• 21/02/2021
  • Texto Mariana Conte | Estilo Adriana Frattini | Produção Rafael Alves | Fotos Ruy Teixeira
Atualizado em
Na Costa do Descobrimento, na Bahia, três iniciativas de designers e artistas perseguem a preservação do meio ambiente (Foto: Ruy Teixeira)

Cadeira Yara, de Hugo França

A beleza inebriante da Costa do Descobrimento, como é conhecido o litoral sul da Bahia, convence pessoas de todos os cantos do mundo desde os anos 1970 a reformularem a vida para fazer do local seu endereço definitivo. No entanto, a disponibilização de luz elétrica e a abertura das estradas (que facilitaram tanto o acesso quanto o turismo) ameaçaram colocar em risco a integridade desse cenário exuberante, capaz de conquistar à primeira vista. E, aos poucos, a preocupação com sua conservação despontou na produção de artistas residentes ali.


É o caso do gaúcho Hugo França, que desembarcou em Trancoso há duas décadas, em busca de mais proximidade com a natureza, e lá passou 15 anos. Neste período, entrou em contato com o desperdício na extração e no uso da madeira, vivência que despertou nele a vocação de criar esculturas mobiliárias: móveis de assento e de apoio, utilitários e obras de arte entalhados em árvores condenadas. Destas, praticamente todos os pedaços, de raízes desenterradas a troncos ocos e toras maciças, renascem com novo propósito.

Na Costa do Descobrimento, na Bahia, três iniciativas de designers e artistas perseguem a preservação do meio ambiente (Foto: Ruy Teixeira)

Conjunto de gamelas ainda sem acabamento

A maioria das peças emprega pequi-vinagreiro, “rejeitado pela marcenaria convencional, pela arquitetura e pela construção civil, mas não pelos índios pataxós, que dispõem dele em suas canoas”, pontua França. Segundo ele, trata-se da espécie com maior longevidade em floresta tropical, chegando à idade adulta aos 200 anos e alcançando os 1.200. Em seu ateliê em Trancoso, onde voltou a viver desde março, há um acervo com os tesouros encontrados. “O pequi-vinagreiro é o único que resta das queimadas. Por ter um alto índice de umidade, é mais resistente ao fogo e sua decomposição ocorre lentamente”, explica.

Na Costa do Descobrimento, na Bahia, três iniciativas de designers e artistas perseguem a preservação do meio ambiente (Foto: Ruy Teixeira)

O artista em meio ao acervo de madeiras prontas para virarem uma de suas esculturas mobiliárias

Além de atender a encomendas de arquitetos e clientes finais, França e sua equipe contam com um ateliê móvel, destinado a recolher troncos que precisam ser removidos por um ou outro motivo. Valorizando as formas e marcas únicas de cada matéria-prima, o artista assina um trabalho que é fruto de resíduos florestais e urbanos e, com suas obras de proporções gigantes, coloca as pessoas em escala diante da grandeza do meio ambiente, convidando-as a refletir com urgência sobre uma relação mais pacífica e respeitosa com ele.

Na Costa do Descobrimento, na Bahia, três iniciativas de designers e artistas perseguem a preservação do meio ambiente (Foto: Ruy Teixeira)

A artista plástica Naná Lavander em frente ao espaço onde reúne tudo quanto é tipo de resíduo

MUTIRÃO DE COLETA
Na vila há 15 anos, a mineira Laila Assef diz que foi escolhida pelo plástico quando chegou. “Era tanta garrafinha jogada na minha porta ou esquecida em cima do balcão...”, relembra. Graduada em psicologia, ela atuou no setor da moda por muitos anos em Belo Horizonte, onde abriu uma fábrica de roupas e desenvolveu estampas. “Desse ponto para a pintura foi um pulo. Logo me voltei completamente para o mundo das artes”, relata. Mirando uma rotina mais tranquila e perto do mar, instalou-se no vilarejo baiano e rapidamente alugou a loja que mantém até hoje no Quadrado, com curadoria de decoração, arte e suas próprias criações – entre elas, luminárias de PET. “Ao presenciar aquele tanto de descarte, fiquei incomodada e pensei em alguma maneira de contribuir. Seria, inclusive, um jeito de agradecer pelo acolhimento que recebi da comunidade”, diz.

Na Costa do Descobrimento, na Bahia, três iniciativas de designers e artistas perseguem a preservação do meio ambiente (Foto: Ruy Teixeira)

No detalhe, uma de suas traquitanas de Tetra Pak

Teve, então, a ideia de enfeitar a carrocinha do senhor Manoel, que vende abacaxi na praia, para mobilizar as pessoas a recolherem garrafas, e distribuiu coletores em bares, restaurantes e pousadas. “Foi um sucesso! Em um mês, juntei 10 mil unidades.” Esta é a quantidade aproximada que Laila conserva regularmente em seu ateliê. “O estoque esvazia para produção e enche com a coleta.” Com o tempo, aperfeiçoou a técnica e aprendeu a dar cabo de todos os componentes do recipiente, até das tampinhas, na concepção de suas luminárias.

Durante a elaboração, aposta em ferramentas inusitadas, como modeladores de cabelo para curvar o material ou toalhas de renda que servem como estêncil. Laila se alegra ao ver a valorização que o trabalho ganhou. “No começo, entravam na loja e perguntavam: é murano? Quando eu respondia que era plástico, viravam as costas e iam embora. Agora, os visitantes se admiram ao descobrir do que as luminárias são compostas.” Sua maior satisfação é saber que colabora para um mundo mais sustentável. “Não adianta só olhar o planeta pedindo socorro, precisamos fazer alguma coisa. Já beiramos as 200 mil garrafas ressignificadas”, calcula.

Na Costa do Descobrimento, na Bahia, três iniciativas de designers e artistas perseguem a preservação do meio ambiente (Foto: Ruy Teixeira)

A artista e designer Laila Assef em seu ateliê, ao lado de luminária com esferas estampadas

A INVENTORA
O resgate do que iria para o lixo também está no DNA de Naná Lavander. Formada em artes plásticas, a paulistana iniciou a carreira no teatro, montando adereços e cenários. “Como a verba era pequena, sempre improvisava.” Em seguida, ao longo de cinco anos na TV Cultura, deu vida a bonecos e maquinou efeitos especiais com poucos recursos em programas como Ilha Rá-Tim-Bum e Cocoricó. Na publicidade, finalmente deparou com um mercado próspero, mas enfrentou um impasse ético: “Eu usava coisas reaproveitadas para vender outras novas e comecei a me questionar.”


Quando resolveu largar tudo para se dedicar a projetos autorais, tirou umas férias e dirigiu sozinha até a Bahia. Encontrou amigos que a apresentaram a Trancoso. “Estava uma lua enorme, o Quadrado em festa. Eu ia só pernoitar, e acabei ficando uma semana.” Extasiada, decidiu que iria morar ali. Retornou a São Paulo, vendeu tudo e já reside no vilarejo há cinco anos. Em seu ateliê, coleciona todos os tipos de sobra (tampinhas, canetas, CDs, rolhas, barbantes) e geralmente os converte em peças lúdicas, com movimento, nascidas de sua mente inquieta. “No teatro eu inventava muita traquitana. Fiquei meio viciada em construir objetos que se mexem”, revela. Um dos materiais que mais aparece em seus brinquedos e esculturas surpreendentes é a embalagem Tetra Pak, de difícil reciclagem, já que possui seis camadas de polietileno, papel e folha de alumínio.