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Por Ana Luiza Cardoso*


A arquiteta Mariam Issoufou Kamara é fundadora e líder do escritório Atelier Masōmī, baseado no Níger, onde desenvolve projetos de arquitetura e design — Foto: Stéphane Rodriguez Delavega
A arquiteta Mariam Issoufou Kamara é fundadora e líder do escritório Atelier Masōmī, baseado no Níger, onde desenvolve projetos de arquitetura e design — Foto: Stéphane Rodriguez Delavega

Dentre os motivos que levaram Mariam Issoufou Kamara a escolher a arquitetura, o gosto por desenho e ciência é um dos primeiros a citar. Mais jovem, no entanto, não conhecia profissionais do setor e, morando no Níger, no centro-oeste africano, não via oportunidades de trabalho. “Acabei não estudando, mas a ideia sempre ficou na minha mente”, relembra. “Continuei todas as minhas atividades artísticas, pintando e desenhando e, depois de um tempo, já como desenvolvedora de software, começou a ficar claro para mim o lugar da arquitetura na projeção psicológica de nós mesmos”, diz.

Essas lembranças parecem distantes ao considerar que hoje, aos 44 anos, Mariam é um dos nomes de destaque na profissão. Após formar-se em computação nos Estados Unidos, conseguiu seu diploma de arquitetura na Universidade de Washington e, em 2014, abriu as portas do Atelier Masōmī, baseado no Níger (país que, semanas após a entrevista, sofreu um golpe de estado; a reportagem entrou em contato com o escritório em setembro e foi informada de que estão seguros e seguem operando). Ganhou prêmios, ergueu instalação para a Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano, fez palestras em escolas como Harvard e MIT. Foi ainda nomeada professora de Patrimônio Arquitetônico e Sustentabilidade na ETH Zurique. No programa Mentor and Protégé, da Rolex, com o arquiteto britânico-ganês David Adjaye, desenvolveu um centro cultural para Niamey, capital do Níger, cujas obras se iniciam até o fim do ano. Está desenhando uma linha de mobiliário. E, sim, tem projeto em andamento também no Brasil: a Galeria Otobong Nkanga, próximo pavilhão a ser inaugurado no Instituto Inhotim, em Brumadinho, MG, segundo porta-vozes do museu. Mariam confirma que tem trabalho rolando no país, mas cobre os detalhes de mistério.

O complexo comunitário Hikma, projeto de Mariam Issoufou Kamara, do Atelier Masōmī, e de Yasaman Esmaili, do Studio Chahar, que revitalizou um edifício em Dandaji para criar uma biblioteca e ergueu nova mesquita — Foto: James Wang
O complexo comunitário Hikma, projeto de Mariam Issoufou Kamara, do Atelier Masōmī, e de Yasaman Esmaili, do Studio Chahar, que revitalizou um edifício em Dandaji para criar uma biblioteca e ergueu nova mesquita — Foto: James Wang

A trajetória bem-sucedida está entrelaçada a uma grande reflexão e prática sobre o fazer arquitetônico recente, que respeita a cultura e as necessidades regionais a partir de um resgate histórico, além de manter boas relações com a comunidade do entorno. Em seu ateliê e em parcerias com outros arquitetos, levanta edificações que conversam com o que está ao redor, repletas de características sustentáveis. Tudo isso embalado em uma linguagem contemporânea.

“Além de estar interessada em arquitetura para meus próprios esforços criativos, de repente enxerguei essa missão e coisas maiores em jogo”, revela. Mariam vai contra imposições de formatos e estéticas vistas como “desenvolvidas” – herança da colonização –, além de materiais que não fazem sentido para lugares como o Níger. “Essa estética tem um custo muito alto para países como o nosso, que são alguns dos mais pobres do mundo”, pontua. “Reproduzi-la não é realista, se você deseja ter moradias suficientes e edifícios que não causem impacto.”

Em uma análise sobre o que considera realmente belo hoje, pensa sobre experiências, como nos sentimos ao entrar em diferentes espaços, a temperatura, os aromas e como a luz incide nas paredes. E ainda em como conseguir explorar, na arquitetura, o DNA do lugar onde está inserida. “Para mim, um belo edifício precisa ser capaz de se transformar em uma bela ruína”, reflete. “Eu olho muito para os meus projetos dessa forma, e essa é uma das razões pelas quais eles têm a aparência que têm. Porque tentei também imaginar o fim da vida deles. Se esse prédio fosse abandonado, ainda ficaria bonito no seu estado dilapidado?”

Na mesma cidade, o mercado de rua idealizado pela arquiteta — Foto: Maurice Ascani
Na mesma cidade, o mercado de rua idealizado pela arquiteta — Foto: Maurice Ascani

Ao olhar seu portfólio, alastra-se a tonalidade terracota, proveniente de materiais comuns no Níger, principalmente a terra. Essas matérias-primas, além de soluções estruturais, permitem controle de temperatura em um país de clima quente, que ultrapassa os 40 °C na maior parte do ano.

Um exemplo é o Niamey 2000, assinado por ela ao lado dos colegas Yasaman Esmaili, Elizabeth Golden e Philip Sträter, como coletivo United4design. Situado na capital nigerina, o conjunto habitacional concluído em 2016 foi inspirado em cidades pré-coloniais e propõe um modelo de moradia que responde à crise habitacional. Feitas de tijolos de terra, as casas são entrelaçadas, têm pátios e recortes para passagem de ar, e ainda preservam a privacidade dos moradores.

“Nas minhas aulas [na faculdade], estava muito interessada em sustentabilidade porque cresci em um país tão quente, e ter que usar ar-condicionado para manter os interiores frescos é muito, muito caro. Eu vi isso como um grande problema”, diz Mariam. “Havia algo crítico e era incrivelmente importante pensar em uma arquitetura que não dependesse daquilo, que é como fazíamos antes do século 20, certo?”

A fachada do Niamey 2000, uma proposta de habitação do coletivo United4design, do qual Mariam faz parte — Foto: United4design
A fachada do Niamey 2000, uma proposta de habitação do coletivo United4design, do qual Mariam faz parte — Foto: United4design

O complexo comunitário Hikma, de Mariam e Yasaman, concluído em 2018, na cidade de Dandaji, também no Níger, fez nascer uma biblioteca dentro de uma antiga mesquita. Para a restauração, a dupla convocou pedreiros da construção original, que aprenderam sobre reforços para tijolos de adobe e mecanismos de proteção contra erosão.

Apesar dos aspectos quase artesanais na produção da arquiteta, a tecnologia se faz presente, como no uso de desenhos paramétricos. Ela acredita que pode, ainda, implementar inteligência artificial, de forma educativa e para compartilhar conhecimentos. Cita o uso de desenhos computadorizados com instruções técnicas sobre tijolos de terra a pedreiros que não sabiam ler. “Tecnologia tem um lugar muito importante para o desenvolvimento. Mas não é tudo ou nada. Não se trata de soluções hipertécnicas e tecnológicas ou nada disso. Estou interessada em colocar as coisas onde elas fazem sentido.”

Ainda em Dandaji, Mariam idealizou um mercado com referência à arquitetura de comércios de rua tradicionais. O objetivo era criar um ponto fixo para vendas e compras de produtos em uma cidade de caráter rural. Nesse espaço, destacam-se os dosséis coloridos para sombreamento, que, além do apelo estético, driblam a dificuldade em cultivar árvores em clima desértico. Em projeto divulgado recentemente, ainda em fase inicial, o Museu Bët-bi, em Kaolack, no Senegal, ela priorizou áreas de encontro da comunidade. A estrutura, que lembra um olho, busca recriar e reinterpretar hábitos e práticas culturais e religiosas que ocorriam em torno de objetos sagrados na região.

Para mim, um belo edifício precisa ser capaz de se transformar em uma bela ruína. Eu olho para os meus projetos dessa forma, e essa é uma das razões pelas quais eles têm a aparência que têm
— Mariam Issoufou Kamara

Segundo a arquiteta, essas construções contam com ampla pesquisa, feita em parceria com a comunidade por meio de trocas e observações, além de análises de registros históricos. Nessa etapa há a busca por habilidades e lembranças de outros tempos; e ela ainda realiza conversas sobre identidade, necessidades, consumo de energia e sustentabilidade.

Mariam diz acreditar que, apesar do histórico colonial, vestígios do passado sempre ficam. “O que permanece não está nos livros, fica nos rituais que ainda são mantidos vivos, nas maneiras de contar histórias, em um monte de coisas diferentes que você pode escavar, se fizer as perguntas certas e realmente ouvir.

*Matéria originalmente publicada na Casa Vogue de outubro. Garanta a sua aqui!

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