Gente

Por Winnie Bastian


"O tecido é como o veio da madeira, você não pode ir contra ele." Mais do que uma analogia, a declaração de Issey Miyake (1938- 2022) à revista Time em 1986 deixa transparecer o pensamento que norteava sua produção: o de um autêntico designer – cujos projetos, no caso, resultavam em roupas extraordinárias. Ele as encarava como soluções vestíveis para necessidades humanas básicas e, embora extremamente atraente, a estética impecável era sempre temperada pela função. Tinha verdadeira obsessão por conceber vestimentas que funcionassem na vida real: práticas, leves e que não amassavam. Certa vez, afirmou que esperava “fazer peças como jeans e camisetas, que muitas pessoas possam usar livremente”.

Luminária dobrável Mendori, da coleção IN-EI (expressão japonesa para "sombra, nuance"), lançada pela Artemide em 2012 e fabricada com não tecido de PET reciclado — Foto: Divulgação
Luminária dobrável Mendori, da coleção IN-EI (expressão japonesa para "sombra, nuance"), lançada pela Artemide em 2012 e fabricada com não tecido de PET reciclado — Foto: Divulgação

Sua primeira formação ocorreu no departamento de design gráfico na Tama Art University, em Tóquio, no início dos anos 1960. Em seguida, trocou o Japão pela França, matriculando-se na Chambre Syndicale de la Couture Parisienne. Em Paris, trabalhou com Hubert de Givenchy e Guy Laroche, cujos estilos e abordagem haute couture estavam a anos-luz dos figurinos industriais e futuristas que viriam a surgir no Miyake Design Studio, fundado em 1970.

Seu trabalho sempre sobressaiu pela experimentação e pela inovação, seja no artigo em si, seja no uso dos materiais. O tema da tecnologia têxtil o fascinava e permeou todo o seu percurso: das inovadoras pregas prensadas a quente que deram origem à série Pleats Please em 1988 até os itens confeccionados com um único fio por meio do sistema A-POC (acrônimo de A Piece of Cloth), de 1998, o japonês ampliou os limites do tecido e de como ele se relaciona com o corpo.

Issey Miyake fotografado por Sarah Moon em 1993 — Foto: Reprodução
Issey Miyake fotografado por Sarah Moon em 1993 — Foto: Reprodução

O plissado, aliás, atravessa grande parte de seu portfólio, graças não só ao interesse pelo tipo de superfície como também à busca constante por um vestuário que não restringisse o movimento. Não à toa, essas ideias se puseram à prova pela primeira vez em 1991, numa colaboração com o coreógrafo William Forsythe e o Ballet Frankfurt, e então introduzidas na coleção, culminando no lançamento da marca Pleats Please dois anos depois.

Os exemplares com esse selo empregam poliéster, aceitam lavagem na máquina, enrolam-se para caber em malas de viagem e saem delas com aparência tão perfeita como quando foram colocados lá, são ageless, vestem todos os tipos de corpo e não se prendem às estações do ano. Para Miyake, Pleats Please deveria ser vista não como alta-costura nem moda, mas como “apenas roupas”. “Depois que comecei a fazê-las, finalmente senti que poderia abraçar a palavra design”, disse certa vez. Para chegar a tamanha simplicidade – na essência, não na aparência –, se apoiou num método altamente complexo: diferentemente do modo tradicional de plissar o poliéster com calor e cortar o tecido para modelá-lo, ele inverteu a ordem: primeiro veio o shape, mais tarde a plissagem.

Vestido Flying Saucer: no corpo, o disco plissado se abre num casulo escultural, o que se deve à natureza técnica do tecido e à construção da roupa - o conceito é uma homenagem ao artista Isamu Noguchi — Foto: Getty Images
Vestido Flying Saucer: no corpo, o disco plissado se abre num casulo escultural, o que se deve à natureza técnica do tecido e à construção da roupa - o conceito é uma homenagem ao artista Isamu Noguchi — Foto: Getty Images

Outro caso que mostra como a lógica produtiva do design industrial influenciava sua atuação é a A-POC, linha realizada a partir de um processo produtivo revolucionário, desenvolvido por ele com o engenheiro têxtil Dai Fujiwara. Nele, fabrica-se a indumentária em uma só etapa, que começa com o fio entrando em uma máquina e termina com a saída de uma peça tubular de malha (e, posteriormente, outros tipos de tecido) com várias demarcações, para serem cortadas pelo usuário final, dando assim origem a diferentes modelos e acessórios. Essa dinâmica, além de suprimir as fases de corte e costura, elimina virtualmente todos os desperdícios.

Feito com a técnica da linha A-POC, o casaqueto Trampoline, de 2006, é uma criação conjunta com Ron Arad que também atua como capa para a cadeira Ripple — Foto: Divulgação
Feito com a técnica da linha A-POC, o casaqueto Trampoline, de 2006, é uma criação conjunta com Ron Arad que também atua como capa para a cadeira Ripple — Foto: Divulgação
A cadeira Ripple encapada pelo casaqueto Trampoline — Foto: Divulgação
A cadeira Ripple encapada pelo casaqueto Trampoline — Foto: Divulgação

Radical em sua invenção, Miyake acreditava que roupas poderiam ser de qualquer coisa, inclusive elementos duros, a exemplo da escultórica Body Series, de 1980, com matérias-primas como resinas sintéticas, vime e arame. Plastic Body, da coleção outono-inverno 1980, lançava mão de plástico reforçado com fibra e produzido em massa, enquanto Rattan Body, da primavera-verão 1982, utilizava rattan e bambu.

Se o mestre deslocava materiais e procedimentos do design para a moda, o caminho inverso também aconteceu. O já mencionado A-POC desdobrou-se em capas para a Ripple Chair, de Ron Arad para a Moroso, em uma collab apresentada em 2006 no Salão do Móvel de Milão. Curiosamente, o próprio Arad se revelou indiretamente influenciado pelo parceiro nessa empreitada: “Quando qualquer pessoa cria algo com pregas, o faz pensar no trabalho de Issey Miyake”, afirmou naquele ano.

Outro exemplo marcante vem das luminárias dobráveis IN-EI, lançadas pela italiana Artemide em 2012: suas formas derivam dos estudos para a coleção 132 5., na qual o autor explorou o fato de que o papel amassado tende a espiralar quando dobrado ou desdobrado. O componente das luminárias é um não tecido de poliéster fabricado totalmente com garrafas PET recicladas, mas manufaturado em uma fábrica de papel usando exatamente o mesmo equipamento. Isso só deu certo porque em 2007 Miyake havia estruturado o Reality Lab, braço do estúdio dedicado a testar sua visão do design, cuja tarefa “é transformar conceitos em realidades e experimentar ativamente até que os produtos estejam nas mãos de quem os usará”. E é justamente por essa mentalidade que seu legado vai muito além dos domínios da moda e seus ensinamentos continuarão a inspirar criadores de todas as áreas.

*Matéria publicada na edição de outubro da Casa Vogue. Garanta a sua aqui.

Mais recente Próxima Nova coleção de moedas é lançada em homenagem a Rainha Elizabeth
Mais do Casa Vogue

Casal aproveita a Serra da Mantiqueira, em São Paulo

Cesar Tralli e Ticiane Pinheiro encantam com fim de semana em Campos do Jordão; veja

Imóvel construído em 1935 foi uma das primeiras construções modernas no país

Famosa casa da história da arquitetura à venda por R$ 9 milhões nos Estados Unidos

Localizada no Arizona, nos Estados Unidos, cooperativa promove estilo de vida "fora da rede"

Comunidade remota autossustentável procura moradores com terrenos à venda por R$ 139 mil

Ator e humorista está em viagem pela Europa

Bento Ribeiro se assusta ao descobrir ambiente secreto e bizarro em Airbnb na Itália; veja

Ideais para espaços pequenos e integrados, um guarda-roupa quase invisível ajuda ampliar o ambiente

Guarda-roupas (quase) invisíveis: 8 ideias discretas para quartos pequenos

Estes edifícios imponentes guardam histórias intrigantes e se destacam em meio a paisagem urbana de suas cidades

Imponência assustadora: 7 arranha-céus abandonados ao redor do mundo

“Tudo é a cara da minha mãe: é simples e aconchegante”, conta a atriz sobre o projeto assinado por Gustavo Otsuka e Juliana Mancini, à frente do Noma Estúdio

Ana Hikari presenteia mãe com reforma de apartamento dos sonhos; veja antes e depois

Fundado por Victor Xavier e Søren Hallberg, o estúdio Assimply mescla referências brasileiras e dinamarquesas e está entre os expositores da 12ª edição da MADE

Designers transformam materiais descartados em peças com DNA brasileiro e nórdico

O pedido da empresária Virgínia Weinberg aos arquitetos Sig Bergamin e Murilo Lomas foi de um projeto com a cara do país para a morada que receberia a família durante as férias. Os planos, no entanto, mudaram, e o imóvel na torre projetada por Jean Nouvel, em São Paulo, se transformou em residência principal

Apartamento de 600 m² na Cidade Matarazzo exala energia brasileira por todo canto

A 3ª edição do evento, que acontece entre 29 de junho e 7 de julho, apresenta lançamentos e debates para os amantes do urbanismo, arquitetura e design

A Feira do Livro, no Pacaembu: os melhores lançamentos de urbanismo, arquitetura e design