Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

Adriana na construção principal, junto a janela aberta na reforma, intervenção que se tornou possível após aquisição do terreno vizinho, honrando o ideal
moderno de integração com o entorno

Quando compraram a residência no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, a artista Adriana Varejão e o produtor de cinema Pedro Buarque de Hollanda sabiam tratar-se de uma ousadia. Projeto de Oscar Niemeyer de 1969, a construção de 595 m² com vista para o Cristo Redentor preservava a estrutura original, mas com acabamentos e instalações em mau estado. Pior: havia sofrido intervenções que a descaracterizaram. “Apesar de tudo, vimos aqui uma expressão da utopia moderna, com o traço de Niemeyer em espaços generosos e integrados que privilegiam a convivência e a comunhão com a natureza”, reflete Adriana.

Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

Encostado na montanha, nos fundos do terreno, este anexo abriga o escritório de Adriana: a escada escultural conduz, primeiramente, a um quarto de hóspedes, que ocupa um vão preexistente na pedra, e, lá no alto, a vista é panorâmica do Jardim Botânico, da Lagoa Rodrigo de Freitas e da linha do mar até as Ilhas Cagarras

Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

A sala de jantar integrada com o jardim de inverno tem cadeiras Lucio, de Sergio Rodrigues, e, ao fundo, painel de Adriana Varejão produzido na fábrica de cerâmica portuguesa Viúva Lamego – na parede, quadros de Antonio Dias (no centro) e Artur Barrio

A proximidade da montanha, afinal, também foi decisiva. “O Rio nos oferece essa oportunidade rara de ter uma floresta em casa”, diz Pedro.

Adriana morou muito tempo e sempre manteve ateliês no bairro – o atual fica ali bem perto, no Horto, cercado de verde. Iniciou-se como artista na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, localizada nos arredores, em um casarão em meio à Mata Atlântica. O paisagismo, portanto, desempenhou papel essencial nesta requalificação.

Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

A casinha de brincar, no canto do jardim, é o refúgio da filha mais nova

Assinado por Isabel Duprat, o jardim privilegia espécies nativas, diluindo as fronteiras com o entorno e paisagem. Foram quatro anos intensos de reforma. “Sem dúvida, a mais contundente de que já participei”, conta a artista. Ela chegou a cursar faculdade de engenharia, interrompida ao decidir-se pelo rumo das artes, e assume seu prazer e envolvimento com a arquitetura. Como não podia deixar de ser, criou especialmente para o endereço três trabalhos em azulejaria, os dois primeiros, inéditos: um banco no pátio, um painel na ala social e uma instalação da obra Panacea Phantastica (exposta no Instituto Inhotim, em Brumadinho, MG) na adega.

Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

Na cobertura do anexo de lazer, o banco criado por Adriana Varejão especialmente para a construção, com desenhos de aves nativas da região Sudeste nos azulejos, contorna o pátio com trio de poltronas Loop, de Willy Guhl para a Eternit

Para revitalizar e ampliar a morada com respeito à filosofia e à estética de Niemeyer, o casal convidou a arquiteta Lia Siqueira, que já havia atuado com Adriana na concepção de seu ateliê mais recente e tem escritório próximo do local. Com o máximo de cuidado em não intervir na volumetria, a reforma começou cavando embaixo do imóvel. A garagem surgiu neste subsolo, substituindo a antiga, que era muito estreita e ocupava porção nobre do lote. Com isso, abriram-se acessos internos, vãos e claraboias, trazendo luz e ventilação para o andar inferior, o dos dormitórios.

Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

Com 1,96 m de diâmetro, a janela circular de vidro entre as telas do multiartista, professor e ativista Abdias do Nascimento traz luz natural e a vista do jardim exuberante para a sala, cujo mobiliário reúne peças de design moderno, da mesma época da construção da casa, como os sofás de Oscar Niemeyer, da Etel, no Arquivo Contemporâneo, a mesa de centro de Jorge Zalszupin, com escultura Fallen Woman, de Louise Bourgeois, a mesa lateral de Giuseppe Scapinelli e a poltrona de Lina Bo Bardi – ao lado da lareira, escultura de barro do Mestre Galdino, e, sobre o aparador, flores da Astromélia

Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

Neste ângulo, vê-se a passagem entre a casa e o anexo de lazer: ao fundo, mais uma obra de Vivian Caccuri, e, nas paredes laterais, telas de
Abdias do Nascimento (à esq.) e Rubens Gerschmann

Cada elemento passou por cuidadosa avaliação em busca de soluções atuais e, ao mesmo tempo, alinhadas ao conceito de Niemeyer. As esquadrias da sala deram lugar a grandes panos de vidro. Todos os ambientes sociais receberam piso de pedra-sabão, em placas de grandes dimensões.

Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

A varanda da sala de estar temdois exemplares da Cadeira com Bola de Latão, de Lina Bo Bardi, da Etel, no Arquivo Contemporâneo – atrás delas, tapeçaria de Vivian Caccuri

Na cozinha eliminou-se uma parede, integrando-a ao exterior, enquanto o acréscimo de uma divisória no abrigo de carros anterior contribuiu para aumentar a sala, sem interferir no desenho da caixa arquitetônica. Na fase final da obra, apareceu a sedutora oportunidade de comprar o terreno ao lado. Assim, a empreitada ganhou outra perspectiva e mais fôlego: Lia implantou ali um anexo de lazer, com cozinha, estar, sauna e piscina. “O paisagismo foi fundamental nesta etapa, especialmente para integrar as duas construções”, avalia a arquiteta.

Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

Esculturas Retrato, de Jac Leirner, e, no piso, Multi Elephas, de Barrão – sobre o aparador da sala de estar, desenhado por Lia Siqueira, da esq. para a dir.: Livro dos Caminhos, de Lygia Pape, duas obras da série Metaesquema, de Hélio Oiticica, e Espaço Modulado nº10, de Lygia Clark

Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

No anexo de lazer, destaque para a obra da série Ônibus, de Raymundo Colares, e, sobre a mesa, escultura Tulip, de Yoshihiro Suda – o piso de ladrilhos hidráulicos é mais um elemento tradicional da arquitetura brasileira integrado à reforma

Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

O novo corredor de acesso à casa, aberto na reforma a partir da escavação do subsolo para a construção da garagem, exibe esculturas de lata Coro, do artista baiano Marepe

Adriana Varejão e Pedro Buarque de Holanda abrem casa assinada por Oscar Niemeyer (Foto: Ruy Teixeira)

No quarto, portas pivotantes feitas com estrutura metálica e pintura especial seguem o desenho dos antigos cobogós de tijolinho que havia no local: dessa forma, é possível abrir o painel para entrar luz, brisa e acessar o jardim – a penteadeira Componível é criação de Jorge Zalszupin

Da cobertura deste anexo, agora pode-se observar com clareza todo o conjunto. Esta espécie de pátio suspenso se conecta com a área social através da janela circular aberta no living, um óculo para o verde exuberante. Da mesma forma, a profissional atualizou outros componentes, referenciando-se sempre na obra do autor e mestre. A escada do anexo, antes protegida por um cilindro de vidro, recebeu um guarda-corpo escultural de concreto; na varanda, o banco foi redesenhado com mais profundidade; entre outras mexidas pontuais. “Tudo se renovou. Conquistamos mais conforto e hoje nos sentimos totalmente à vontade neste projeto moderno”, fala Adriana.