Emagrecedores liberados ficar�o em limbo sem controle, diz diretor da Anvisa
Alan Marques/Folhapress | ||
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Jarbas Barbosa, presidente da Anvisa |
A lei que libera a produ��o, venda e uso de tr�s inibidores de apetite at� ent�o vetados pela Anvisa (Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria) contraria outras leis em vigor, "coloca em d�vida a credibilidade do que � produzido no Brasil" e retira qualquer instrumento de controle desses produtos.
A afirma��o � do diretor-presidente da ag�ncia, Jarbas Barbosa, 60, sobre a lei que autoriza o uso dos anorex�genos femproporex, anfepramona e mazindol, vetados pela Anvisa em 2011.
Na �poca, a ag�ncia alegou que essas subst�ncias poderiam trazer mais riscos do que benef�cios.
Para ele, apesar da previs�o de estarem sujeitos � prescri��o por meio de receita especial, n�o � poss�vel controlar o uso destes medicamentos por n�o terem registro na Anvisa.
"Se passam a ser comercializadas sem isso, entram numa esp�cie de limbo. Quem vai monitorar os efeitos adversos que por acaso ocorrerem? Do jeito que est� a lei, a pessoa pode botar um caldeir�o atr�s de casa e dizer que aquilo � anfepramona", afirma.
Segundo ele, sem prerrogativa para tentar reverter a lei na Justi�a, a ag�ncia estuda agora medidas para "tentar reduzir os danos" da nova lei, mas n�o h� garantia de que isso ser� poss�vel. "Sem o registro, a nossa impress�o inicial � que n�o podemos fazer nada. As pessoas estar�o a merc� de pessoas inescrupulosas", disse.
Para Barbosa, m�dicos que apoiaram a libera��o foram "ing�nuos" sobre os efeitos da lei. "As faculdades de medicina deveriam ensinar mais aos m�dicos e como separar o que � evid�ncia cient�fica do que � impress�o."
COMO AGEM OS INIBIDORES DE APETITE
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Folha - O Congresso e o Planalto decidiram liberar o uso de inibidores de apetite, decis�o que caberia � Anvisa. Como viu essa quest�o?
Jarbas Barbosa - Lamentamos. Essa lei, semelhante � da fosfoetanolamina ["p�lula do c�ncer "], vai contra outras legisla��es brasileiras que dizem que o �rg�o para dar registro de medicamentos � a Anvisa e que, para ser comercializado, todo medicamento tem que demonstrar que � seguro e eficaz.
Mas essa decis�o n�o deixa a Anvisa enfraquecida? N�o perde essa imagem tamb�m a n�vel internacional?
N�o, porque n�o vamos mudar nossa pr�tica por conta dessa lei. O que fica enfraquecida � a imagem do pa�s. � um pa�s que diz: 'tenho uma ag�ncia regulat�ria respeitada internacionalmente, mas tamb�m posso autorizar medicamentos por fora'.
A pr�pria ind�stria [farmac�utica] brasileira acha negativa uma lei como essa, porque coloca em d�vida a credibilidade do que � produzido no Brasil. Se isso prosperar, vamos ter duas classes de medicamentos no Brasil: a classe submetida ao �mbito regulat�rio, de padr�o internacional, e a classe daqueles aprovados por lei.
Isso pode abrir precedente para outros medicamentos sem comprova��o de seguran�a?
� dif�cil fazer essa especula��o porque � uma decis�o do Congresso. Eu espero que o Congresso tenha consci�ncia de que tem que cobrar efici�ncia, transpar�ncia e fiscalizar a Anvisa, mas n�o querer substitu�-la. An�lise de efic�cia de medicamentos � uma an�lise t�cnica e complexa em qualquer pa�s do mundo, e por isso n�o pode ser feita por lei. Por isso o pr�prio Congresso decidiu, l� atr�s, que deveria ser feita por uma ag�ncia especializada.
Quais os riscos da libera��o dos inibidores?
Anfepramona, femproporex e mazindol nunca comprovaram com estudos cient�ficos que s�o seguras e eficazes.
Na Europa e nos EUA esses mesmos produtos tiveram problemas. N�o foi uma decis�o arbitr�ria da Anvisa. Estudos de acompanhamento [dos pacientes] demonstraram que elas n�o faziam emagrecer, e, se faziam, era por per�odo curto, sem estabilidade. E que os riscos de doen�as cardiovasculares eram muito elevados, acima do aceit�vel.
A lei tamb�m acaba gerando uma �rea de indefini��o. Todo nosso sistema de monitoramento de efeitos adversos e o pr�prio receitu�rio previsto na lei est�o atrelados ao registro [na Anvisa]. Se essas subst�ncias passarem a ser comercializadas sem registro, entram numa esp�cie de limbo. Quem vai monitorar os eventos adversos que por acaso ocorrerem?
A Anvisa ent�o n�o teria acesso a esses dados?
Estamos analisando e estudando medidas para tentar reduzir os danos. Vamos fazer tudo o que pudermos fazer para proteger a popula��o.
Mas a lei cria problemas terr�veis. N�o sei se os deputados perceberam que colocam esses produtos em um limbo regulat�rio. Quem vai controlar o que est� sendo vendido? Algu�m pode colocar o nome na caixa e dizer que vende anfepramona. Isso gera ambiente de incerteza e de risco potencial grav�ssimo.
Quais seriam as medidas que a Anvisa estuda para monitorar o uso?
Estamos vendo se � poss�vel alguma mitiga��o, mas � dif�cil. Sem o registro, a nossa impress�o � que n�o podemos fazer nada. As pessoas estar�o a merc� de pessoas inescrupulosas e que sabem que podem oferecer qualquer coisa, porque n�o vai ter controle.
Do jeito que est� a lei, a pessoa pode botar um caldeir�o atr�s de casa e dizer que � anfepramona. Acredito que os m�dicos que apoiaram t�m uma vis�o ing�nua sobre o que � o mundo de hoje. Eu duvido que um laborat�rio farmac�utico s�rio vai correr o risco de colocar um produto no mercado sem registro, porque isso mancha a reputa��o dele no mundo inteiro.
Pode ir � Justi�a para tentar reverter a lei?
A Constitui��o � clara sobre quem pode fazer a��o direta de inconstitucionalidade, e a Anvisa n�o pode. Mas as institui��es que podem v�o encontrar parecer da Advocacia-Geral da Uni�o demonstrando a ilegalidade dessa lei.
Se esses tr�s anorex�genos n�o tinha comprova��o, por que ficaram 30 anos no mercado? N�o houve demora no passado em tomar medidas, uma vez que j� havia estudos que apontavam baixa efic�cia?
O ambiente regulat�rio mudou. As exig�ncias de 30 anos atr�s s�o diferentes das que se faz hoje. Tamb�m n�o � inusual que as ag�ncias regulat�rias pe�am mais estudos de medicamentos a partir de relatos de eventos adversos. Foi o que aconteceu com esses tr�s.
Mesmo os estudos cl�nicos, com milhares de pessoas, n�o resolvem completamente todo o grau de seguran�a que precisamos ter, e por isso h� a fase 4 de pesquisa. O Vioxx era o anti-inflamat�rio mais usado no mundo quando foi retirado do mercado. Produzia efeitos grav�ssimos, mas eram raros, e que foram percebidos s� quando o medicamento entrou no mercado.
A Anvisa cita o caso da fosfoetanolamina para reagir � aprova��o. Naquele caso, por�m, havia uma discord�ncia clara de entidades m�dicas � libera��o. O que n�o ocorre agora, em que as principais entidades que atuam no controle da obesidade e o Conselho Federal de Medicina apoiam [os inibidores]. O que acha que pode ter levado a esse processo?
Na �poca, essas entidades mandaram manifesta��es para a Anvisa. Qual era o problema dessas manifesta��es? Elas n�o eram baseadas em evid�ncias cient�ficas.
As faculdades de medicina deveriam ensinar mais metodologia cient�fica aos m�dicos e como separar o que � evid�ncia cient�fica do que � impress�o. N�o � toa h� uma preocupa��o mundial hoje com a propaganda direta de representantes de laborat�rios que d�o informa��es ao m�dico, que muitas vezes n�o t�m como fazer uma avalia��o cr�tica.
Faz falta no Brasil, na minha opini�o, um �rg�o como � o Instituto de Medicina dos Estados Unidos, que � uma autarquia, um �rg�o aut�nomo e que faz relat�rios que mudam procedimentos, mas trabalha com base em evid�ncias. N�o tem um lobby corporativo de um setor ou outro. N�o temos isso no Brasil. Temos o Conselho Federal, que v� a parte �tica e fiscaliza o trabalho m�dico, mas que n�o � o �rg�o para fazer avalia��o cient�fica desse tipo.
V�rias entidades de especialistas nossas [do Brasil] est�o trabalhando muito bem com avalia��o e evid�ncias. Mas outras continuam trabalhando s� com a opini�o pessoal de especialistas, sem ter avalia��o adequada.
No caso da fosfoetanolamina, testes financiados pelo poder p�blico comprovaram que n�o havia efic�cia. Esse poderia ser um caminho? H� alguma conversa nesse sentido?
� v�lido gastar dinheiro p�blico? Por que n�o us�-lo para drogas contra o c�ncer ou doen�as raras? O governo usar dinheiro p�blico para medicamentos j� vendidos n�o � um caminho. Isso geralmente � voltado para doen�as negligenciadas sem interesse de mercado. No caso da obesidade, h� interesse de mercado, e h� inclusive drogas novas. Essas n�o s�o drogas novas nem s�o milagre contra a obesidade. Se fossem, n�o teriam sido banidas.
M�dicos que defendem a libera��o alegam que ainda faltam op��es contra a obesidade e que os riscos � sa�de ocorrem somente em caso de abuso.
Discordo. Os estudos mostram que, mesmo quando usados corretamente, esses medicamentos n�o demonstravam nem seguran�a nem efic�cia.
Outro argumento � que o fato da Anvisa ter proibido em 2011 n�o retirou esses medicamentos de circula��o, porque teria aumentado o contrabando. Tamb�m dizem que cresceu o uso off-label de outros medicamentos [que n�o s�o aprovados para a obesidade].
Contrabando � problema de pol�cia. N�o podemos fazer regra tomando por exce��o, pelo crime. Sobre off-label, o m�dico tem que explicar para a fam�lia o porqu� est� indicando. � uma decis�o individual do m�dico. Quando h� evid�ncia cientifica de segundo uso, o detentor de registro entra com pedido na Anvisa.
A obesidade � um problema mundial. Ser� �timo quando tivermos medicamentos seguros e eficazes contra a obesidade, e v�rias ind�strias est�o buscando isso. Mas n�s como autoridade regulat�ria n�o podemos enganar a popula��o e dizer que esses inibidores liberados podem ser usados no controle da obesidade quando dados de estudos dizem o oposto.
O que trabalhamos � com estudos cient�ficos, e n�o com a cren�a individual de cada um. De 2011 para c�, por que n�o fizeram estudos para reverter isso? Porque toda vez que testam isso, ao serem usadas no mundo real, essas subst�ncias se mostraram inseguras e ineficazes.
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Raio-X
TRAJET�RIA
Atual diretor-presidente da Anvisa, cargo que assumiu em 2015. Antes, no Minist�rio da Sa�de, foi secret�rio de Ci�ncia e Tecnologia, de Vigil�ncia em Sa�de e titular da secretaria-executiva
FORMA��O
M�dico graduado pela Universidade Federal de Pernambuco (1981). Possui especializa��o em sa�de p�blica e epidemiologia, mestrado em ci�ncias m�dicas (1995) e doutorado em sa�de coletiva pela Unicamp (2004)
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