Um só planeta

Por Laura Raffs


O Parque Barigui, em Curitiba, é considerado um parque alagável — Foto: Pedro Moraes/Getty Images
O Parque Barigui, em Curitiba, é considerado um parque alagável — Foto: Pedro Moraes/Getty Images

Com mais de 85% cidades gaúchas afetadas pelas chuvas da última semana, o debate sobre como mitigar os efeitos das mudanças climáticas está mais em alta do que nunca. As enchentes no Rio Grande do Sul deixaram cidades completamente alagadas e mais de 9 mil pessoas desabrigadas em Porto Alegre.

A ação do homem e as emissões de gases de efeito estufa levaram a condições de clima e temperatura severas. Segundo relatório do IPCC, o mundo já aqueceu quase 1,3°C em relação ao período anterior à Revolução Industrial (1850-1900), o que proporcionou um aumento de 6,7% da quantidade de chuvas no Brasil, ocasionando desastres como as enchentes do Rio Grande do Sul.

Neste cenário, alguns países como Dinamarca, China e principalmente a Holanda – que sofria com o risco de alagamentos e enchentes por grande parte do seu território estar localizado abaixo do nível do mar –, criaram uma estratégia para combater esse problema: os parques alagáveis. Uma alternativa aos piscinões, estes espaços urbanos são construídos para serem alagados com o excesso de água das chuvas.

Segundo o IPCC, o nível de chuvas aumentou com o aquecimento global — Foto: Thais Araujo Figueiredo/Casa Vogue
Segundo o IPCC, o nível de chuvas aumentou com o aquecimento global — Foto: Thais Araujo Figueiredo/Casa Vogue

“Temos que dar espaço para as águas – e não brigar com elas. É preciso deixar as águas realmente ocuparem e se expandirem em trechos onde elas têm espaço para isso. Permiti-las chegar e irem embora, seguindo seu fluxo. Temos que fazer as pazes com as águas e os parques alagáveis são uma grande ferramenta para isso”, comenta Paulo Pellegrino, professor de Planejamento e Projeto de Paisagem da FAU-USP.

Como funcionam os parques alagáveis

Como as áreas de várzea naturais foram amplamente destruídas ao redor do mundo por conta do avanço das cidades, os parques alagáveis foram criados como formas de gerir o escoamento da água no cenário urbano. Ao usufruir da capacidade natural da vegetação e do solo, estes espaços absorvem a água da chuvas e evitam que ela invada áreas residenciais.

Yanweizhou Park, na China, também é um parque alagável — Foto: Reprodução/Turenscape
Yanweizhou Park, na China, também é um parque alagável — Foto: Reprodução/Turenscape

Mas como? Durante fortes períodos de chuvas, o espaço é responsável por reter a água e, portanto fica inutilizado. À medida que ela vai sendo liberada aos poucos através de um processo natural, o nível da água baixa e a comunidade pode usufruir dos playgrounds, quadras e outras áreas de lazer, como qualquer outro parque pela cidade. Além disso, se composto por determinadas espécies de plantas aquáticas, o parque tem a capacidade de filtrar a água da chuva, que pode ser tratada e reutilizada.

“Esses projetos trazem diversos benefícios: protegem as pessoas das inundações, criam grandes berçários da natureza, abrigam extensas áreas de recreação e lazer e, ainda, criam as chamadas ilhas de frescor, que garantem uma temperatura mais amena quando a cidade estiver sob efeito de ondas de calor”, explica Paulo Pellegrino.

Vista do Parque Barigui, em Curitiba, alagado em 2023 — Foto: Ricardo Marajó/SMCS
Vista do Parque Barigui, em Curitiba, alagado em 2023 — Foto: Ricardo Marajó/SMCS

Os parques alagáveis fazem parte das Soluções Baseadas na Natureza (SBN), que consistem em medidas urbanas inspiradas em processos que reproduzem a “tecnologia da natureza”. Para completar, Pedro Henrique de Christo, arquiteto, urbanista e mestre em Políticas Públicas pela Harvard University, explica que essas medidas estão ligadas ao novo conceito de urbanismo climático, que tem o objetivo de criar cidades mais sustentáveis, adaptáveis e resilientes perante eventos climáticos extremos.

“O urbanismo que construiu nossas cidades era baseado em uma matriz energética com foco no petróleo, gás e carvão, ignorando os sistemas naturais. Agora, com a crise climática, é essencial mudar este pensamento e construir um urbanismo climático”, afirma Pedro Henrique.

Exemplos de parques alagáveis pelo Brasil

Curitiba

Parque Barigui, em Curitiba — Foto: agustavop/Getty Images
Parque Barigui, em Curitiba — Foto: agustavop/Getty Images

Inaugurado em 1974, o Parque Barigui, em Curitiba, capital do Paraná, é considerado um parque alagável. Com cerca de 1,4 milhão de m², o espaço foi desenhado para ser uma área de contenção de chuvas, com o objetivo reter as águas e drená-las para que não cheguem até as áreas residenciais. Além do Barigui, segundo a Prefeitura de Curitiba, os parques São Lourenço, Bacacheri, Tingui e Atuba têm a mesma função.

“Curitiba conta com 49 parques e bosques, além de 60 m² de área verde por habitante. Essa infraestrutura verde da cidade funciona como áreas permeáveis que ajudam na infiltração de águas de chuvas, evitando os processos de inundação e alagamentos. Os parques lineares [como o Barigui] têm uma importância fundamental e fazem parte da macrodrenagem da cidade, porque são alagados durante grandes precipitações, evitando que outras áreas habitadas sejam prejudicadas”, diz Marilza Dias, secretária municipal do Meio Ambiente.

Recife

Recife, a capital brasileira mais ameaçada pelo avanço do nível do mar, segundo o IPCC, planeja construir quatro parques alagáveis às margens do rio Tejipió. A iniciativa surgiu após as chuvas intensas que atingiram a região em 2022, que resultaram em 140 mortes, 122 mil pessoas desalojadas, 68 mil casas danificadas e 3 mil destruídas completamente. O projeto está sendo colocado em prática através do ProMorar, um programa da prefeitura que trabalha na requalificação e resiliência urbana em áreas de vulnerabilidade socioambiental da capital de Pernambuco.

Projeto do parque alagável na região do Campo do Sena, no bairro do Barro, em Recife — Foto: Divulgação
Projeto do parque alagável na região do Campo do Sena, no bairro do Barro, em Recife — Foto: Divulgação

Um dos parques alagáveis planejados para Recife, que fica na região do Campo do Sena, no bairro do Barro, está com início das obras previsto para julho deste ano. Com mais de 7,7 mil m², o parque terá um bosque arborizado, uma pista de cooper, uma academia, espaços para piquenique, parque da infância e um mirante para o rio Tejipió. O investimento feito para construir o espaço foi de R$ 4,4 milhões.

Além de priorizar o uso do solo natural e a preservação da vegetação existente da região, o projeto utilizará o campo de futebol já existente na área como um reservatório de águas pluviais durante os eventos de chuvas, implantará elementos de contenção das águas e realizará o alargamento da seção do rio e uma dragagem de um quilômetro de extensão.

“O programa ProMorar trabalhou junto com os moradores do bairro do Barro para decidir quais seriam as áreas incluídas no projeto. Nós construímos o parque juntos e, por isso, sei que ele será bem cuidado pela comunidade. Além da prevenção das enchentes, o parque traz benefícios educacionais e sociais, promovendo a conscientização da população ao mesmo tempo que cria um espaço de lazer para a cidade”, ressalta Beatriz Menezes, coordenadora geral do ProMorar.

Cabrobó

Parque alagável em Cabrobó, projetado pelo estúdio +D Design with Purpose — Foto: Divulgação
Parque alagável em Cabrobó, projetado pelo estúdio +D Design with Purpose — Foto: Divulgação

Ainda no estado de Pernambuco, Pedro Henrique de Chisto, à frente do estúdio +D Design with Purpose, construiu um projeto de parque alagável na cidade de Cabrobó, localizada no sertão de São Francisco. Com investimento estimado de R$ 2,5 milhões, o espaço terá uma área de 547 m². No momento, o projeto busca aprovação de recurso junto ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, e prevê o início das obras para o segundo semestre de 2024.

Além de ser composto por diversas espécies de gramíneas, arbustos e árvores nativas – como flor de jitirana, capim buffet, umburana e carnaúba -, o parque realizará a filtragem das águas pluviais (através de um processo que combina plantas, brita e carvão), e contará com uma área de produção de energia solar de 12 mil m².

A modelagem em 4D permite visualizar com mais precisão como as águas da chuva se comportarão na região — Foto: Divulgação
A modelagem em 4D permite visualizar com mais precisão como as águas da chuva se comportarão na região — Foto: Divulgação

O parque de Cabrobó foi projetado com auxílio de uma modelagem digital 4D desenvolvida por Pedro Henrique em parceria com uma equipe de Harvard e do MIT. A ferramenta é responsável por simular cenários climáticos: “A modelagem em 4D auxilia no entendimento com maior precisão de como as águas da chuva se comportam na região, contribuindo para a criação de um parque mais preparado para eventos climáticos extremos”, explica o urbanista climático.

A ferramenta foi utilizada no Brasil pela primeira vez no Vidigal, no Rio de Janeiro. Em 2015, a modelagem em 4D conseguiu prever – com 95% de precisão – o deslizamento de terra que aconteceu no Morro Dois Irmãos em 2019, que culminou na interdição da Avenida Niemeyer por um ano.

A raíz do problema

Achamos que podíamos domar as águas”, afirma o professor Paulo Pellegrino sobre as causas das enchentes que assolam o Brasil. Além do episódio recente no Rio Grande do Sul, o litoral norte de São Paulo também sofreu com enchentes e deslizamentos de terra em 2023, que deixaram 65 mortes e mais de 4 mil pessoas desabrigadas. "Ficamos com essa arrogância de que podíamos emparedar e canalizar, e isso só criou essas máquinas horrorosas de destruição", completa.

Vista aérea da cidade de Roca Sales, no Rio Grande do Sul, após chuvas que assolaram o estado — Foto: Anadolu/Getty Images
Vista aérea da cidade de Roca Sales, no Rio Grande do Sul, após chuvas que assolaram o estado — Foto: Anadolu/Getty Images

Com os eventos climáticos extremos se tornando cada vez mais recorrentes, as soluções urbanísticas precisam se adaptar. "Não podemos enfrentar os desafios climáticos do século XXI com a infraestrutura e o urbanismo do século XX", ressalta Pedro Henrique de Christo. “Nós, como humanidade, somos a causa. Muitos não sabem, mas há centenas de rios que correm debaixo de ruas e avenidas de São Paulo”, completa José Bueno, arquiteto e urbanista social pela FAU-USP.

As soluções baseadas no concreto, como canalização de rios e construção de piscinões, não conseguem mais conter as águas das chuvas, que tendem a aumentar ainda mais com o avanço do aquecimento global. Para os especialistas, além de preservar áreas naturais de vazão – e não permitir sua ocupação indevida -, os parques alagáveis, jardins de chuva e outras soluções que utilizam “métodos da natureza” dentro dos centros urbanas serão os mais eficientes para lidar com o escoamento das águas.

Segundo o Rios e Ruas, São Paulo possui mais de 800 rios — Foto: Carlos Alkmin/Getty Images
Segundo o Rios e Ruas, São Paulo possui mais de 800 rios — Foto: Carlos Alkmin/Getty Images

Mas, para que isso seja possível, José Bueno explica ser necessária uma conscientização da população. “Estamos transitando no que eu chamo de biofobia para a biofilia. Nós nos desconectamos do que é natural e o que estamos vivendo é uma consequência disso. Por isso, é necessário as pessoas se reconciliarem com os processos naturais, com a vida e com a natureza presente na cidade”.

É exatamente nesta direção que vai o negócio de impacto social Rios e Ruas, com co-criação de José Bueno. A iniciativa, que perdura desde 2010, busca trazer à tona os rios que foram “enterrados” na cidade de São Paulo. Em uma busca de sensibilizar a população sobre a importância do convívio entre a vida urbana e essas águas, o projeto realiza oficinas, cursos, palestras e exposições.

Para se ter ideia, um levantamento realizado pelo Rios e Ruas atestou que existem mais de 800 rios (considerando afluentes e pequenos riachos) na capital paulista, sendo 80% deles canalizados. “Nosso trabalho vai de encontro à regeneração da cidade e com a requalificação do ambiente natural, o que envolve ‘abrir’ esses rios”, afirma José Bueno.

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