de mármore assinados por Laura Vinci – ao fundo, a cortina de linho, desenhada pela moradora, possui gatos bordados por Clara Zúñiga
A artista plástica Gabriela Machado começou a pintar na Fazenda Resgate, propriedade de sua família localizada em Bananal, SP, vilarejo na fronteira com o Rio de Janeiro, na Serra da Bocaina. Dos 10 aos 18 anos ela morou naquele local histórico, construído quando a lavoura do café era uma das principais atividades econômicas da região.
A vocação inevitável pela arte nasceu ao acompanhar avidamente a restauração dos afrescos originais da sede, orquestrada pelo pai. “Ele passou quase uma década recuperando cada detalhe do lugar. O passo a passo cuidadoso, a mistura de tons, o estudo dos materiais – tudo me fascinava. Comecei a desenhar de forma intuitiva, solta, como um exercício diário. E nunca mais parei”, conta.
Nessa época, durante as férias, Gabriela também costumava descer a serra, passando longas temporadas em Paraty, RJ, cidade à beira-mar famosa por sua bem conservada arquitetura colonial. Para a artista, essa vivência durante a juventude reverberou em seu ideal de lar.
Não à toa, tempos depois, nos anos 1980, ela se encantou por um sobrado no Horto carioca, situado na Chácara do Algodão – um conjunto arquitetônico do final do século 19 preservado pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), composto por antigas moradias destinadas aos trabalhadores da indústria têxtil América Fabril.
Na época aluna da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Gabriela vislumbrou montar seu ateliê ali. Comprou e reformou uma das casinhas como suporte da arquiteta Lia Siqueira, do escritório Siqueira + Azul Arquitetura. Com pé-direito alto, mezanino e um terraço, os 150 m² transformaram-se em um ambiente inspirador para criar suas telas, repletas de um traço abstrato, carregado de cores. “Eu adorava o espaço e a proximidade coma rua. Mas buscava mais luz natural, porque a construção era geminada, como numa vila”, relata.
Há cerca de dez anos, surgiu a oportunidade de resolver esse problema e Gabriela não hesitou. Arrematou a casa ao lado e chamou Lia novamente, com a proposta de integrá-la à primeira, ampliando sua luminosidade, mantendo os aspectos originais e convertendo-a em sua residência.
Durante a reforma, os dois quartos amplos permaneceram reservados no andar superior, enquanto no térreo o living abriu-se para o pátio, que dá acesso à cozinha, posicionada na edícula, e, claro, ao ateliê, agora integrado a essa área externa que passou a ligar as duas unidades.
Ali, a parede de pedra de cantaria, remanescente do século 19, revela o apelo rústico do antigo complexo. “Decidimos explorar os pequenos jardins como novos elementos arquitetônicos. Com isso, ganhamos claridade e ventilação cruzada”, afirma Lia, que conseguiu, através de amplos painéis de vidro no lugar das janelas de madeira, nos fundos, filtrar uma luz surpreendente. “Renovamos praticamente tudo. Quebramos paredes sem mexer na volumetria nem na fachada. E trabalhamos sempre com o aval do Patrimônio Histórico”, acrescenta a arquiteta.
No décor, Gabriela também considera fundamental o aceno ao passado afetivo. Os cômodos propõem uma interessante mistura de móveis antigos, muitos herdados de família, e objetos trazidos de viagens e estadias no exterior. “Tenho peças frutos de trocas. O sofá e as poltronas, por exemplo, vieram do Arnaldo Danemberg Antiquário [Gabriela doou itens de família e levou outros encontrados ali]. Nas paredes, penduro quadros meus e de amigos. A verdade é que estou sempre mudando tudo de posição. O morar é, ao mesmo tempo, um exercício dinâmico e artístico”, discorre.
A vila histórica, para a artista, possui um estilo descomplicado, que reflete seu modo de viver e fomenta a criatividade. “Parece uma cidade do interior dentro do Rio de Janeiro, todo mundo se conhece e se ajuda. Temos um ar meio praia, meio fazenda. Estar aqui é um privilégio”, conclui.