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Essure, implante da Bayer (Foto: Reprodução/ Divulgação )

Na última segunda-feira (20), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu o uso, importação e comercialização do Essure, um método permanente de contracepção. Trata-se de um pequeno dispositivo de metal que é inserido pelo médico em cada um das trompas da mulher, para que ela fique estéril.

Fabricado pela farmacêutica alemã Bayer e distribuído no Brasil desde 2009 pela Commed Produtos Hospitalares, o Essure era descrito como uma alternativa prática e indolor às mulheres que queriam se tornar inférteis sem precisar recorrer à cirurgia de laqueadura.

No site americano de divulgação do produto, há o seguinte alerta: "Algumas pacientes que implantaram o sistema Essure para controle permanente de natalidade têm experimentado e/ou relatado eventos adversos, incluindo perfuração do útero e/ou trompas de falópio, inserções na cavidade abdominal ou pélvica, dor persistente e suspeita de alergia ou reações de hipersensibilidade. Se o dispositivo precisar ser removido por conta de tais eventos adversos, um procedimento cirúrgico será necessário".

essure print (Foto: Reprodução/ Divulgação )

Alerta em inglês no site americano do Essure (Foto: Reprodução)

Segundo nota da Anvisa, o Essure foi classificado como “risco máximo”, porque “algumas complicações podem ser consideradas graves”. A agência então afirmou que determina “como medida de interesse sanitário, em todo o território nacional, a suspensão da importação, da distribuição e comercialização, do uso e da divulgação do produto”.

O produto

De acordo com o site americano do produto, o Essure “é um método contraceptivo permanente, que trabalha no corpo para criar um barreira natural contra a gravidez”. A página também aponta que podem acontecer dores agudas e persistentes durante e a pós a colocação do dispositivo. Feito de fibras de poliéster, níquel, titânio e aço inoxidável, ele tem o formato de espiral e é colocado em cada uma das trompas. 
 

bayer (Foto: Reprodução/ Divulgação )

Os implantes metálicos são colocados em cada uma das trompas, para criaar uma obstrução que impede a gravidez (Foto: Reprodução/ Divulgação )

Nos Estados Unidos, o dispositivo foi aprovado para comercialização em 2002 pela FDA (agência análoga à Anvisa naquele país). Essa aprovação aconteceu depois de apenas dois anos de testes em mulheres – sendo que o Essure tem uso recomendado pelo restante da vida. A agência americana já recebeu milhares de queixas relacionadas ao produto (desde gravidez indesejada até efeitos colaterais graves, como perfurações).

Um dado curioso, publicado em 2015 em um relatório da ONU sobre métodos contraceptivos, é o seguinte: nos Estados Unidos, o principal método contraceptivo é a esterilização feminina (essa é a escolha de 21,8% das mulheres). O mesmo se passa no Brasil (28,4%). Em outras palavras, trata-se de um mercado grande e potencialmente lucrativo – especialmente se a maioria das pacientes começassem a evitar a tradicional cirurgia de laqueadura e passassem a adotar o implante Essure para evitar a gravidez.

Dados

Há estudos que provam que os riscos do Essure existem. Uma pesquisa da Universidade de Cornell (EUA) por exemplo, publicada em 2015, comparou os prós e contras da laqueadura e do método Essure. Os médicos concluíram que as mulheres que colocam o Essure têm dez vezes mais chance de precisarem de um procedimento cirúrgico para reparar algum problema do que aquelas que optaram pela laqueadura. 

A comunidade médica também evidencia que mais estudos científicos são necessários para que se conheça com profundidade os efeitos do dispositivo a longo prazo. Um artigo assinado por pesquisadores da Universidade de Yale (EUA), por exemplo, afirma que os 13 anos de história do Essure enfatizam a necessidade de verificação minuciosa e acompanhamento de pacientes ao longo do tempo por meio de ensaios clínicos bem conduzidos. Segundo eles, “só assim poderemos ter maior conhecimento sobre os riscos e benefícios. No caso do Essure, esses dados permitiriam que as mulheres tomassem decisões estando mais bem informadas”. 

O ginecologista e obstetra Rodrigo da Rosa Filho, membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana e da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo, também tem essa opinião. “Acho que precisamos de mais estudos para avaliar. Não existe nenhum método que seja livre de riscos, mas enquanto a segurança do produto não estiver bem estabelecida, acho que é válido suspender”, diz ele.

O médico afirma que, antes da proibição, chegou a colocar o Essure em menos de dez pacientes na rede privada e nenhuma delas apresentou problemas. “Não temos dados nacionais específicos, mas já ouvi relatos de complicações, principalmente de deslocamentos. Todas as técnicas têm os seus riscos, então, precisamos ver se os benefícios superam os riscos”, comenta Rosa Filho. “Não é, particularmente, um método de que eu gosto. Acho que existem métodos melhores, como o DIU, que não é definitivo e traz mais benefícios para a paciente. Vejo um número grande de mulheres que optam por um método definitivo e se arrependem”, pondera o médico. 
 

No Brasil

O Essure era vendido pela Commed aos hospitais e aos médicos – nunca diretamente ao paciente. Em nota enviada à CRESCER, a assessoria da empresa afirmou que não pode informar o preço médio do Essure, pois “o valor pode ter variações a depender da instituição ou do médico que realizará o procedimento, não existe uma tabela”. Ainda de acordo com a Commed, cerca de 6 mil mulheres receberam o implante no Brasil desde 2009, quando ele chegou ao país.

O procedimento de colocação do Essure acontecia em serviços privados e públicos, como o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo – lá, inclusive, mulheres foram recrutadas para um estudo com o dispositivo. Uma nota publicada em 2015 no Diário Oficial pedia por voluntárias para a pesquisa. A CRESCER procurou o Hospital das Clínicas para esclarecimentos sobre o assunto mas, em nota, a instituição se limitou a dizer: “A Divisão de Clínica Ginecológica do Hospital das Clínicas da FMUSP esclarece que oferece às usuárias do SUS diversos métodos contraceptivos, hormonais e não hormonais, entre eles, o Sistema Essure. Agora, em acordo com a Resolução nº 457 da Anvisa, o sistema Essure não será mais disponibilizado. As pacientes que já tiveram este dispositivo intra-tubário implantado seguirão realizando acompanhamento periódico no próprio HCFMUSP”.
 

hc voluntários (Foto: Reprodução/ Diário Oficial SP)

Hospital das Clínicas da USP pedia por voluntárias para estudo sobre implante de Essure em 2015 (Foto: Reprodução/ Diário Oficial SP)

Efeitos indesejados

Os grupos de discussão online sobre os malefícios do método têm crescido nas redes sociais. O maior deles, “Essure Problems”, tem 32,6 mil membros de diversos países, que dizem se sentir lesados pelo método de alguma forma. 

Aqui no Brasil, mulheres também se reuniram na internet para falar sobre os problemas que têm enfrentado desde a colocação do implante. Elas já são mais de 300 e desejam alertar outras mulheres sobre os perigos do método. A maioria se queixa da falta de informação no momento em que colocaram o implante e se questionam como devem proceder para retirá-lo. Em entrevista à CRESCER, elas deram os depoimentos a seguir. Confira:

“Sou mais uma vítima do Essure, que era vendido como um procedimento simples, mas que trouxe inúmeros danos para minha saúde. Após o implante, passei a ter muitas dores no colo do útero e na pélvis. As enxaquecas são constantes. Meu cabelo caiu. As articulações doem, os músculos doem. Meu corpo inteiro dói, 24 horas por dia, a ponto de não aguentar fazer tarefas simples do dia a dia. Minha menstruação aumentou tanto, que fico de cama no período menstrual. Minha vida sexual acabou. Não tenho desejo nem libido, apenas dor. Hoje, dois anos e dez meses após o Essure, eu não aguento espirrar, subir escadas ou me agachar. Sinto o implante me perfurando por dentro. Precisamos alertar e punir quem deve ser punido. A Anvisa proibiu a distribuição do Essure no Brasil, mas e nós, que estamos sofrendo com os efeitos colaterais? E nós que temos níquel em nossos corpos? Devemos ser ouvidas queremos uma resposta do governo, da Anvisa e da Bayer. Fiquei sabendo do procedimento através de uma palestra de planejamento familiar em um posto de saúde. Achei que os benefícios seriam ótimos e disseram que não tinha contraindicação nenhuma. Pesquisei no Google do Brasil e não achei nada de errado na época. Eu coloquei no Hospital Materno Infantil de Brasília. Já voltei lá inúmeras vezes para buscar ajuda, uma resposta ou um parecer da médica que colocou o implante, mas não tenho retorno. Hoje estou nos Estados Unidos e encontrei médicos capacitados para tirar Essure sem perder meu útero e minhas trompas. Mas o procedimento aqui custa US$ 7.500. Estou na luta para conseguir. E se eu não conseguir, quem vai me amparar? Quem vai se responsabilizar? Quem vai corrigir o erro de ter colocado um produto desse no mercado? Sinto que nós fomos usadas como ratas de laboratório”, Zelândia de Sousa Ribeiro, 30, vigilante, mãe de Laura, 9, e Davi, 3.

“Coloquei o Essure no segundo semestre de 2014, no Hospital das Clínicas (SP), onde me disseram que era um procedimento sem cortes e que não causaria nenhum problema. Foi uma enfermeira que trabalhava no HC que me indicou o método. Eu já tinha três filhos e não queria mais engravidar. Na consulta, o médico explicou como seria o procedimento e disse que eu não poderia mais engravidar. Assinei um termo de consentimento, mas não me alertaram sobre nenhum efeito colateral.Tinham vários médicos na sala. Ninguém me falou se se tratava de um estudo. Só me contaram que era novo no Brasil. Não foi imediato o desconforto. Começou após alguns meses. Agora não tem um só dia que eu não sinta dor de cabeça. As pernas parecem pesar uma tonelada. Um tempo depois, eu tentei ligar e passar em consulta no HC, mas não consegui. Desde então, sinto que minha vida está se encurtando. Essa é a minha sensação, porque todos os dias eu sinto dor. Aumentou muito o meu fluxo menstrual e tenho muita dor nas costas, como se eu estivesse em trabalho de parto. Essa dor não passa, até hoje. Sinto pontadas na barriga. Eu preciso de uma solução. Não consigo mais viver assim. Não desejo isso para ninguém”, Viviane Oliveira, 33 anos, balanceira, mãe de Maicon Gabriel, 15, Gustavo, 11 e Miguel, 6. 

“Coloquei o Essure em uma campanha do Hospital Pérola Bayington (SP), em setembro de 2016. No dia do procedimento eu sofri demais, senti uma dor insuportável, mas fui forte. Sinto que fui praticamente uma cobaia em um curso oferecido pelo hospital. Coloquei o Essure porque decidi que não queria mais filhos e não queria ficar tomando pílula. Só que, desde então, nunca mais fui a mesma. Dores na região pélvica, na lombar, dores de cabeça constantes, quedas excessivas de cabelo. Nunca sei quando vou menstruar. Está uma verdadeira bagunça o meu ciclo. Quem vai se responsabilizar? E agora para retirar? Nem todos os ginecologistas conhecem o procedimento. E quem depende do SUS, como é que fica? Isso se tornou um pesadelo”, Valeria Souza, 35 anos, dona de casa, mãe de Pietra, 2, e  Victor Hugo, 12. 

“Eu coloquei o Essure no Hospital das Clínicas (SP) em janeiro de 2015. Procurei pelo serviço porque vi uma matéria falando que era fácil colocar o implante, não precisava de internação, não doía e eu poderia voltar imediatamente à rotina. Acontece que a dor foi insuportável e tive sangramento. Ao sair do consultório, desmaiei de tanta dor. Fui atendida pelo médico do pronto-socorro do próprio HC. Desde então, nunca mais parei de sentir dores. Elas pioram cada vez mais. São semelhantes às contrações de um parto. Fiquei limitada. Não consigo fazer força e muitos movimentos. Tenho muita dor de cabeça e nas articulações, além da menstruação desregulada. Também engordei muito. Antes do implante, me explicaram rapidamente que era um método novo e que vinha dos Estados Unidos. Ninguém me informou sobre possíveis efeitos colaterais. Eu quero tirar o Essure”, Lorena Albuquerque, dona de casa, mãe de Leticia, 10, Lívia, 8 e Arthur, 3.  

“Coloquei o Essure no Hospital das Clínicas (SP). Agora tenho muitas dores no útero, meu cabelo caiu muito, o fluxo menstrual aumentou e ficou irregular. Inclusive estou tratando uma anemia causada pelo excesso de sangramento. O Essure agora foi proibido, mas, e nós, que já somos vítimas, como ficaremos? Teremos nosso útero e trompas arrancados? Ou viveremos com todos os incômodos do Essure?”, Marcela Parra, 40 anos, mãe de 2 crianças.

O outro lado

CRESCER procurou a assessoria de imprensa da Bayer para maiores esclarecimentos. Perguntamos se a multinacional iria recorrer junto à Anvisa e se algum profissional da empresa gostaria de dar uma entrevista sobre o assunto. Até o fechamento dessa matéria, não tivemos resposta para tais questionamentos. Em nota enviada à toda a imprensa, a Bayer se limitou a dizer:

"A Bayer tomou conhecimento que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou uma resolução suspendendo a importação, distribuição, comercialização e uso do Essure no Brasil. O órgão também solicitou que os produtos disponíveis para comercialização fossem recolhidos. Tal decisão foi tomada sem o prévio conhecimento da Bayer ou da Comercial Commed Produtos Hospitalares Ltda (COMMED), parceiro local detentor do registro e distribuidor exclusivo do Essure no Brasil. A Bayer está trabalhando junto a COMMED para entender o motivo pelo qual levou a ANVISA a tomar essa decisão. A Bayer ressalta que o Essure é uma opção segura para mulheres que desejam adotar um método contraceptivo permanente. Informamos ainda, que há mais de uma década após a comercialização do Essure em diversos países, o produto vem sendo testado, e um extenso número de evidências reiteram o perfil de benefício/risco positivo do Essure".

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