O com�rcio ilegal de arte e o dilema �tico dos museus universais
Cada m�s que passa surgem novos casos de "repatria��o" de antiguidades de museus americanos a seus pa�ses de origem.
No final de maio as autoridades italianas expuseram 25 artefatos saqueados recuperados dos Estados Unidos. Entre eles havia alguns objetos contrabandeados pelo infame traficante Giacomo Medici, condenado em 2004 pela venda de milhares de objetos de arte greco-romana roubados da It�lia e do Mediterr�neo. Algumas semanas antes disso, o Museu de Arte de Cleveland tinha devolvido ao Camboja uma est�tua do s�culo 10 do deus hindu Hanuman. O �dolo tinha sido arrancado do tempo de Prasat Chen, em Siem Reap, na d�cada de 1960, chegando ao museu de Cleveland em 1982 ao final de um p�riplo pelas m�os de uma sequ�ncia de traficantes.
Em abril, agentes do Departamento de Seguran�a Interna confiscaram do Museu de Arte de Honolulu sete artefatos antigos da �ndia que teriam sido adquiridos por interm�dio do marchand Subhash Kapoor, de Nova York.
Atualmente detido sob cust�dia policial na �ndia, Kapoor comandava uma enorme opera��o criminal cujo �mbito pleno as autoridades ainda est�o tentando entender. Uma investiga��o em curso chamada Opera��o �dolo Oculto se estende por quatro continentes e procura desvendar a rede de Kapoor. Durante d�cadas o marchand encaminhou a colecionadores particulares e grandes museus do Ocidente antiguidades roubadas da �ndia e do sudeste asi�tico no valor de US$ 100 milh�es (ou possivelmente mais).
Samrang Pring - 12.mai.15/Reuters | ||
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Primeiro-ministro do Camboja com a est�tua do deus Hanuman. Roubada de tempo cambojano, a est�tua foi devolvida ao pa�s pelo museu de Cleveland, nos EUA. |
Algumas das grandes institui��es americanas ligadas a Kapoor incluem o Museu Metropolitano de Arte, em Nova York, o Instituto de Arte, em Chicago, e o Museu Asi�tico de Arte, em San Francisco.
A Opera��o �dolo Oculto intensificou a press�o sobre os museus americanos para que se certifiquem de que seus acervos n�o incluam artefatos adquiridos de modo ilegal. Nos �ltimos dez anos, cole��es p�blicas que incluem o Museu Getty, em Los Angeles, e o Met (Metropolitan Museum of Art) j� devolveram centenas de objetos obtidos de modo irregular. Quando adquiriram esses objetos, os museus deixaram de tomar os cuidados devidos para determinar a autenticidade e proveni�ncia dos objetos. Eles perderam milh�es de d�lares com isso.
Mas n�o s�o apenas os preju�zos financeiros que preocupam curadores e diretores de museus. As manchetes geradas por esses esc�ndalos colocam em risco os pr�prios esfor�os feitos pelos museus ocidentais para adquirir artefatos. As reivindica��es crescentes de repatria��o dificultam o projeto de constru��o de institui��es "universais" que apresentam a arte e a hist�ria do mundo.
H� ocasi�es em que essas reivindica��es t�m pouca rela��o com o com�rcio il�cito. Escrevendo no "New York Times", Hugh Eakin criticou as t�ticas coercivas usadas por pa�ses como Turquia, Gr�cia e It�lia, descritos como "ricos em arte". "As rela��es de museus com governos estrangeiros passaram a depender cada vez mais de os museus cederem a exig�ncias sem sentido e �s vezes abertamente extorsivas", ele escreveu. � medida que China e �ndia elevam seu perfil no palco geopol�tico, crescem as reivindica��es chinesas e indianas de restitui��o de artefatos em m�os do Ocidente; muitas vezes as reivindica��es s�o feitas por indiv�duos e grupos privados, n�o por governos.
A consequ�ncia � que os defensores dos museus hoje creem que seus acervos diversificados e cosmopolitas est�o sendo assediados por governos e grupos dotados de agendas nacionalistas. Os cr�ticos dos museus ocidentais acusam as institui��es de cumplicidade no com�rcio il�cito e, de forma mais ampla, de perpetuar as desigualdades agudas entre o Ocidente e o resto do mundo.
De acordo com Jason Felch, autor de "Chasing Aphrodite: The Hunt for Looted Antiquities at the World's Richest Museum", "os museus dos EUA demoraram a tomar consci�ncia da realidade do com�rcio il�cito". Ele enxerga um paralelo entre o com�rcio de antiguidades e o tr�fico de drogas: � a demanda dos pa�ses ocidentais que possibilita as duas coisas. "Enquanto houver um mercado lucrativo de bens saqueados, de objetos de origem incerta, haver� um com�rcio il�cito de antiguidades."
A advogada Tess Davis, da Antiquities Coalition, elogiou o Museu de Arte de Cleveland pela devolu��o volunt�ria da est�tua de Hanuman, mas argumentou que o artefato nunca deveria ter entrado para o acervo do museu, em primeiro lugar. "A est�tua de Hanuman apareceu no mercado quando o Camboja estava em guerra, enfrentando um genoc�dio", ela explicou. "Como algu�m poderia ignorar que era propriedade roubada? A �nica resposta � que ningu�m quis saber."
Os museus americanos s�o em grande medida autorregulamentados, embora muitos subscrevam �s diretrizes mais r�gidas adotadas em 2008 pela Associa��o Americana de Diretores de Museus, que regem a aquisi��o de materiais arqueol�gicos. Raramente os museus foram for�ados por decis�es legais a abrir m�o de artefatos; ao inv�s disso, eles voluntariamente, e �s vezes de modo preventivo, devolveram objetos de origem incerta que faziam parte de suas cole��es.
Graham Barclay - 06.fev.2006/Bloomberg | ||
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Visitante caminha ao lado de est�tuas gregas retiradas do Parthenon no Museu Brit�nico, em Londres. |
"Ningu�m quer promover o com�rcio ilegal", disse James Cuno, CEO da Funda��o Getty e grande proponente dos museus universais. "Os colecionadores precisam tomar muito cuidado com a autenticidade dos objetos e a legalidade das transa��es."
Mas Cuno receia que os museus universais no Ocidente enfrentem um desafio mais profundo lan�ado por nacionalistas de todo o mundo. Os governos e os museus nacionais de seus pa�ses frequentemente expressam seus pedidos de repatria��o de artefatos em termos de "repara��o da integridade da na��o". Para Cuno, essas reivindica��es s�o mais teatrais que morais; elas teriam o objetivo de fazer a propriedade cultural "ser uma quest�o de pol�tica e da agenda pol�tica das elites governantes".
Na vis�o dele, o museu universal continua a ser o melhor contexto no qual engajar-se com a arte. "As obras de arte n�o aderem �s fronteiras pol�ticas modernas", ele explicou. "Elas sempre buscaram conectar-se alhures com coisas estranhas e maravilhosas."
A destrui��o que o Estado Isl�mico vem cometendo de s�tios da antiguidade no Oriente M�dio refor�ou os argumentos em favor do museu universal, com figuras como Gary Vikan, o ex-diretor do Walters Art Museum, de Baltimore, argumentando que apenas institui��es do Ocidente s�o capazes de preservar o legado cultural mundial. As atrocidades do EI "v�o acabar com a boa-vontade excessiva em rela��o ao modelo de repatria��o", ele disse ao "New York Times".
Vista desde outra perspectiva, essa defesa soa como privil�gio ocidental. "O colonialismo est� vivo e forte no mundo da arte", comentou Davis. "Os chamados l�deres dessa �rea continuam a justificar o fato de conservarem artefatos saqueados, dizendo que com isso enchem seus 'museus universais' onde visitantes podem ver cole��es enciclop�dicas de todo o mundo. � uma ideia nobre, na teoria, mas na pr�tica � um luxo ocidental. Os cidad�os de Nova York, Londres e Paris podem se beneficiar, mas e os de Phnom Penh? Nunca."
Felch, que passou anos investigando as pr�ticas e aquisi��es de institui��es como o Museu Getty, entende a hist�ria problem�tica dos museus universais no Ocidente, mas ainda assim enxerga grande valor no car�ter enciclop�dico deles. "Muitos acervos foram montados na �poca colonial, mas n�o pretendo investir contra moinhos e tentar desconstruir a hist�ria", ele disse. "Eu queria que houvesse museus enciclop�dicos em outros lugares do mundo." Ele sugere que os muitos museus ocidentais grandes e fartamente dotados de recursos devem ajudar a facilitar empr�stimos e trocas com museus de outras partes do mundo.
Embora discorde de Felch sobre outros pontos, Cuno concorda que institui��es como a sua t�m uma miss�o global. "Qualquer museu que defenda o cosmopolitismo e a diversidade cultural tem a obriga��o de encorajar o acesso em todo o mundo", ele comentou. "N�o h� raz�es para pensar que as pessoas em outras regi�es n�o tenham curiosidade em rela��o ao mundo."
Tradu��o de CLARA ALLAIN
Livraria da Folha
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