Rolo compressor da crise achata renda e horizonte da popula��o jovem
RESUMO Economista sustenta que o brasileiro tem dificuldade de conciliar expectativas individuais e projetos coletivos. Desse impasse, diz o autor, adv�m a incapacidade de fazer concess�es que preparem terreno para gera��es futuras, um problema agravado pela crise. Exemplo disso � a resist�ncia � reforma da Previd�ncia.
Eduardo Anizelli/Folhapress | ||
Manifestantes protestam contra as reformas da Previd�ncia, trabalhista, e por elei��es diretas em Bras�lia |
A crise na qual o Brasil se encontra � daquelas que acontecem a cada meio s�culo e deixam marcas por um per�odo longo. Ela � fruto da combina��o de forte desequil�brio nas contas p�blicas com uma situa��o de produtividade estagnada.
Seja qual for o desfecho do epis�dio iniciado pela dela��o da JBS, conv�m n�o perder de vista o longo prazo. Para al�m dos arranjos de conjuntura, o pa�s precisa enfrentar desafios estruturais.
O maior deles � realizar mudan�as na Previd�ncia. Seus impactos econ�micos s�o conhecidos. Talvez falte entender melhor as causas da resist�ncia � reforma e suas consequ�ncias sociais.
Para isso, lan�amos m�o de dados sobre respostas subjetivas da popula��o em 160 pa�ses pelo Gallup World Poll. O car�ter internacional do levantamento permite diferenciar a vis�o do brasileiro daquela vigente em outras na��es.
Exploramos dois tipos de evid�ncia sobre nossas particularidades. A primeira � a exist�ncia de forte otimismo do brasileiro em rela��o a seu pr�prio futuro, o que � poss�vel depreender da elevada expectativa de satisfa��o individual dos entrevistados.
De 2006 a 2014, a nota m�dia de felicidade esperada para cinco anos depois entre as pessoas ouvidas por aqui foi de 8,69 pontos, numa escala de 0 a 10. O Brasil se manteve em primeiro lugar na classifica��o todas as nove vezes em que a pesquisa foi a campo.
Tal regularidade emp�rica fornece pistas sobre problemas derivados do otimismo individual do brasileiro, como o baixo �ndice de poupan�a familiar e a alta taxa de juros. Al�m dessa dificuldade nacional de lidar com o tempo e o planejamento, a quest�o da Previd�ncia reflete uma inconsist�ncia coletiva.
Uma segunda regularidade do levantamento � a baixa expectativa de cada brasileiro quanto � felicidade geral do pa�s, indicando disson�ncia aguda entre a vis�o dos filhos deste solo sobre sua vida particular e sobre o conjunto da popula��o. Apresentamos a nona maior diferen�a entre notas individuais e coletivas num universo de 160 pa�ses. Como cada brasileiro pode dar nota t�o alta para sua vida e t�o baixa para a vida de todos?
Esse descompasso sugere uma relut�ncia em pensar em termos coletivos que torna o todo menor do que a soma das partes.
Da� a necessidade de coordena��o da sociedade. O enfrentamento de problemas coletivos pauta os principais avan�os ocorridos nas �ltimas quatro d�cadas, tais como a volta gradual da democracia a partir dos anos 1980, a estabiliza��o da infla��o em meados dos anos 1990 e a queda da desigualdade de renda nos anos 2000.
Nos dias correntes, marcados pela corrup��o, o rep�dio consensual contra os desvios de recursos guarda a promessa de unir um pa�s ainda mais dividido.
N�o basta, contudo, que a sociedade reaja coesa ao inadmiss�vel. � preciso distinguir as condi��es necess�rias das suficientes.
A agenda de transforma��es que se imp�e tem essa natureza coletiva e temporal. A dificuldade de reformar a Previd�ncia � fruto dessa jabuticabeira: cada um espera muito para si e n�o enxerga o outro.
PA�S IMATURO
A satisfa��o com a vida no presente � relativamente est�vel em todas as faixas et�rias mundo afora. J� a expectativa de contentamento no futuro cai com o avan�o da idade, passando de 7,4 pontos, aos 15 anos, para 5,5 depois dos 80 anos.
Juventude � um estado de esp�rito, marcado pela atitude diante do futuro. O jovem acredita que o melhor ainda est� por vir. Como mencionado, somos eneacampe�es mundiais de expectativa de felicidade futura –ou de atitude jovem. O que nos permite reconciliar duas qualifica��es atribu�das ao Brasil: "pa�s do futuro", para alguns, "pa�s jovem", para outros.
Mais do que um pa�s de jovens na sua composi��o demogr�fica, o Brasil � um pa�s habitado por jovens de esp�rito. A m�dia de felicidade futura do brasileiro de 15 a 29 anos � de 9,3, �ndice superior ao de qualquer outro pa�s pesquisado. Nos levantamentos feitos at� 2014, a nota m�dia do jovem brasileiro jamais caiu abaixo de 9.
O povo brasileiro � t�o otimista quanto imaturo. O corol�rio da alta expectativa juvenil � uma elevada probabilidade de frustra��o.
Em termos demogr�ficos, o Brasil vive desde 2003 uma onda jovem que deve se prolongar ao menos at� 2023. Nesse interregno, haver� no pa�s 50 milh�es de jovens, o maior contingente dessa faixa et�ria que j� tivemos.
Caber� a essa gera��o arcar com os custos da nossa incapacidade de implementar solu��es razo�veis para financiar o fato de vivermos mais. A cada tr�s anos, a expectativa de vida do brasileiro sobe um ano, o que � sensacional, mas exige responsabilidade.
A principal v�tima da crise econ�mica prolongada � o jovem. N�o falo da conta que ainda ser� cobrada pelo deficit da Previd�ncia. Falo das perdas reais de renda observadas de 2014 a 2017, que atingem com mais intensidade o grupo dos que t�m de 15 a 29 anos.
Para esse segmento, a retra��o foi de 8% por ano, ante 2,5% de encolhimento de renda na m�dia geral do pa�s. No subconjunto dos indiv�duos com idades de 15 a 19 anos, a queda foi de 13% por ano.
Se nada for feito quanto � Previd�ncia, ser� s� o in�cio de uma longa derrocada. � o tal autoengano exterminador do futuro.
As manifesta��es de rua de junho de 2013 protagonizadas pelos jovens pareciam, aos olhos de hoje, antever esse tombo. Elas n�o foram exclusividade brasileira. A Primavera �rabe, a mobiliza��o estudantil no Chile e os protestos nas periferias de metr�poles europeias refletem a frustra��o juvenil potencializada e instrumentalizada pelo uso intensivo das redes sociais. O jovem est� com dificuldade de se encaixar no velho mundo.
Apesar dos progressos not�veis nas �ltimas d�cadas em temas como pobreza, acesso a bens e servi�os e expectativa de vida, estamos perdendo a guerra nas a��es voltadas � juventude. Problemas t�picos dessa faixa et�ria, como viol�ncia, desemprego, acidentes de tr�nsito, uso de drogas e pris�es, s� t�m piorado.
Estudos mostram que a combina��o desses infort�nios os torna ainda mais devastadores. Por exemplo, M�nica Viegas e Marcos Lisboa ("Mortalidade nos Estados do Rio de Janeiro, S�o Paulo e Minas Gerais") relacionaram a crise de desemprego juvenil dos anos 1980 a sequelas permanentes na taxa de homic�dio daquela gera��o.
REFORMAR O FUTURO
Os "baby boomers" nascidos no p�s-Segunda Guerra constitu�ram a gera��o dos jovens de 1968 que muito revolucionou ideias e costumes. T�m muito a ensinar. Est� na hora de os jovens do novo mil�nio, nascidos at� a virada do s�culo, fazerem valer seu tamanho, reformando seu futuro. N�o h� hoje quest�o econ�mica mais premente para a juventude do que a previdenci�ria.
Gostaria de ver uma reforma da Previd�ncia mais voltada para a institui��o de princ�pios de um sistema de capitaliza��o, com mais isonomia entre setores p�blico e privado, com menos privil�gios aos primeiros e mais cuidado com os pobres. Mas ela � apenas o come�o. Outras vir�o.
A resist�ncia em rela��o � reforma n�o s� joga contra o nosso futuro coletivo como atenta contra o presente. N�o falo de crescimento a longo prazo, nem mesmo do mecanismo de antecipa��o dos problemas fiscais de que somos lembrados todos os dias pelas flutua��es dos mercados financeiros. Refiro-me � miopia mesmo em rela��o � economia cotidiana.
No Brasil, temos robusta restri��o de oferta e, agora, de demanda agregada. Se quisermos recuperar a economia logo, a contrarreforma da Previd�ncia (leia-se, a ina��o) � p�ssimo impulso de demanda. Quase t�o ruim quanto a libera��o do FGTS ou o aumento da faixa de isen��o do Imposto de Renda.
A Previd�ncia tem efeitos multiplicadores sobre o PIB de menos de 1/3 do observado no Bolsa Fam�lia. Por qu�? O segundo vai para o pobre, que consome toda a renda, fazendo a roda da economia girar.
Incrementos na Previd�ncia quase n�o chegam ao pobre. Aposentadorias e pens�es correspondem hoje a 6,3% da renda dos 5% mais pobres e a 19,5% da renda dos 5% mais ricos. Se n�o ajustarmos a seguridade social, vamos continuar transferindo renda para quem tem mais e gasta menos.
Se n�o avan�armos na reforma da Previd�ncia, vamos cair numa estagna��o secular. Ficaremos todos, e os jovens em especial, deitados eternamente em ber�o n�o espl�ndido.
MARCELO NERI, 54, economista, � diretor do FGV Social e professor da EPGE/FGV.
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