Introdu��o

Fac��o criminosa tenta dominar pres�dios do pa�s todo

Bandeira do PCC no pres�dio de Alca�uz, na regi�o metropolitana de Natal, durante rebeli�o em janeiro de 2017 Avener Prado - 16.jan.2017/Folhapress

ROG�RIO PAGNAN
ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO, A CUIAB� (MT) E A PRESIDENTE PRUDENTE (SP)

A guerra entre fac��es criminosas que explodiu no in�cio deste ano no Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte e deixou um saldo de ao menos 135 mortes em diferentes cadeias do pa�s teve a sua primeira fa�sca tr�s meses antes. Em 16 de outubro, no pres�dio de Monte Cristo, em Boa Vista (RR), 12 presos de um bando rival foram mortos por criminosos do PCC (Primeiro Comando da Capital) com brutalidade atroz: decapita��es, esquartejamento e queima de detento vivo.

Esse � considerado o primeiro movimento pr�tico da fac��o paulista para a execu��o de seu plano: enfrentar diretamente bandos rivais para conquistar o dom�nio de todos os pres�dios do pa�s e, assim, formar o que chamam internamente de a "Rep�blica do PCC".

Esse objetivo nacional, ainda distante, � semelhante ao que acontece em terras paulistas, com a hegemonia do crime organizado, o monop�lio do tr�fico de drogas e a obriga��o dos criminosos de dar satisfa��o direta aos chefes do bando, como Marcos Camacho, o Marcola, preso no interior de S�o Paulo desde 1999.

Durante dois meses, a reportagem da Folha percorreu tr�s Estados, vasculhou documentos in�ditos e sigilosos, conversou com policiais civis e militares, promotores, advogados, especialistas em seguran�a e secret�rios de Estado.

Alfredo Maia - 6.jan.2017/Folhapress
Presos carregam os corpos de detentos mortos em massacre na penitenci�ria de Monte Cristo, em Boa Vista
Presos carregam os corpos de detentos mortos em massacre na penitenci�ria de Monte Cristo, em Boa Vista

Segundo essa apura��o, a eclos�o dessa disputa sangrenta pelo controle de pris�es, representada pela matan�a no in�cio deste ano, j� era esperada por autoridades brasileiras h� tr�s anos.

Foi nessa data que membros da fac��o nascida nos anos 1990 em S�o Paulo passaram a sofrer repres�lias nos Estados do Mato Grosso, Amazonas, Santa Catarina e Para�ba, entre outros.

Nesses locais, sob amea�a de morte, criminosos ligados ao PCC foram proibidos por presos de grupos rivais de realizarem, dentro e fora das cadeias, o "batismo" de novos integrantes –ritual para a entrada na fac��o em que um membro apresenta ao resto do grupo um aspirante, que se compromete a seguir o estatuto e as ordens da fac��o e a realizar contribui��es financeiras.

Tanto o padrinho, do PCC, quanto o afilhado seriam mortos se essa inicia��o fosse descoberta.

Reprodu��o
Carta de fevereiro de 2016 apreendida pela Pol�cia Civil de SP
Carta de fevereiro de 2016 apreendida pela Pol�cia Civil de SP

"Esse conflito est� para explodir desde 2014. Eles [PCC] foram se movendo, se armando, se preparando para a tomada do pa�s e � isso que eles est�o fazendo", diz o promotor Lincoln Gakiya, um dos principais especialistas em PCC do pa�s. Ele atua na regi�o de Presidente Prudente, extremo oeste paulista, onde est�o confinados alguns dos chefes da fac��o, entre eles o pr�prio Marcola.

"O confronto n�o tem volta. N�o tem como tentar mais um acordo [entre eles], e o plano [do PCC] agora � dominar tudo. Isso vai se estender para as ruas. No Amazonas, por exemplo, o PCC � minoria, mas j� enviou muito armamento para l� e para o Acre. Temos comunicado para as autoridades federais que eles v�o come�ar a guerra a partir das ruas", disse.

REDE DE COMUNICA��O

Um dos principais ind�cios do real motivo dessa guerra est� em mensagens destinadas � c�pula do PCC e interceptadas pela Pol�cia Civil de S�o Paulo. A capta��o dos recados ocorreu durante a chamada Opera��o Ethos, que investigou a rede de comunica��o da fac��o criminosa paulista.

Em carta datada de 3 de dezembro de 2015, escrita de uma das celas do pres�dio federal de Catanduvas, no Paran�, um integrante da fac��o reclama � c�pula do grupo de problemas enfrentados por "irm�os" –forma como se referem a outros membros da fac��o– naqueles Estados com a proibi��o dos "batismos".

S�o citados nominalmente grupos que mais tarde se aliaram � fac��o carioca Comando Vermelho, como a Fam�lia do Norte, bando que se tornaria conhecido nacionalmente em janeiro deste ano com o massacre de presos ligados ao PCC no Amazonas.

O documento, em poder da pol�cia paulista, tamb�m narra tentativas de di�logo do PCC com M�rcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, principal chefe do Comando Vermelho, para que este tentasse intervir de alguma forma para suspender as repres�lias aos "batismos" nos Estados.

Reprodu��o
Carta do PCC apreendida pela Pol�cia Civil de SP
Carta do PCC apreendida pela Pol�cia Civil de SP

Segundo a troca de mensagens, a conversa n�o evoluiu da forma que o PCC esperava. Marcinho VP teria alegado n�o ter condi��es de intervir em quest�es regionais, enquanto a fac��o paulista entendeu essa resposta como uma declara��o de guerra. "N�o estou me sentindo bem em saber que irm�os nossos est�o passando por v�rias situa��es em Mato Grosso, Amazonas, Santa Catarina, Para�ba, e saber que o CV [Comando Vermelho] est� junto e misturado com essas situa��es e eu ficar em harmonia com eles aqui n�o", diz trecho de uma das cartas.

A guerra pelo "batismo" pode parecer um motivo f�til para um conflito t�o violento nas pris�es do pa�s. Mas advogados do PCC ouvidos pela Folha dizem que este � um dos instrumentos mais importantes da fac��o para o dom�nio do crime nas ruas.

Um deles, h� mais de 20 anos perto dos chefes da fac��o, explica a l�gica disso: um criminoso pode ter muitos comparsas armados nas ruas e dominar o tr�fico de drogas, mas, quando ou se ele for preso, vai sozinho e desarmado para a pris�o, diz o defensor, que s� falou com a reportagem sob a condi��o de n�o ter seu nome revelado.

Para o promotor Gakiya essa narrativa faz sentido, j� que as repres�lias contra o PCC de fato ocorreram quando os rivais perceberam que o dom�nio da cadeia tamb�m significa o dom�nio nas ruas. "Tem o sentido do 'batismo' para a autoprote��o dentro dos pres�dios. Enquanto estava s� nisso, n�o incomodava. Mas quando come�ou a sair das pris�es, com pontos de drogas cada vez mais ligados ao PCC, isso passou a incomodar outras fac��es."

De acordo com documentos a que a Folha teve acesso, investiga��es sobre o crime organizado pela Pol�cia Civil do Rio tamb�m constataram que a guerra entre os grupos criminosos foi motivada, entre outros fatores, pela proibi��o do "batismo".

Trecho de relat�rio dessa apura��o afirma que, al�m de d�vidas n�o quitadas do Comando Vermelho com o PCC e da associa��o da fac��o carioca com grupos do Norte e Nordeste, incomodava os paulistas a informa��o, "interceptada em alguns di�logos de L�o [criminoso do PCC respons�vel pelo Rio], de que o Comando Vermelho estaria proibindo o 'batismo' de novos associados por parte do PCC, repreendendo seus associados".