Tempo que passa vira trunfo para os 'sem-idade'
Era a terceira cirurgia para h�rnia de disco. Deitada de bru�os, a arquiteta S�lvia Helena Duarte Vaz, 62, exibia para a equipe m�dica o corpo ainda mais tatuado que da �ltima vez.
"Voc� acha que ainda tem idade para fazer tatuagens desta maneira?", questionou um dos m�dicos.
"Claro!", respondeu a arquiteta. "� agora que eu estou na idade das certezas."
Vaz diz que envelhecer tem sido um processo libertador. "Gosto cada vez mais da minha apar�ncia. Sou divertida. Quero mais � experimentar."
Ela � a express�o de uma transforma��o social recente -e ainda t�mida- que vem embaralhando antigas e r�gidas no��es de imagem e estilo de vida associadas a pessoas em idades maduras.
Desde que fez 50 anos, ela desafia padr�es est�ticos e comportamentais da idade.
Mudou-se para Arraial d'Ajuda, no sul da Bahia, deixando em S�o Paulo o filho �nico, ent�o com 18 anos, o hoje arquiteto Rodrigo Othake.
Trocou a carreira numa multinacional pelo balc�o de uma loja de moda autoral, e os tailleurs por vestidos mais curtos, estampas coloridas, coturnos e at� coroa de strass. "Minha Londres � aqui!"
Amarrou os cachos loiros em trancinhas que se tornaram dreadlocks.
E cobriu bra�os, n�degas e pernas com tatuagens de motivos japoneses.
A foto do corpo decorado, postada em seu perfil no Facebook, foi censurada. "Acho que foi porque aparecia o bumbum", arrisca, sem constrangimentos.
A arquiteta S�lvia Helena Duarte Vaz, 62
S�lvia Helena Duarte Vaz, 62
OS SEM-IDADE
A tend�ncia de chegar aos 50, 60 ou 70 sem sentir o "peso dos anos" nem se identificar com os clich�s da terceira idade tem recebido v�rias etiquetas. Foi apelidada de movimento "ageless" (sem idade, em ingl�s): pessoas cuja identidade � mais social que cronol�gica.
"Somos pessoas relevantes de todas as idades, que vivem o tempo presente, sabem o que acontece no mundo, est�o em dia com a tecnologia e t�m amigos de v�rias gera��es", escreveu a diretora criativa norte-americana Gina Pell ao cunhar outro termo para o grupo: "perennials" (perenes, em ingl�s).
Pegou.
Uma nova pesquisa do Datafolha traz ind�cios dessa onda ao apontar que os brasileiros com mais de 60 anos s�o os mais satisfeitos com sua apar�ncia (68%) e com seu peso (62%).
V�o mais a restaurantes e shows e viajam com maior frequ�ncia hoje que nove anos atr�s. Eles acreditam que sua velhice ser� melhor que a de seus av�s (65%).
Um a cada quatro (26%) segue trabalhando.
Ativos e criativos, curiosos e colaborativos, os perennials mant�m certo gosto pelo risco, sem perder o lastro da maturidade, a partir da qual se tornam mentores dos amigos mais novos. Confiantes, aceitam a passagem do tempo e assumem seus efeitos sem muitos disfarces.
ANTIDISFARCE
Neste contexto, n�o h� nada mais antiquado que esconder a idade ou definir algu�m apenas a partir dela.
"Continuo a ser quem sempre fui, s� que, agora, tenho dor no joelho", brinca a artista pl�stica Mariana Pabst Martins, 58. "Quem mentia a idade era minha av�. E eu n�o poderia estar mais distante do estere�tipo da senhora de coque que fica na cadeira de balan�o fazendo tric�."
Ela e o companheiro, Baixo Ribeiro, 54, se dividem entre o trabalho na galeria de arte Choque Cultural, os shows de m�sica onde interagem com os amigos do filho �nico de 30 anos, e os cuidados com o neto de tr�s anos, que buscam na escola quase todos os dias.
"Sempre fomos curiosos com a cultura de cada �poca e isso nos tornou mais abertos e adapt�veis �s mudan�as", diz Ribeiro. "Frequentamos lugares de gente mais jovem e mais velha. Essas trocas s�o muito interessantes."
Martins tamb�m valoriza a rela��o com outras gera��es. "Nunca olho para uma crian�a ou um adolescente como um pentelho que n�o sabe de nada. S�o pessoas que est�o no mundo, e tenho interesse em saber o que pensam."
Para eles, � a ades�o a regras sociais de comportamento que faz as pessoas se sentirem mais velhas.
"� preciso n�o se prender a padr�es e acompanhar o debate atual", avalia Ribeiro, que diz ter encontrado uma forma de desobedi�ncia et�ria na maneira de se vestir. "Homem em geral fica mais s�rio e sisudo � medida que fica mais velho. Eu, ao contr�rio, era s�rio e estou ficando cada vez mais rid�culo", ri o galerista.
O casal relaciona essa mudan�a de comportamento ao envelhecimento da gera��o baby boomer (nascida entre 1946 e 1964), grande respons�vel pela constru��o de um imagin�rio social da juventude e de uma cultura jovem ligada ao consumo.
Sem idade: Mariana Pabst Martins, 58 - Baixo Ribeiro, 54
Mariana Martins, 58, e Baixo Ribeiro, 54
CABELOS BRANCOS
Recentemente, a moda acordou para as pessoas mais velhas e tirou mulheres e homens maduros da invisibilidade fashion.
Neste ano, a atriz Lauren Hutton estrelou uma campanha de lingeries da Calvin Klein aos 73 anos, a decoradora Iris Apfel fechou uma parceria com a M.A.C., de cosm�ticos, aos 94 anos, e Helen Mirren estampou a capa da revista "Allure" aos 72.
Na ocasi�o, a atriz criticou o uso do termo "anti-idade", t�o comum no universo dos cosm�ticos. "N�s sabemos que estamos ficando mais velhas. Quero apenas parecer e me sentir t�o bem quanto poss�vel", disse.
Cabe�as brancas est�o em mais campanhas, mais capas e mais desfiles.
No Brasil, estilistas como Ronaldo Fraga e Raquel Davidowicz (da marca UMA) j� havia colocado modelos mais velhas nas passarelas.
Grifes como Reserva e Ellus tamb�m levaram perennials para apresentar suas novas cole��es.
A ceramista e socialite Teresa Fittipaldi fez sua estreia como manequim aos 59 anos no �ltimo desfile da estilista Gl�ria Coelho. "Foi muito legal. Primeiro porque, em geral, uma mulher como eu n�o se identifica com o que v� em revistas ou desfiles: meninas muitos jovens, lindas e mag�rrimas", admite.
"Segundo porque elogiaram muito os meus cabelos brancos. Cada idade tem sua beleza. E elas n�o precisam ser compar�veis."
Para ela, deixar de tingir de loiro as madeixas foi um al�vio. "Pintar � uma pris�o. Cansa demais. Mas, no Brasil, ainda � muito dif�cil as mulheres assumirem os cabelos brancos. Na Europa e em Nova York � bem mais comum", avalia.
Ao aderir aos fios naturais, Fittipaldi for�ou a m�e, j� com quase 80 anos, a abandonar as cores "fake". "N�o tinha cabimento ela seguir de cabelo castanho com uma filha toda branca."
Sem idade: Teresa Fittipaldi, 59
Teresa Fittipaldi, 59
CARTEIRADA
Na fam�lia do m�sico Valter Toledo, 65, os sinais visuais est�o invertidos. "Meus filhos se vestem como se fossem meus pais!", debocha.
Quanto foi cantor do grupo Os Originais do Samba, Valtinho Tato, como � conhecido, teve de se enquadrar nas vestimentas tradicionais dos sambistas: cal�a e palet� de linho, sapato social. "N�o aguentei. N�o � a minha."
Estudos realizados pela psic�loga Ellen Langer, professora da Universidade Harvard (EUA), sugerem que as pessoas que se enxergam como velhas de fato envelhecem mais r�pido e que a maneira de se vestir � um fator determinante nesta equa��o.
Segundo a pesquisadora, aqueles entrevistados que trabalhavam de uniforme ou que se vestiam de forma semelhante a pessoas mais jovens apresentavam menos doen�as associadas ao envelhecimento.
"Acho que envelhece aquele que n�o vive. E eu me sinto �timo. Tenho um projeto social com m�sica, canto e jogo meu futebol", diz Toledo.
"Meu time � Cocoon [em refer�ncia ao filme em que velhinhos s�o rejuvenescidos ao banharem-se em �guas energizadas por extraterrestres]. A gente corre tanto ou at� mais que os moleques."
Com 6 filhos e 12 netos, volta e meia o m�sico tem de "dar uma carteirada", apresentando um documento com data de nascimento para provar ter direito aos benef�cios da terceira idade.
Valter Toledo, 65
MERCADO
O artista multimeios e publicit�rio Ricardo Van Steen, 59, tinha certeza que, a esta altura, estaria � beira da aposentadoria. "Sonhei com isso. Mas o mundo mudou e eu provavelmente nunca vou me aposentar", reconhece.
Paradoxalmente, � o trabalho e a busca constante pelo novo que o mant�m motivado. "Acho que ainda n�o acertei uma bola na rede pra valer no meu trabalho autoral. E sigo atr�s disso", diz.
"Ser compulsivo com trabalho, workaholic, me joga pra frente. A gente se frustra quando parece que o mundo precisa menos de voc�, e isso envelhece."
Van Steen sempre buscou trabalhar em redes e coletivos, e diz se renovar bastante no contato profissional com os mais jovens.
"O que n�o d� � pra perder o �nimo com a tecnologia. A� voc� est� ferrado porque isso cria um gap muito grande e muito r�pido em rela��o ao que est� acontecendo no mundo."
Ele diz seguir buscando "as p�ginas dos manuais que ainda est�o em branco ou sendo escritas" e acredita que a publicidade tem representado cada vez mais as pessoas mais velhas em atitudes "sem idade".
Sem idade: Ricardo Van Steen, 59
Ricardo Van Steen, 59
Empresas como a Amazon e a Netflix j� definem o perfil de seus usu�rios pelo seu gosto, e n�o sua idade.
A pesquisa Datafolha mostra que valores como a toler�ncia � diversidade, produtividade, coragem est�o muito ligados aos mais velhos. At� mesmo o destaque em criatividade, na opini�o dos brasileiros, n�o � exclusividade das novas gera��es.
A maior parte das marcas, no entanto, ainda se arma de estere�tipos negativos sobre os mais velhos, centrando fogo na gera��o dos millennials, apesar do potencial financeiro muito maior dos perennials.
As pessoas com mais de 60 anos t�m rendimento m�dio real cerca de 40% maior que o dos millennials, segundo a �ltima carta de conjuntura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada).
Al�m disso, entender esse p�blico � que � investir no futuro: a faixa et�ria dos 60 ou mais hoje representa 12,5% da popula��o, mas em 2050 somar� quase 30% dos brasileiros.
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