsabilidade e responsabilização tradicionalmente discutidas em operações de M&A), regulamentação específica, privacidade e segurança cibernética.

Ainda assim, poucas empresas reportam ter utilizado IA em suas operações. De acordo com uma pesquisa realizada pela Governance Intelligence, apenas 8% das empresas relatam uso de IA ou machine learning em alguma etapa do processo de M&A, enquanto 6% dizem utilizar ferramentas de extração inteligente de conteúdos digitais.

Dentre estas, a maioria - aproximadamente 29% das empresas que afirmam utilizar ou ter utilizado IA em operações de M&A - são empresas de grande porte. Perguntadas sobre a otimização ou redução do tempo despendido com processos de due diligence, um quarto das empresas afirma que esse tempo aumentou nos últimos meses, enquanto 9% afirmam terem reduzido o tempo empregado nesta parte da operação.

Este cenário ainda deve enfrentar muitas mudanças, tanto em termos de mercado, como em termos regulatórios, já que a regulação está sendo construída concomitantemente ao desenvolvimento da própria tecnologia, o que pode impactar diretamente o aumento da utilização de IA nas operações de M&A, a depender da qualidade regulatória e da segurança jurídica oferecida sobre o tema.

Para os advogados da área, portanto, o desafio será justamente este: enfrentar a insegurança jurídica inerente às inovações para desenvolver meios eficazes de lidar com as peculiaridades das operações que envolvem IA. Desde questões contratuais sensíveis que possam ensejar disputas futuras (cuja experiência com as já deixaram uma lição), até os cuidados essenciais com direitos de propriedade intelectual, responsabilidades decorrentes da utilização da IA, inclusive regulatórias, direitos de privacidade e segurança cibernética.

Há muito espaço para o desenvolvimento de estratégias jurídicas e regulatórias que coloquem em prática e traduzam em benefícios as ideias e oportunidades tão discutidas sobre a aplicação da IA no mercado de fusões e aquisições.

*Letícia Flaminio Oliveira é advogada especialista em direito societário e Rachel Cerqueira Salvador Marques é advogada especialista em direito societário e fusões e aquisições no escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

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