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Por Mariana Conte


Alguém que não se pode classificar. É assim que o designer Andrés Reisinger se define. Com certo esforço, ele aceita explicar o seu trabalho e arrisca: “Transito por diferentes práticas, esferas e contextos, entre os domínios digital e físico. Se eu tivesse que dar uma definição, diria que crio ambientes que não apenas pertencem, mas introduzem outro universo potencial, que fica no meio do caminho entre um mundo tangível e virtual”. A declaração ajuda a compreender as ideias por trás de imagens oníricas, com uma paleta de cores e composições quase sempre hipnotizantes, além de peças de mobiliário que nascem nas telas e podem – ou não – se transformar em um item “de carne e osso”.

A poltrona Crowded Elevator faz parte da série Odyssey, composta por três obras de mobiliário apresentadas em 2021 na Galeria Nilufar, em Milão, tanto sob a forma de objetos físicos quanto como personagens dos filmes exibidos na ocasião — Foto: Reprodução/Andrés Reisinger
A poltrona Crowded Elevator faz parte da série Odyssey, composta por três obras de mobiliário apresentadas em 2021 na Galeria Nilufar, em Milão, tanto sob a forma de objetos físicos quanto como personagens dos filmes exibidos na ocasião — Foto: Reprodução/Andrés Reisinger

Reisinger começou a ficar mais conhecido em 2018, quando compartilhou nas redes sociais Hortensia, uma renderização de uma poltrona rosa que parecia composta por pétalas. O móvel digital gerou tanto interesse que uma edição limitada de 15 foi executada com a ajuda da designer têxtil Júlia Esqué – e esgotou rapidamente. Em 2021, Hortensia passou a ser produzida pela empresa holandesa Moooi e ganhou destaque durante a Semana de Design de Milão, onde Andrés já expôs mais de uma vez em uma das galerias mais conceituadas do mundo, a Nilufar. Hoje, ele figura entre os artistas digitais mais procurados, com obras em NFT arrematadas por milhares de dólares: The Shipping, uma coleção de móveis nascidos digitalmente, foi vendida por 450 mil dólares em um leilão e Arcadia (um curta-metragem, também em NFT) rendeu 525 mil dólares na prestigiada venda noturna do século 21 da Christie’s.

O designer Andrés Reisinger — Foto: Mark Cocksedge
O designer Andrés Reisinger — Foto: Mark Cocksedge

Nascido na Argentina em 1990, Andrés ganhou seu primeiro computador aos 8 anos, quando começou uma relação profunda com a tecnologia, já imaginando os universos que poderia criar para os jogos. Estudou violão clássico quando criança e se viu viciado no funcionamento do metrônomo. Essa obsessão técnica fez parte da sua trajetória na Universidade de Buenos Aires, onde estudou design gráfico, mas o anseio por imaginar novos mundos e explorar a faceta visual das coisas o levou ao seu trabalho atual, que desenvolve a partir de um estúdio baseado em Barcelona. Em entrevista à Casa Vogue, ele fala sobre suas referências, os sentimentos que pretende despertar nas pessoas com suas obras e como o design e a arte digitais podem apontar caminhos mais sustentáveis no desenvolvimento de espaços e mobiliários desejáveis.

Quarto da Winter House, projeto residencial para o metaverso inspirado na estação mais fria do ano, idealizado em colaboração com a arquiteta Alba de la Fuente — Foto: Reprodução/Andrés Reisinger
Quarto da Winter House, projeto residencial para o metaverso inspirado na estação mais fria do ano, idealizado em colaboração com a arquiteta Alba de la Fuente — Foto: Reprodução/Andrés Reisinger

Seu trabalho começa sempre no digital e em seguida desdobra-se para o mundo físico?
Meu trabalho começa com uma pesquisa minuciosa. Eu leio, penso, escrevo, mudo de ideia, leio mais e mudo de ideia novamente. O projeto já toma forma em minha mente antes de se tornar algo. Em seguida, crio digitalmente e testo uma quantidade substancial de resultados possíveis. Eu gosto desse universo e dessa ferramenta porque são uma descoberta constante de si mesmo.

A profissão dos seus pais [ambos químicos] contribuiu para que você tivesse um interesse mais profundo sobre todas as coisas?
Absolutamente. Meus pais são cientistas e, portanto, naturalmente e profissionalmente têm uma inclinação para compreender e tocar cada partícula de um ser. Essa mesma busca por profundidade de pensamento, curiosidade e compreensão tem sido uma constante na minha vida. Na mesma crença de que nada nunca pode ser totalmente compreendido, e que tudo esconde algo não descoberto.

Sofa, da série Odyssey, composta por três obras de mobiliário físicas e digitais, apresentadas em 2021 na Galeria Nilufar, em Milão — Foto: Reprodução/Andrés Reisinger
Sofa, da série Odyssey, composta por três obras de mobiliário físicas e digitais, apresentadas em 2021 na Galeria Nilufar, em Milão — Foto: Reprodução/Andrés Reisinger

Ao mesmo tempo em que você mostra uma propensão à tecnologia, ao funcionamento técnico e teórico das coisas, é preciso um tanto de visão poética e emocional para criar suas obras. De onde acha que vem essa parte mais subjetiva do seu pensamento criativo?
[Do fato de eu] ser humano e, portanto, sensível.

Complicated Drawer, um dos dez móveis digitais da série The Shipping — Foto: Reprodução/Andrés Reisinger
Complicated Drawer, um dos dez móveis digitais da série The Shipping — Foto: Reprodução/Andrés Reisinger

Os projetos 3D estão cada vez mais sofisticados e próximos da realidade, muitas vezes gerando até certa confusão entre o que é uma fotografia e o que é uma projeção. O seu trabalho desperta isso nas pessoas, certa indagação, e você diz que gosta de causar esses questionamentos. Isso remonta à ideia de não estar satisfeito com o que já existe. Qual é o ganho em vivenciar algo que já sabemos e entendemos?
Conforto, sem dúvida, e sensação de sucesso. Acredito que também precisamos experimentar dúvidas, desconforto e, às vezes, aborrecimentos. Faz parte do progresso.

Os universos digitais que você cria geram desejo, um mundo de sonho onde as pessoas querem estar para relaxar e se inspirar... É isso que pretende causar nas pessoas?
Acho que o desejo é uma resposta muito pessoal e íntima. Fico feliz que algumas pessoas vejam dessa forma, mas geralmente não estou interessado em criar desejo. Estou mais interessado em “acalmar”, que é diferente de relaxar. Há quase uma conotação de cura, trazendo de volta algum tipo de – pelo menos visual – paz.

Acima, OZ, uma das luminárias-escultura da série Too Much Too Soon, que Reisinger apresentou na Galeria Nilufar durante a Semana de Design de Milão 2022 – diferentemente da maioria das criações do designer, essas peças existem apenas fisicamente e são feitas de metal cromado e laqueado — Foto: Reprodução/Andrés Reisinger
Acima, OZ, uma das luminárias-escultura da série Too Much Too Soon, que Reisinger apresentou na Galeria Nilufar durante a Semana de Design de Milão 2022 – diferentemente da maioria das criações do designer, essas peças existem apenas fisicamente e são feitas de metal cromado e laqueado — Foto: Reprodução/Andrés Reisinger

Quando uma obra digital sua se transforma em algo real? Os móveis já nascem pensados para as duas plataformas?
O resultado raramente reflete a intenção original. São tantas voltas e, felizmente, a mente evolui constantemente, o que eu considero o ponto principal da expressão artística. Pense em Hortensia, por exemplo. É um projeto tão multiforme que jamais gostaria de definir em que lugar ele se encaixa. É uma criação que pertence a qualquer lugar e a qualquer um. Aprendi a confiar em mim e não nas minhas dúvidas sobre o potencial do ser humano. Eu realmente acredito que temos o poder de ir muito além do que imaginamos.

Você já colaborou com marcas como Apple, Meta, Microsoft, Samsung e Audi. Como é desenvolver projetos para empresas tão consolidadas?
É uma curva de aprendizado enorme, pois a abordagem é totalmente diferente e muito mais “definida”, enquanto meu trabalho não é. A liberdade total é bela e enriquecedora, mas pode ser exaustiva. Trabalhar com limites não é nem mais difícil nem mais fácil, é apenas um exercício diferente de controle que se deve dominar em total liberdade também. Estamos falando de alguns dos maiores e mais disruptivos atores do panorama contemporâneo; sua filosofia é inspiradora e, de certa forma, contagia todos os colaboradores.

Quais vantagens você vê nas obras de arte digitais e como acredita que esse universo pode atuar em causas sociais?
Do ponto de vista do praticante, existe uma constante provocação de novas ideias para modos de criação que não tinham sido considerados. E eu sempre digo que o digital também pode nos ensinar muito sobre o mundo físico, revelando novas formas, texturas, oportunidades que não pensávamos ser possíveis em um universo tangível, simplesmente porque é muito assustador para sequer considerar a tentativa de criar. Espero que cheguemos a um momento em que possamos usar o mundo digital como um campo de testes para desenvolver uma cidade ideal, um sofá, uma bicicleta, um sapato, qualquer coisa que reflita verdadeiramente nossas necessidades e desejos, e, só em seguida, produzir fisicamente. Tanto desperdício seria evitado.

A poltrona Hortensia, em frente ao Duomo de Milão, nasceu como móvel digital e hoje é produzida pela marca holandesa Moooi — Foto: Mattia Greghi
A poltrona Hortensia, em frente ao Duomo de Milão, nasceu como móvel digital e hoje é produzida pela marca holandesa Moooi — Foto: Mattia Greghi

Quais são as personalidades que o inspiram no dia a dia?
São muitas, como Tadao Ando, Oscar Niemeyer, Rem Koolhaas, Mark Rothko, Gerhard Richter. Mas a primeira que vem à mente com mais vivacidade é, sem dúvida, o escritor argentino Jorge Luis Borges. Ele mesmo foi definido como inclassificável. Fico muito satisfeito em me perder lendo seu trabalho, é um constante aprendizado.

O que você mais gosta na obra de Oscar Niemeyer?
Ele construiu uma monumentalidade atemporal. Misturava seus projetos com a paisagem como se eles sempre tivessem estado lá. As formas orgânicas, quase humanas, vivas e em movimento; seu credo artístico, de sempre inventar o novo, o invisível, o inexistente, serve de grande inspiração para mim.

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