Esqueça todo e qualquer filme de super-heróis que tenha visto. Coringa, de Todd Phillips, cria uma nova forma de contar histórias de personagens de HQs - e é bastante perturbador. Protagonizado pelo sempre brilhante Joaquin Phoenix, o longa-metragem explora a construção psicológica de um dos vilões mais emblemáticos da literatura e do cinema. A grande genialidade dele é fazer tudo parecer tão real, que assusta a audiência, impactada a todo momento pela atuação de Phoenix. Arthur Fleck é um homem solitário e magro, que trabalha como palhaço em hospitais infantis e lojas de departamento. Ele vive com sua mãe em um apartamento antigo afastado do centro de Gotham City. A década é 1970 e a Nova York suja da época foi o ponto de partida para o designer de produção Mark Friedberg (Se a Rua Beale Falasse, A Vida Marinha com Steve Zissou) criar a atmosfera sufocante, aflitiva e decadente, alinhada com o arco do protagonista.

A decadência humana na Gotham City de Coringa (Foto: Divulgação)
A decadência humana na Gotham City de Coringa (Foto: Divulgação)

“Esse foi um filme difícil de fazer, porque é todo fundamentado na essência humana. A paleta de cores, portanto, tinha que transmitir certa dissonância”, explica Mark ao Architectural Digest. Gotham City surge como uma cidade-personagem, que compartilha características muito similares às da personalidade de Fleck. “Não importa aonde ele vá, o abuso surge em cada esquina: desde o bullying no metrô soturno até as crianças o roubando nos becos sujos. Claro que isso afeta suas futuras decisões, o que faz a disfunção de Gotham uma personagem por si só.” Para captar esse clima denso, Mark Friedberg pesquisou lugares em Nova York a fim de transformá-los em espaços monótonos e deteriorados. A inspiração partiu de filmes da década de 1970, como Taxi Driver, O Rei da Comédia e Rede de Intrigas, que tinham as mesmas características idealizadas por ele. O único contraste com essa vida derradeira de Arthur é o Seagram Building, na Park Avenue. "Precisávamos contrastar o mundo de Arthur com o modo como a outra metade vivia", explica o designer de produção.

A decadência humana na Gotham City de Coringa (Foto: Divulgação)
A decadência humana na Gotham City de Coringa (Foto: Divulgação)

No microcosmos do protagonista, o apartamento onde ele vive com a mãe é peça-chave na direção de arte de Coringa. Friedberg escolheu um antigo edifício art déco no sul do Bronx que "provavelmente foi uma aspiração de Arthur quando ele era garoto, mas claramente não é mais". Dessa forma, a decoração precisava ser um triste glamour, algo bastante pontuado no roteiro do filme - a constante necessidade de sermos todos felizes e bem-sucedidos o tempo inteiro. “É um espaço que não é atualizado há uns 25 anos. Não é um lixo, mas a mãe também não fez dele um lugar melhor.” Móveis de madeira, couro, pilhas de itens não identificados e um papel de parede bem marcado definem a sala de estar, por exemplo.

A decadência humana na Gotham City de Coringa (Foto: Divulgação)
A decadência humana na Gotham City de Coringa (Foto: Divulgação)

Diante de todo esse transtorno psicológico e dessa cidade sufocante, Arthur Fleck aproveita as noites ao lado de sua mãe no sofá de casa assistindo Murray Franklin (Robert De Niro), apresentador e comediante à frente de um talk show. O escapismo vem junto com a idealização do ídolo e a ideia de um possível encontro - que acaba acontecendo, mas com um desfecho inesperado. As cores do programa de plateia são uma homenagem ao que Johnny Carson apresentava na época.

A decadência humana na Gotham City de Coringa (Foto: Divulgação)
A decadência humana na Gotham City de Coringa (Foto: Divulgação)
A decadência humana na Gotham City de Coringa (Foto: Divulgação)

O cenário favorito de Friedberg é a sede da Hahas, empresa onde Fleck trabalha como palhaço de aluguel. Ele desistiu da ideia de usar o parque de diversões de Coney Island como o "escritório" do personagem e acabou usando uma loja de tapetes localizada no Harlem para tal. "É um ambiente estranho, mas por causa dessa realidade, não podia parecer muito estilizado". Pensamento este que se estende por todo o Coringa, dos cenários à trilha sonora. "Não há ninguém com poderes mágicos voando com uma capa", brinca Friedberg. “A textura dos personagens, a história e os lugares devem ser identificáveis ​​e relacionáveis. Se este mundo nos deixa um pouco ansiosos, acho que está tudo bem."


* Toda semana, Paula Jacob, editora-assistente da Casa Vogue, publica uma análise cinematográfica pelo viés da direção de arte, fotografia e figurino. Acompanhe A Arte do Cinema também pelo Instagram e prepare a pipoca!

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