Doria diz que 'cracol�ndia acabou', mas usu�rios de drogas persistem
Paulo Salda�a/Folhapress | ||
Usu�rios se concentram em posto de gasolina na esquina da rua Helv�tia com a av. Rio Branco |
Uma megaopera��o da pol�cia paulista retirou usu�rios e prendeu traficantes no principal ponto de consumo e com�rcio de drogas da cracol�ndia, no centro de S�o Paulo, na manh� deste domingo (21).
A a��o, contudo, espalhou a "feira da droga" pela regi�o e exp�s uma disputa entre as gest�es tucanas de Geraldo Alckmin e Jo�o Doria.
Ap�s a opera��o do governo do Estado, com 900 policiais, Doria foi ao local para divulgar as iniciativas da prefeitura e "decretou" o fim da cracol�ndia –que existe ali h� mais de duas d�cadas e foi alvo de seguidas opera��es fracassadas do poder p�blico.
"A cracol�ndia aqui acabou, n�o vai voltar mais. Nem a prefeitura permitir� nem o governo do Estado. Essa �rea ser� liberada de qualquer circunst�ncia como essa. A partir de hoje, isso � passado", afirmou Doria ao caminhar pelo quarteir�o do antigo "fluxo", que concentrava a maioria dos usu�rios de crack.
Enquanto isso, pela vizinhan�a, centenas de dependentes qu�micos compravam e consumiam drogas a c�u aberto nas cal�adas de vias como as ruas Aurora, Helv�tia, Dino Bueno, Bar�o de Piracicaba e avenida Rio Branco.
At� o fim da tarde, a maior concentra��o era em um posto de gasolina na esquina da rua Helv�tia com a avenida Rio Branco, com cerca de cem usu�rios, muitos deles deitados no ch�o.
"N�o tem pra onde ir, vou ficar por aqui mesmo at� desbaratinar", disse um dos usu�rios no local. O com�rcio e consumo de crack ocorria de maneira irrestrita no local. A menos de cem metros, a Tropa de Choque da pol�cia militar bloqueava o acesso � rua Helv�tia.
Viaturas da PM e da Guarda Civil Metropolitana ainda rodavam ou estavam estacionadas em v�rias ruas da regi�o, como na alameda Dino Bueno e Bar�o de Piracicaba, onde um grupo de 15 usu�rios fumava crack a pouco metros de policiais.
Em ocasi�es distintas, policiais em carros e motos da Tropa de Choque chegaram a passar lentamente observando a movimenta��o, sem no entanto fazer qualquer abordagem.
A alguns quarteir�es dali, na rua Vit�ria, outro grupo de usu�rios permanecia reunido na cal�ada. Pr�ximo ao local, a pol�cia mantinha isolamento na Conselheiro N�bias com a rua Aurora.
A reportagem presenciou a venda de crack em ao menos outros dois locais da regi�o, na rua Aurora e mais � frente da avenida Rio Branco, em frente � pra�a Princesa Isabel.
"Na antropologia, a cracol�ndia � conhecida como territ�rio itinerante", diz a antrop�loga Roberta Marcondes, do coletivo de direitos humanos A Craco Resiste.
Ela explica que isolar a �rea n�o resolve o problema, s� cria outros focos. "Nos anos em que eu trabalho aqui, a cracol�ndia j� foi em muitos lugares, como no momento est� na pra�a Princesa Isabel."
A atua��o de Doria incomodou aliados de Alckmin, que foi mais comedido ao classificar a a��o como um "primeiro passo" para acabar com a cracol�ndia.
"O trabalho policial � um trabalho que n�o termina. O problema da droga n�o � uma coisa simples. Voc� tem uma quest�o cr�nica que precisa ser enfrentada pela pol�cia, pela �rea social e pela sa�de", afirmou.
O "fim da cracol�ndia" chegou a ser anunciado em outros momentos, como em 2008, pelo ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), e em 2012, pela gest�o Alckmin.
O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) tamb�m j� havia falado em "sucesso" de opera��es na �rea, como em 2015, ao dizer que os traficantes tinham sido afastados. Apesar dos discursos, a "feira da droga" a c�u aberto continuou.
INICIATIVA
A pol�cia tinha prendido at� a noite de domingo cerca de 50 acusados de tr�fico, incluindo suspeitos de liga��o com a fac��o criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), filmados com armas de fogo dias antes, e outros que teriam participa��o na morte de um homem que tentou resgatar do "fluxo" uma viciada.
A a��o envolveu 900 policiais, helic�pteros e bombas na regi�o da cracol�ndia, e o prefeito elogiou: "sem v�timas, sem viol�ncia, com muita efici�ncia da for�a policial".
A �ltima grande opera��o do Denarc na cracol�ndia havia sido em agosto passado, quando 32 pessoas foram presas sob a suspeita de integrar uma das c�lulas que abastecem a �rea de entorpecentes.
Na opera��o deste domingo, a Pol�cia Civil lan�ou bombas de efeito moral no "fluxo", motivando correria. "Um [policial] j� foi arrombando a porta. Quem vai pagar o preju�zo? Me humilhou na frente dos inquilinos. N�o sou traficante, n�o sou usu�ria", queixou-se Eduarda Lima Silva, 19, moradora e gerente de uma pens�o.
A regi�o foi ocupada depois por guardas municipais, que devem ser mantidos por tempo indeterminado para evitar a remontagem de barracas.
PROGRAMAS
Doria aproveitou a a��o para anunciar o fim do programa social de Haddad, como j� havia dito que faria, mas afirmou que manter� a��es do projeto extinto, como aux�lio ao dependente qu�mico com emprego, moradia e redu��o de danos, sob o guarda-chuva de um novo programa, batizado Reden��o.
O decreto de cria��o do Bra�os Abertos, por�m, ainda n�o foi revogado.
"N�o haver� mais pens�o ou hotel, nenhuma acomoda��o desse tipo. Toda a �rea sofrer� uma amplo projeto de reurbaniza��o", disse Doria.
"Haver� a interdi��o imediata de todas as pens�es e hot�is. Ser�o bloqueados hoje. Na sequ�ncia, derrubados. Ser�o demolidos. O mais r�pido poss�vel. Ser�o demolidos, essa �rea ser� reestruturada urbanisticamente com prioridade para habita��o popular", completou o tucano.
Em rela��o ao programa de Haddad, Alckmin disse achar que "a inten��o at� foi boa, mas o fato de voc� ter hotel e pens�o, e dar dinheiro, mesada para as pessoas, acabou piorando. O armamento que a gente apreendeu foi em hot�is e pens�es".
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Programas sociais na cracol�ndia
RECOME�O
Cria��o: Governo do Estado (jan.2013, sob Alckmin)
Objetivos: Tratar o usu�rio com medidas ambulatoriais, inclusive interna��es compuls�rias
O que oferece: Acesso a tratamento, interna��o se preciso, encaminhamento a capacita��o e recoloca��o profissional
Or�amento anual: R$ 80 milh�es
Gasto por usu�rio: R$ 1.350 por m�s (interna��o)
BRA�OS ABERTOS
Cria��o: Prefeitura de SP (jan.2014, sob Haddad) - Foi extinto por Doria
Objetivos: Reinserir o dependente na sociedade e estimular a diminui��o do consumo de drogas
O que oferece: Moradia em hot�is, 3 refei��es por dia, apoio em tratamentos, profissionaliza��o e emprego
Or�amento anual: R$ 12 milh�es
Gasto por usu�rio: R$ 1.320 por m�s
REDEN��O
Cria��o: Prefeitura de SP (mai.2017, sob Doria)
Objetivos: Unir os dois programas, visando tanto a reinser��o do usu�rio como o tratamento cl�nico
O que oferece: Moradia distante do "fluxo", trabalho em empresas privadas e encaminhamento a tratamento
Or�amento anual: Ainda n�o estimado
Gasto por usu�rio: Ainda n�o estimado
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O secret�rio estadual de Sa�de, David Uip, que tamb�m acompanhou a opera��o deste domingo com equipes de sa�de, disse que a situa��o na regi�o estava cr�tica.
"Eu tive dificuldades de chegar ao pr�dio do Recome�o. Eu fui amea�ado, as pessoas s� me deixaram entrar quando souberam que eu era da Sa�de. N�s, Sa�de, e Desenvolvimento Social, est�vamos com enorme dificuldade at� em abordar e tratar as pessoas naquela regi�o, n�o era permitido. At� um enfermeiro teve o carro queimado. N�o estava dando, estava muito dif�cil", afirmou.
"Agora, com a opera��o, vamos poder trabalhar naquilo que realmente interessa, que � recuperar os usu�rios de drogas, que precisam ser tratados e vistos como pacientes."
Segundo o secret�rio municipal da Sa�de, Wilson Pollara, a regi�o ser� revitalizada e ser� feito policiamento ostensivo para evitar que os dependentes qu�micos voltem a ocupar as ruas da �rea. "Ser� feito o acolhimento e eles ser�o enviados para os centros de tratamento", disse.
N�o foi especificado quando ter� in�cio a demoli��o dos hot�is utilizados para o tr�fico de drogas na alameda, ainda que Doria tenha dito que ela ocorreria "o mais r�pido poss�vel".
A Guarda Civil Municipal segue bloqueando o retorno dos dependentes qu�micos ao trecho da Dino Bueno onde havia o fluxo de usu�rios.
Morador da regi�o central, F�bio Fortes, membro e ex-presidente do Conseg (Conselho de Seguran�a) da Santa Cec�lia, critica a decis�o da prefeitura de demolir os pr�dios no entorno da cracol�ndia. "Vai criar terrenos baldios perigosos", diz ele, reivindicando manuten��o de a��o que envolva v�rias secretarias, como sa�de, seguran�a e assist�ncia social.
Em nota, a gest�o Haddad atacou as declara��es do governador, acusando a pol�cia de coniv�ncia com o tr�fico.
"A gest�o Haddad tem d�vidas se o governo do Estado de S�o Paulo ter� condi��es de conter a corrup��o que o assola. Assim como acontece com as estatais estaduais que seguem sem ser investigadas (Dersa, Metr� e CPTM), a gest�o anterior entende que a Pol�cia Civil continuar� com suas a��es irmanadas ao tr�fico na �rea central da cidade. Por quatro anos consecutivos a gest�o anterior pediu uma a��o efetiva de combate ao tr�fico e n�o foi atendida. Atribuir ao programa Bra�os Abertos responsabilidade pelo tr�fico � covardia."
Danilo Verpa/Folhapress | ||
Funcion�rios da prefeitura retiram placa do programa Bra�os Abertos, instaurado na gest�o Haddad (PT) |
TROCA DE PLACA
Entre o fim da opera��o policial e a chegada do governador e do prefeito, o secret�rio Filipe Sabar� retirou, com um funcion�rio da prefeitura, a placa que identificava a tenda do Bra�os Abertos para atendimento a usu�rios de drogas na cracol�ndia. A ideia de Doria � dar nova roupagem a a��es sociais voltadas a dependentes qu�micos da regi�o.
A hospedagem e a remunera��o por trabalhos como varri��o ser�o preservadas, desde que os usu�rios se comprometam a fazer tratamentos de desintoxica��o ligados ao Recome�o, programa da gest�o estadual, de seu correligion�rio Geraldo Alckmin.
Os programas da prefeitura da cidade e do Estado para dependentes de crack se notabilizaram nos �ltimos anos por terem princ�pios conflitantes.
O Recome�o, criado em 2013 por Alckmin, prop�e tratamentos por interna��o, �s vezes involunt�ria, e passagens por comunidades terap�uticas.
J� o de Haddad, do in�cio de 2014, preconizava a redu��o de danos: o dependente deve diminuir o consumo das drogas enquanto aumenta sua autonomia, por meio da oferta de emprego e moradia, muitas vezes na pr�pria regi�o. O programa de Haddad foi regulamentado por decreto em 28 de abril de 2014. O decreto deve ser revogado em breve, bem como um novo deve ser publicado para o programa Reden��o, de Doria.
Apesar de avan�os lentos e pontuais, ambas as a��es de Alckmin e Haddad vinham sendo alvo de cr�ticas, pela impress�o de que mesmo com eles, pouco mudou na ocupa��o do centro de S�o Paulo por usu�rios e traficantes de crack.
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Cronologia
Opera��es e projetos na cracol�ndia que n�o deram certo
Set.2005
A gest�o Serra-Kassab d� in�cio ao projeto Nova Luz, que pretendia recuperar a �rea com investimento p�blico e privado, mas o modelo n�o vingou
Fev.2008
O ent�o prefeito Gilberto Kassab (PSD) afirma que a cracol�ndia n�o existe mais. "N�o, n�o existe mais a cracol�ndia. Hoje � uma nova realidade", declarou. O consumo de drogas, no entanto, continuou expl�cito
Jan.2012
Pol�cia Militar intensifica a Opera��o Centro Legal e ocupa as principais ruas da Luz com cerca de 300 homens. Dependentes que se concentravam na rua Helv�tia se dispersam para outros pontos da regi�o
15.jan.2014
Assistentes sociais e funcion�rios da prefeitura retiram usu�rios e limpam a rua. Segundo a prefeitura, 300 pessoas foram cadastradas no programa Bra�os Abertos, da gest�o Haddad (PT). O tr�fico, por�m, persistiu
23.jan.2014
Tr�s policiais civis � paisana v�o ao local para prender um traficante e usu�rios reagem com paus e pedras. A confus�o aumentou com chegada de refor�os e terminou com cerca de 30 detidos
29.abr.2015
Opera��o desarticulada da prefeitura e do governo do Estado transforma o centro em uma pra�a de guerra, com bombas de g�s, furtos a pedestres e depreda��o de �nibus. Dois dias depois, fluxo retornou. Haddad chamou a��o de 'sucesso'
5.ago.2016
Pol�cia realiza opera��o com 500 homens na cracol�ndia e ocupa��o do Cine Marrocos, no centro, e prende ao menos 32 pessoas
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