Cidades

Por Ana Luiza Cardoso


Casas submersas, edifícios alagados, ruas intransitáveis. Esse cenário se tornou frequente em diversas cidades no Rio Grande do Sul desde o início das fortes chuvas que atingiram o estado. Em Porto Alegre, o nível recorde do Guaíba, além de falhas do sistema antienchente, permitiram o acúmulo das águas na cidade. Prédios foram cercados e muitos, até hoje, seguem assim. Impactos como esses podem deixar rastros nas edificações. Segundo especialistas, é preciso avaliar os imóveis que permaneceram tanto tempo cobertos pelas águas.

Vista aérea da destruição e da rua submersa após fortes enchentes atingirem a cidade de Roca Sales, no Rio Grande do Sul — Foto: Anadolu/Getty Images
Vista aérea da destruição e da rua submersa após fortes enchentes atingirem a cidade de Roca Sales, no Rio Grande do Sul — Foto: Anadolu/Getty Images

“Os prédios do centro de Porto Alegre, em sua grande maioria, são construções em alvenaria. São materiais porosos, que absorvem água naturalmente”, explica a arquiteta Luísa Durán, professora na faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “O material poroso em contato com a água esfarela. No caso dessa inundação, dessa enxurrada, a água exerce uma pressão lateral. Isso pode acarretar em um deslocamento ou recalques nos edifícios porque uma parte do alicerce se inunda, outra não. Esses materiais entram em estresse”, complementa.

Mercado Público de Porto Alegre, inaugurado em 1869 — Foto: Getty Images
Mercado Público de Porto Alegre, inaugurado em 1869 — Foto: Getty Images

Há possibilidade de estragos em instalações elétricas, aparecimento de manchas e descolamento de rebocos, além de contaminação de materiais porosos pela água da rua. Segundo moradores, as águas exalam mau cheiro e tem animais mortos. “A madeira em contato com a água também apodrece”, explica a arquiteta. “As dilatações e contrações geram estresse no material. Essas avaliações só poderão ser feitas quando a água sair, aí veremos o que aconteceu”, pontua.

“Todas edificações que ficaram embaixo d'água terão que passar por laudos”, diz a arquiteta Clarice Misoczky de Oliveira, co-presidente do IAB-RS (Instituto de Arquitetos do Brasil). “Temos edificações sólidas no Centro Histórico. Acredito que elas possam não ter que vir abaixo”. “A tendência é que edifício de concreto, com vinte dias de inundação, não tenha grandes problemas na estrutura, mas a parte toda de revestimentos, acabamentos, equipamentos, tudo que não é estrutura, deve ter danos grandes”, corrobora o arquiteto Gabriel Kogan. “No caso de estruturas de madeira, elas tendem a não sofrer danos se não ficarem neste ‘desce e sobe’ de água, que está acontecendo agora”.

Prédio da Prefeitura de Porto Alegre também foi tomado pela água — Foto: Jefferson Bernardes/Getty Images
Prédio da Prefeitura de Porto Alegre também foi tomado pela água — Foto: Jefferson Bernardes/Getty Images

Um dos protagonistas da inundação em Porto Alegre foi o Guaíba. O lago que banha também municípios como Eldorado do Sul e Guaíba ultrapassou os 5 metros (o limite para transbordamento é de 3 metros), bateu recordes históricos, e suas águas invadiram áreas baixas na cidade.

A região ao redor passou por um processo de revitalização nos últimos anos devido aos preparativos para a Copa do Mundo de 2014, o que atraiu novos empreendimentos imobiliários. Também foram feitas milhares de remoções de moradores em bairros vizinhos, como relata Paulo Roberto Rodrigues Soares, professor do departamento de Geografia da UFRGS e pesquisador do Observatório das Metrópoles. “Algumas medidas poderiam ter sido tomadas em conjunto, fazer esse projeto mais democrático e inclusivo. Poderia ser acompanhado, por exemplo, de mudanças de projetos de habitação popular, de melhorias de mobilidade urbana”, defende Soares.

Um dos destaques no processo de revitalização foi o de um parque urbano desenhado pelo escritório Jaime Lerner Arquitetos Associados. Ele inclui quadras esportivas, restaurantes, além de áreas de contemplação na beira do Guaíba. De três trechos previstos, dois foram concluídos. Com as chuvas, as estruturas foram todas alagadas.

Parque Urbano da Orla do Guaíba, inaugurado em 2018, em foto aérea anterior às enchentes — Foto: Arthur Cordeiro
Parque Urbano da Orla do Guaíba, inaugurado em 2018, em foto aérea anterior às enchentes — Foto: Arthur Cordeiro

“A nossa expectativa é que a obra permaneça intacta”, afirma Fernando Canalli, arquiteto e sócio do escritório. “Obviamente vai ter que limpar, lavar, mas o concreto como material permanece intacto. Esse sempre foi o nosso objetivo. Em outras duas outras inundações grandes, se mostrou bastante eficiente e resiliente”.

Clima, ambiente e infraestrutura urbana: o que causou os alagamentos no RS

Desde o fim de abril, ao menos 2,3 milhões de pessoas foram impactadas pelas chuvas e alagamentos no Rio Grande do Sul. Foram registradas 162 mortes, há 75 desaparecidos e mais de 649 mil pessoas precisaram deixar as suas casas, de acordo com boletim da Defesa Civil desta quarta-feira (22).

O impacto das chuvas foi impulsionado pela união de fatores como clima, ambiente, características econômicas e a capacidade das instituições, como analisa Pedro Camarinha, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

No campo meteorológico, houve concentração de frentes frias, a influência do El Niño, e o próprio aquecimento global, que alimenta os eventos extremos.

A geografia do Rio Grande do Sul também entrou na conta. Com as chuvas fortes, as águas das regiões da Serra Gaúcha correram para os rios, em grande volume, e seguiram para a área de planície, perto de Porto Alegre. “Toda água de Porto Alegre desemboca na Lagoa dos Patos, que é grande, mas só tem um canal pequeno para o oceano Atlântico. É um espaço pequeno para um volume de água gigantesco”, explica Camarinha.

Imagem de satélite em cores reais da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul. No topo da imagem está a cidade de Porto Alegre — Foto: Planet Observer/Universal Images Group via Getty Images
Imagem de satélite em cores reais da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul. No topo da imagem está a cidade de Porto Alegre — Foto: Planet Observer/Universal Images Group via Getty Images

Para completar, em Porto Alegre, o sistema antienchentes falhou. Com o transbordamento do Guaíba, bombas de drenagem foram desligadas. Havia risco de choques elétricos, como informou a gestão municipal.

“As comportas na parte do Cais Mauá e da Zona Norte não tinham manutenção, então tem frestas que passam uma criança. É óbvio que a água entrou na cidade”, afirma a arquiteta Clarice Misoczky de Oliveira, co-presidente do IAB-RS.

Cidades-esponja e preservação da permeabilidade

Os estragos no Rio Grande do Sul levantaram o debate sobre como as cidades podem se tornar resilientes apesar das mudanças climáticas. Não basta uma medida, mas é necessário um conjunto, como exemplo, a aplicação do conceito de cidades-esponja, com seus parques alagáveis, além da preservação da permeabilidade do solo e, em casos extremos, realocação de moradias em áreas de risco, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.

Sobrevoo sobre áreas alagadas de Porto Alegre — Foto: Giulian Serafim/PMPA
Sobrevoo sobre áreas alagadas de Porto Alegre — Foto: Giulian Serafim/PMPA

Professora em Projeto Urbano da Universidade Técnica de Delft na Holanda, Taneha Bacchin defende o desenvolvimento de uma infraestrutura chamada verde e azul. É uma mudança de paradigma, explica, e se manifesta por meio de parques, espaços abertos e permeáveis, projetados de forma conectada ao sistema já existente na cidade.

“Eles podem ser utilizados para amortecer, para receber essa água em excesso”, diz. “Essa água infiltra no solo ou permanece numa lâmina de água, dentro de um parque, de maneira segura, em áreas de detenção de chuvas”.

Há ainda uso de canaletas verdes, ao longo das vias, para as águas correrem de forma segura. Também podem ser implementados tetos verdes em casas. Esse sistema é multifuncional, diz, promove melhoria do microclima, reduz poluição do ar, barulho, além de criar áreas de lazer.

Sobrevoo sobre áreas alagadas de Porto Alegre — Foto: Giulian Serafim/PMPA
Sobrevoo sobre áreas alagadas de Porto Alegre — Foto: Giulian Serafim/PMPA

Sobre realocações, Taneha destaca que pode ser uma opção apenas em casos emergenciais. “Se você está numa condição de risco extremo, tem uma edificação numa área de risco extremo, sim, precisa ser avaliado se é necessário”, pondera. “Mas isso é a última resposta, é uma questão de justiça espacial. O objetivo é manter a população onde ela reside, o seu lugar de moradia”.

“Essa é uma das alternativas que todo mundo acha que é a mais óbvia, só que ela não é nada fácil de ser feita”, diz Pedro Camarinha, pesquisador do Cemaden. “Tem a questão de gastos associados à realocação de todos esses lugares. Não é só a casa, é toda infraestrutura urbana que a acompanha. É uma alternativa, mas deve ser direcionada para os casos mais críticos”.

“Temos que ter um conjunto de soluções e essas baseadas na natureza também”, diz a arquiteta Clarice Misoczky. “Já sentimos em Porto Alegre outros efeitos [das crises climáticas], como o calor extremo”.

“Você tem que fazer legislações que aumentem a permeabilidade do solo em lotes privados, que garantam isso de forma eficaz, não só para atender a lei”, afirma o arquiteto Gabriel Kogan. “É necessário um sistema de drenagem dentro dos lotes”.

O Parque Barigui, em Curitiba, é considerado um parque alagável  — Foto: agustavop/Getty Images
O Parque Barigui, em Curitiba, é considerado um parque alagável — Foto: agustavop/Getty Images

Ele também aponta os chamados “parques alagáveis” como possibilidade. “Áreas de retenções abertas, de grande porte e projetadas com bombas e comportas é uma solução efetiva”, diz. “Você pode melhorar a situação aumentando a permeabilidade do solo. Mas, para ser efetivo, tem que ser na escala da cidade. Não adianta fazer um parque ali, um canteirinho lá. Isso não surte efeito”.

“Temos que partir do princípio que esses eventos climáticos extremos podem se repetir várias vezes”, afirma Marcelo Dutra da Silva, professor de Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande (FURG). “Talvez tenhamos que mudar completamente a nossa lógica de construir a cidade, olhar para a cidade, de relacionamento com a natureza e particularmente com a que já nos cerca. Não podemos ser um corpo estranho naquela natureza, mas fazer com que a cidade incorpore elementos dessa natureza para que se torne mais resiliente”, ressalta.

Mais recente Próxima Ellinikon: tudo sobre a nova cidade inteligente de 15 minutos em construção na Grécia
Mais do Casa Vogue

O distrito criativo tem arquitetura de interiores com influências brasileiras e da estética das casas espalhadas por grandes cidades em todo o mundo, como Berlim, Roma, Barcelona e Nova York

Por dentro da recém-inaugurada Soho House São Paulo, na Cidade Matarazzo

A marca holandesa Hunter Douglas, especialista no segmento de cortinas, persianas e coberturas, aposta na tecnologia para transformar a relação entre os espaços

Esta peça é o segredo para promover bem-estar e ampliar a conexão com o exterior em ambientes internos

O doce leva leite condensado, milho e canela! Veja tudo o que você precisa para não errar

Aprenda uma receita de canjica rápida e deliciosa

De acordo com a arquiteta Carolina Munhoz, integração estética, ergonomia, iluminação, organização e privacidade são os cinco pontos chave para construir um ambiente perfeito

Home office na sala: dicas e ideias para equilibrar o espaço de trabalho e relaxamento

Com edifícios antigos e paisagens pitorescas, estas cidades encantam com seus ares de épocas passadas

7 cidades lindas que parecem congeladas no tempo

Com pouco mais de 100 m², a residência possui três quartos, dois banheiros, garagem e quintal de 300 m²

Casa à venda nos EUA gera polêmica: quem comprar só poderá se mudar depois de 30 anos

A residência em Alphaville, em São Paulo, foi repaginada pelo escritório Fantato Nitoli Arquitetura

Reforma deixa casa de 500 m² mais iluminada e arejada

Nem casa, nem trabalho: o conceito de terceiro lugar tem como premissa espaços públicos onde é possível estabelecer vínculos e encontrar conforto para a mente e o coração

Terceiro lugar: 5 criativos revelam locais em São Paulo onde a conexão afetiva prevalece

Aquecedor, ninho de berço e mais – veja produtos a partir de R$48,98

8 itens para deixar o quarto do bebê quentinho no inverno

A Mega Tirolesa terá 3,4 km de extensão e ficará na cidade de Socorro, com início do trajeto localizado no Pico da Cascavel

São Paulo terá a maior tirolesa do mundo