• Camila Santos | Foto Reprodução
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Nesta segunda-feira, 7, um post com imagens de esculturas cerâmicas de negros e negras escravizadas, que estavam à venda na loja Hangar das Artes, no Aeroporto de Salvador, na Bahia, repercutiu nas redes sociais.

Historiadores explicam porque esculturas racistas não podem ser consideradas itens de decoração (Foto: Reprodução/ Instagram/ @paulao_rj)

(Foto: Reprodução/ Instagram/ @paulao_rj)

Responsável pelo registro, o historiador Paulo Cruz escreveu na publicação: “Último dia de viagem. Cidade mais preta das Américas. No Aeroporto Internacional de Salvador a loja Hangar das Artes exibe em sua prateleira figuras de escravos à venda. ACORRENTADOS. No porto de entrada e saída da cidade, repito, (a) mais preta da América. O preço da nossa história, genocídio e dor? R$ 99,90. Vamos lá perguntar se eles são racistas?”

De acordo com Jonathan Raymundo, professor de história e pesquisador independente do racismo brasileiro, essas esculturas ofendem, pois não se tratam de objetos que visam a reflexão e, sim, a continuação do uso comercial dos negros. “A escravidão foi um período nefasto da história em que pessoas foram reduzidas a objetos comercializados e utilizados sem nenhuma humanidade. Antes, tratava-se dos seus corpos. Agora, da sua história, dor e tragédia. Trata-se da transformação da dor em mercadoria”, detalha.

Para Taina Silva Santos, historiadora e mestranda em história social na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a venda das esculturas teve tamanha repercussão pelo fato de, atualmente, os impactos das lutas do movimento negro serem maiores, devido à implementação de políticas afirmativas e de outras ações voltadas ao combate ao racismo em diversos âmbitos, inclusive, nos espaços de decisão. “Esse movimento tem gerado, em termos coletivos, um acúmulo maior e possibilitado que as pessoas tenham mais acesso ao letramento racial. O que possibilita que elas entendam a gravidade desta questão”, diz.

Ela acrescenta: “Esse caso é ainda mais problemático se pensarmos que, diante de toda essa produção de conhecimento (e informação), ainda existam artistas que ignoram e se negam a incorporar os valores antirracistas na criação de suas obras. Isso ocorre em desrespeito aos intelectuais negros dedicados a reatribuir e visibilizar a humanidade negra e questionar os processos históricos. Além disso, é uma falta de respeito a população negra que é exposta a essas obras”, salienta.

Por que esculturas com alusão à escravidão não são itens de decoração?

Quanto ao fato de as esculturas serem vendidas como elementos de decoração, Jonathan Raymundo questiona: “Você imagina decorar a sua casa com os escombros de Hiroshima? Você transformaria em objeto de decoração e comercialização os campos de concentrações nazistas? São objetos de enfeite as vítimas do World Trade Center? Não. Só que o grande negócio da escravidão e do racismo é transformar negros em mercadorias comercializáveis”, afirma.

Para o historiador Kleber Antonio de Oliveira Amancio, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, o souvenir (lembrança de viagem, em tradução livre) funciona como um gatilho para uma experiência afetiva. “Diante disso, presentear alguém (ou a nós mesmos) com uma imagem que aposta na subalternização do outro é reafirmar a colonialidade. Significa assumir uma postura conservadora diante de nossa desigualdade. Se quisermos viver numa sociedade verdadeiramente livre, democrática em que todos sejam respeitados, esse não é o caminho”, ressalta.

Tendo em vista que a situação se passou na capital baiana, o historiador observa que o racismo se evidencia de maneira ímpar no estado. "Isso porque são muitos os espaços que celebram o colonialismo na cidade. Felizmente, projetos como o Salvador Escravista, têm aparecido para questionar essa memória que se quer perpetuar."

Sobre demais alternativas para que ações racistas não se repitam, o especialista diz: “Precisamos deixar de normatizar comportamentos coloniais. Quaisquer medidas que não passarem pelo reconhecimento da humanidade da população negra não será o suficiente. O exercício da empatia e da alteridade são um bom começo, mas é necessário verdadeiramente indignar-se”, destaca.

Respostas

Em nota, a loja Hangar das Artes afirmou que todas as obras exibidas são voltadas para a exaltação da cultura e história baiana e brasileira. O texto diz ainda: “As imagens que estão circulando, de algumas de nossas esculturas, tratam-se da imagem do Preto (a) Velho(a) - espíritos que se apresentam sob o arquétipo de velhos africanos que viveram nas senzalas, majoritariamente como escravizados, entidades essas que trabalham com a caridade e cuidam de todas as pessoas que os procuram para melhorar a saúde, abrir caminhos e ter proteção no dia a dia. Por isso, algumas das peças possuem correntes, na tentativa (ERRÔNEA) de retratar a história dessa entidade de maneira literal”. A nota completa está disponível aqui.


Já o Aeroporto Internacional de Salvador diz que: "Após tomar conhecimento da comercialização de peças que remetem à desonrosa atividade da escravidão no Brasil em um dos estabelecimentos dentro de suas dependências, recomendou a retirada desses produtos do estoque da loja. Apesar de não determinar a curadoria dos produtos vendidos por cada subconcessionário, a administração entendeu que era fundamental se posicionar nesse caso. A concessionária trabalha para construir uma comunidade antirracista e reafirma o seu compromisso com a diversidade e valorização da cultura afro".