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Lazer&Cultura

A distopia artística de 'The Handmaid’s Tale'

Série da Hulu baseada no livro de Margaret Atwood constrói um universo cheio de particularidades inebriantes ao mesmo passo que aterrorizantes

audima
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14/09/2017
audima

Se você não ouviu falar ou ainda não começou a assistir The Handmaid’s Tale, sugiro que deixe tudo da sua lista para depois e priorize esta maravilhosa série do streaming Hulu - com apenas uma temporada, já concorre a 13 Emmy Awards. O roteiro é baseado no livro O Conto de Aia (1985), de Margaret Atwood, e já teve adaptação para o cinema lançada em 1990. Contudo, a criação de Bruce Miller dirigida por Reed Morano ultrapassa todos os limites da imaginação ao correr os olhos pelos escritos de Margaret e constrói uma história que aterroriza justamente por parecer real, apesar de tudo ser uma grande distopia.

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Contextualizando: em um futuro não datado, os Estados Unidos têm seu governo derrubado por homens que acreditam nas leis fundadas pelos dizeres da Bíblia. Tudo ocorre após a população sofrer com os índices baixíssimos de fertilidade, colocando em risco a continuidade da civilização como a conhecemos. As poucas mulheres capazes de engravidar se tornam propriedade do governo de Gilead e devem servir às famílias mais ricas como o corpo para gerar os filhos. Enquadre tudo isso com o suspense e a aflição gerada por Black Mirror, durante os 50 minutos de 10 episódios da primeira temporada. Indigesto, no mínimo.

Os comportamentos das pessoas mudam, claro. As mulheres não podem ler, escrever, ver notícias, trabalhar ou qualquer outra função corriqueira. Apenas cuidar da casa e do marido, que por sua vez segue a vida normalmente, em cargos públicos, com acesso à informação e outras regalias. As maids, em português Aias, são as mulheres que vivem nas casas de seus comendadores, a fim de gerar um filho para o casal. Nem pense em inseminação artificial. O bebê é gerado a partir do que eles chamam de O Ritual (foto acima): todo período fértil, a Aia é forçada a ter relações sexuais com o chefe da casa, na presença de sua mulher, em uma tentativa horrorizante de representar o ato como se fosse normal. Em português claro, elas são escravas estupradas todo mês. Tentativas de burlar o sistema ou fugir são punidas das mais diversas formas, desde arrancar o dedo até tirar um olho.

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Como dito anteriormente, o que deixa toda a narrativa de The Handmaid’s Tale ainda mais aflitiva é o fato dela ser bem possível, considerando as reviravoltas da sociedade atual. E a equipe de arte de Evan Webber tem grande responsabilidade nessa questão.

Assinada por Julie Berghoff (Jogos Mortais e A Invocação do Mal), a produção de design é naturalmente um desafio. Descaracterizar uma cidade do tamanho de Boston não se faz da noite para o dia, mas a ideia principal de Julie era fazer a arquitetura contar uma história por si só. O trabalho de pesquisa, portanto, começou com as locações, pautadas pelo estilo arquitetônico da região da Nova Inglaterra, com quê puritano. A partir daí, puderam desenvolver estéticas do zero, como os mercados que aparecem eventualmente nos episódios. O jogo de objetos antigos misturados com elementos contemporâneos deixa tudo ainda mais interessante.

Vale ressaltar a casa do Commander Waterford (Joseph Fiennes), claro, cenário principal da trama. Além dele, vivem ali sua esposa Serena Joy (Yvonne Strahovski), o motorista Nick (Max Minghella), a empregada Rita (Amanda Brugel) e a Aia protagonista Offred (Elizabeth Moss em atuação brilhante). Cada cômodo traduz uma sensação. A presença de flores pela casa representa a vontade desesperada de Serena ter um filho; o quarto de Offred foi desenhado para ela se sentir como um rato na gaiola, com janelas iluminando o recinto de maneira como um suspiro meio ao caos; a sala do comandante (proibida para as mulheres - só entra caso ele as convide) reúne tudo o que elas não podem ter por lei: livros, arte, jogos, bebidas, revistas, jornais, etc., distribuídos na dinâmica de biblioteca em azul marinho; os ambientes de trabalho, como a cozinha, refletem o verde das vestimentas dos criados.

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A paleta de cor de The Handmaid’s Tale é, por certo, o ponto mais importante da concepção visual da série e foi pautada pelo figurino, assinado por Ane Crabtree (Família Soprano, Masters of Sex e Westworld). Isso porque as posições sociais são definidas pelas cores, assim como no livro de Margaret Atwood. As Aias vestem vermelho com chapéus brancos, as esposas azul, os comandantes e membros da polícia usam preto, as “marthas” (ou serventes) usam verde e as esposas das classes mais baixas usam cinza. Contudo, não são as versões puras das tonalidades que tomam conta das vestimentas de cada personagem, e sim uma mais fechada e sombria, para enaltecer a imagem de distopia social.

Por desejo da figurinista de não datar a série, as peças têm ares clássicos, com elegância suprema, mesmo a pessoa não sendo da elite. Vestidos intermináveis em azul esverdeado compõem o guarda-roupa de Serena Joy, por exemplo, em diferentes cortes e opções de tecido, mas nunca de cores diferente. A sensação de padronização da sociedade se dá, também, pelo vestuário. The Handmaid’s Tale vai muito além do entretenimento, ultrapassa os questionamentos políticos e sociais e se afirma como um grande ícone visual, construído da melhor forma possível.

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