Casas

Por Chiara Barzini | Estilo Gianluca Longo*


Alessandro Michele em frente à estante com alguns dos incontáveis objetos de seu acervo, como garrafas de farmácia e porcelana italiana antiga — Foto: François Halard
Alessandro Michele em frente à estante com alguns dos incontáveis objetos de seu acervo, como garrafas de farmácia e porcelana italiana antiga — Foto: François Halard

Alessandro Michele procura um lar em cada cidade que visita. E tem um carinho especial por belezas desbotadas, lugares degradados repletos de história e grandezas perdidas – fato que o fez embarcar na empreitada quixotesca de renovar um dos edifícios mais icônicos e misteriosos de Roma: o Palazzo Scapucci.

A lareira coberta por peças de porcelana aquece o hall de entrada — Foto: François Halard
A lareira coberta por peças de porcelana aquece o hall de entrada — Foto: François Halard

Ainda adolescente, no início dos anos 1990, o designer de moda passeava pela Cidade Eterna com um olhar solitário e concentrado. Enquanto seus colegas ficavam até tarde nas raves e se reuniam nas praças centrais para beber, Alessandro observava os telhados e cúpulas, esperando que os edifícios falassem com ele. “Roma enfeitiça você. Acolhe todos de forma desgrenhada”, diz. Esse fascínio foi transferido para objetos, arte, livros e, obviamente, roupas. Grande parte da maneira com que revolucionou a Gucci ao longo de seus quase oito anos como diretor de criação teve a ver com um interesse desprovido de malícia em relação a histórias não contadas, incursões ao passado de objetos, monumentos e pessoas antigas.

Na segunda área de estar, um par de lustres em forma de galho de carvalho pende do teto: “Nunca acendo meus lustres, os uso como peças de mobiliário. Gosto de vê-los no espaço”, atesta o morador — Foto: François Halard
Na segunda área de estar, um par de lustres em forma de galho de carvalho pende do teto: “Nunca acendo meus lustres, os uso como peças de mobiliário. Gosto de vê-los no espaço”, atesta o morador — Foto: François Halard

“Sou médico de casas feridas e dilapidadas”, conta. “Compro lugares que acho que podem precisar de mim, que foram desfigurados ou abandonados.” Cerca de oito meses depois de sua saída da grife italiana, ele tem a expressão calma de alguém que viu tudo e fez tudo e está feliz em dar uma pausa, embora não seja seguro dizer que trabalhar com uma equipe de restauração em um edifício de 800 anos conte como pausa.

Os 800 anos destas paredes são o momento atual para mim. Por isso não sou nostálgico. Todo mundo deixa rastros fortes
— Alessandro Michele
Ângulo mais aberto do cômodo mostra o mix de padronagens com a presença do piso hexagonal em tons neutros — Foto: François Halard
Ângulo mais aberto do cômodo mostra o mix de padronagens com a presença do piso hexagonal em tons neutros — Foto: François Halard

Quando visitou o espaço pela primeira vez, era um lugar escuro e sem lógica, com tetos baixos de isopor e nada atraente. “Estava cheio de salas abarrotadas que se abriam para salas mais abarrotadas e pequenas janelas, mas eu continuava voltando e observando da calçada. Quando me apaixono, não cortejo as casas, eu as vigio.” Ele, então, conheceu os proprietários, três personagens romanos perfeitamente bizarros: um tio, um sobrinho e um contador que usava o imóvel como escritório e uma espécie de refúgio para amigos. “Já tinha esse carma de pertencer a várias pessoas. Era um lugar para a vida comunitária.”

Os tradicionais azulejos holandeses de Delft dão ainda mais personalidade à cozinha, que teletransporta os visitantes para a Itália renascentista, com a arquitetura majestosa do séc. 14 como pano de fundo — Foto: François Halard
Os tradicionais azulejos holandeses de Delft dão ainda mais personalidade à cozinha, que teletransporta os visitantes para a Itália renascentista, com a arquitetura majestosa do séc. 14 como pano de fundo — Foto: François Halard

Uma das muitas coisas incríveis que aconteceram na obra que se seguiu foi a descoberta da cobertura original sob o teto suspenso. Estava repleta de gravuras, afrescos, aquelas insígnias papais, flores-de-lis dos reis da França e um escudo com o símbolo da família Della Rovere. Alessandro passou horas nos andaimes. “Fiquei amigo de cada centímetro daquele teto, embora provavelmente também tenha causado um colapso nervoso na equipe de restauração.”

Roma seduz e avisa: ‘Estar comigo é difícil. Posso parecer linda, mas sou cansativa. Eu não trabalho e tornarei sua vida impossível’. Isso me dá a perspectiva certa
— Alessandro Michele
O cenário dos jantares é cercado por obras que narram a história da arte italiana — Foto: François Halard
O cenário dos jantares é cercado por obras que narram a história da arte italiana — Foto: François Halard
Vasos áticos, apulianos, etruscos e de Delft, cachorros de porcelana de Staffordshire e um boi de cerâmica figuram sobre o bufê — Foto: François Halard
Vasos áticos, apulianos, etruscos e de Delft, cachorros de porcelana de Staffordshire e um boi de cerâmica figuram sobre o bufê — Foto: François Halard

Atravessamos a sala de jantar, onde a mesa está repleta de canetas e livros, incluindo uma espessa antologia da falecida poeta e musicóloga Amelia Rosselli. Depois, chegamos ao quarto, com uma bela moldura de porta veneziana que foi retrabalhada e transformada em cabeceira. Em seguida está o estúdio povoado por caixas e arquivos perfeitamente organizados de antigas pinturas de vidro indianas e marionetes. Subimos várias escadas e passamos por mais salas do que Alessandro pode me mostrar. “É interminável”, diz, enquanto saímos para o terraço. Através das folhas das plantas exuberantes, das roseiras e das bananeiras, vislumbramos os transeuntes nas ruas abaixo.

Uma antiga porta veneziana foi transformada em cabeceira no quarto de Alessandro Michele, que adormece sob os afrescos descobertos durante a restauração — Foto: François Halard
Uma antiga porta veneziana foi transformada em cabeceira no quarto de Alessandro Michele, que adormece sob os afrescos descobertos durante a restauração — Foto: François Halard

A cozinha luminosa, coração de qualquer casa italiana, é inundada pela luz do meio-dia de Roma, iluminando a bela coleção de azulejos holandeses de Delft e antigos armários de madeira e vidro. Um lance de degraus de mármore nos leva a um estúdio de trabalho e biblioteca: “O cômodo mais bonito da casa”. Ultimamente, Alessandro tem entrado sorrateiramente ali e tirado livros de poesia das prateleiras. É uma espécie de meditação enquanto pondera sobre seus próximos passos e seu próprio momento de suspensão. “É óbvio que preciso de oxigênio agora e é irônico que, ao ler todas essas coleções de poesia, eu tenha ficado tão interessado no espaço em branco da página e no que ele revela sobre as palavras que o habitam.”

Beleza: Tanja Friscic. Cabelo: Carmen Di Marco e Mimmo Laserra. Tradução: Adriana Mori. Edição: Nicoly Bernardes

*Matéria publicada originalmente na edição de fevereiro da Casa Vogue Brasil. Adquira a sua aqui!

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