Quando Asimov visitou o futuro, e ele era 2014
"Eu n�o sei, mas eu posso adivinhar." � assim que o escritor americano de origem russa Isaac Asimov (1920-92) resumia sua vis�o do mundo de 2014, enunciada 50 anos antes em um artigo publicado no "New York Times" e reeditado no final de dezembro passado pelo jornal.
O famoso autor de livros de fic��o cient�fica, como o cl�ssico "Eu, Rob�", tamb�m escrevia livros e artigos de divulga��o de ci�ncia em quantidades assombrosas. Portanto, sua vis�o sobre o futuro expressa no texto "Visit to the World's Fair of 2014," baseado na feira mundial de Nova York de 1964, � particularmente fascinante.
Como quase todos os que se prop�em a adivinhar algo, no artigo acertou em parte e errou em outra parte, apesar de ter sido preciso em v�rios pontos fundamentais, n�o necessariamente ligados a aspectos t�cnicos.
Asimov foi, como sua biografia deixa claro, um f� extremado da tecnologia. E sua vis�o, no fundo, � otimista: n�o h� problema neste planeta que o homem n�o consiga resolver se realmente quiser fazer a coisa.
Mas ele se esquece de um ponto importante: muitas vezes � a tecnologia mal usada que cria o problema. Por exemplo, o efeito estufa, o aquecimento global e a mudan�a clim�tica que est�o sendo acelerados pela a��o humana.
O autor estava particularmente preocupado com a explos�o populacional, um tema que assombrava muita gente ent�o, ecoando a tradi��o apocal�ptica do economista brit�nico Thomas Malthus (1766-1834).
"Em 2014, h� quase certeza de que a popula��o do mundo ser� de 6,5 bilh�es", disse Asimov. A previs�o, feita quando na Terra havia menos da metade disso, chegou perto dos mais de 7 bilh�es atuais.
"A press�o da popula��o for�ar� a crescente penetra��o de �reas de deserto e �reas polares. O mais surpreendente e, em alguns aspectos, animador de 2014 ser� um bom in�cio na coloniza��o das plataformas continentais. Habita��o subaqu�tica ter� suas atra��es para quem gosta de esportes aqu�ticos, e, sem d�vida, encorajar� a explora��o mais eficiente dos recursos do mar, tanto comida como minerais", previu o escritor.
N�o est� sendo bem assim, tal como a vis�o asimoviana de que a agricultura teria dificuldade em dar conta do aumento da popula��o. Ele sugere que para alimentar tanta gente a mais seria preciso usar produtos como algas com sabores artificiais, "falso peru" e "falso bife", que sofreriam uma resist�ncia "psicol�gica" dos consumidores.
O escritor tamb�m afirmou que muita gente estaria morando debaixo da terra, pois a superf�cie estaria reservada para a produ��o agr�cola.
Curiosamente, a solu��o para a quest�o dos alimentos j� estava acontecendo ent�o, com a chamada Revolu��o Verde, iniciada na d�cada de 1960, que propiciou grande aumento na produtividade gra�as a novas linhagens de plantas cultivadas -notadamente, arroz na �sia- e ao aumento do uso de fertilizantes nitrogenados.
O mundo de 2014 n�o passa por epidemia de fome; o de 2064 talvez passe, se a popula��o dobrar de novo.
Asimov tem o cl�ssico entusiasmo pela inova��o tecnol�gica dos nerds. Carros andariam sem tocar a superf�cie das estradas, levitando "um p� ou dois sobre o solo". � o futuro do desenho animado "Os Jetsons".
Mas, apesar de falar de col�nias na Lua ou no fundo do mar, de casas subterr�neas com ilumina��o artificial nos sub�rbios de classe m�dia americanos, ele deixa claro que os avan�os n�o ser�o para todos.
"Embora a tecnologia ainda se manter� a par com a popula��o at� 2014, ser� somente por meio de um esfor�o supremo e com sucesso apenas parcial. Nem toda a popula��o mundial ir� desfrutar plenamente do mundo de 'gadgets' do futuro. Uma propor��o maior do que hoje vai ser privada deles e embora poder�o estar melhor, materialmente, do que hoje, eles estar�o ainda mais para tr�s quando comparados com as partes avan�adas do mundo. Eles se mover�o para tr�s, relativamente", escreveu.
Segundo Asimov, "rob�s n�o ser�o comuns, nem muito bons em 2014, mas existir�o". Claro, ele pensa no mesmo rob� da sua s�rie de livros, um ser humanoide. Provavelmente n�o passava por sua cabe�a que existiriam rob�s industriais em grande quantidade, muito mais �teis do que uma "empregada rob�", como a que ele cita.
Na viagem � feira de 1964, ele se espanta com um computador, no estande da IBM, capaz de traduzir russo para ingl�s. "Se as m�quinas s�o t�o inteligentes hoje, imagine o que pode estar previsto para daqui a 50 anos?", questiona-se. Mas ele n�o trata de internet e defende que computadores miniaturizados ser�o os "c�rebros" dos rob�s.
O entusiasmo tecnol�gico de Asimov n�o tem limites. Os aparelhos dom�sticos de 2014 n�o ter�o fios el�tricos, funcionar�o com baterias de longa dura��o feitas com radiois�topos... Um liquidificador ou cafeteira nucleares?
Ora, Asimov prev� que em 2014 as rea��es nucleares fornecer�o mais da metade da energia consumida pelos homens. Contudo, na matriz energ�tica do planeta, a nuclear costuma ficar hoje em torno de 5%. Combust�veis f�sseis ainda dominam.
O escritor menciona v�rias inova��es "revolucion�rias". O que mais falta na sua avalia��o � outra coisa: os avan�os evolucion�rios que fizeram muita diferen�a entre os mundos de 1964 e 2014.
A maior lacuna no seu texto diz respeito � medicina e � sa�de p�blica. Desde ent�o se tornaram comuns transplantes de �rg�os, diagn�sticos por imagem de ultrassom, tomografia e resson�ncia magn�tica, in�meras novas drogas e t�cnicas cir�rgicas, mesmo o come�o de aplica��es gen�ticas, e campanhas de vacina��o que eliminaram ou diminu�ram muito o impacto de doen�as.
COMO SERIA O MUNDO DE HOJE H� 50 ANOS
JANELAS
O escritor previa que n�o mais precisar�amos delas nas constru��es, mas se estivessem presentes, bloqueariam a luz solar. A opacidade do vidro mudaria automaticamente de acordo com a intensidade da luz.
VIDA SUBTERR�NEA
Cidades subterr�neas dariam lugar na superf�cie para agricultura extensiva, pastagens e �reas verdes, com "menos espa�o desperdi�ado com real ocupa��o humana", al�m disso, haveria tamb�m casas submarinas.
COZINHA
Esse c�modo da casa seria equipado para preparar "autorrefei��es" e o caf�-da-manh� poderia ser programado na noite anterior para estar pronto em determinado hor�rio, mas ainda seria poss�vel cozinhar, "especialmente quando companhia � esperada".
ROB�S
"Rob�s n�o ser�o comuns, nem muito bons em 2014, mas existir�o", diz Asimov. Eles seriam capazes de limpar a casa e cuidar do jardim.
COMUNICA��O
Ao telefonar para uma pessoa, seria poss�vel n�o apenas ouvi-la, mas tamb�m v�-la, como hoje acontece com programas como o Skype. Telas seriam usadas para ler documentos e livros -como fazemos em aparelhos como os tablets. Sat�lites tornariam poss�vel telefonar diretamente para algu�m em qualquer ponto do planeta.
TRANSPORTE
A prioridade seria dada a ve�culos que n�o toquem a superf�cie, mas que deslizem sobre ela por jatos de ar comprimido. Al�m disso, carros seriam auto-guiados, programados para ir a seu destino sem interfer�ncia de um condutor humano
LUA E MARTE
O sat�lite natural da Terra seria povoado por col�nias, com as quais conversar�amos com a ajuda de transmiss�o a laser. J� em Marte, chegariam apenas miss�es n�o tripuladas, mas modelos de coloniza��o para o planeta estariam sendo elaborados.
RICARDO BONALUME NETO, 52, � rep�rter da Folha.
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