• Naíma Saleh
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Uma pesquisa divulgada pelo periódico JAMA Pediatrics constatou que crianças cujos pai e mãe são sonâmbulos têm sete vezes mais chances de desenvolver o transtorno. E quando apenas um dos genitores tem o distúrbio, as possibilidades são de três vezes mais. Cientistas canadenses chegaram a esses resultados a partir da análise dos dados de 1.940 crianças nascidas entre 1997 e 1998. Elas foram acompanhadas pelos pesquisadores entre março de 1999 e março de 2011. Estudos anteriores já haviam comprovado que o sonambulismo, assim como outros distúrbios do sono, tem um componente genético, mas ainda se desconhece a existência de um gene específico associado a isso.

'Crianças cujos dois pais são sonâmbulos têm sete vezes mais chances de desenvolver o transtorno

'Crianças cujos dois pais são sonâmbulos têm sete vezes mais chances de desenvolver o transtorno" (Foto: Thinkstock)

À primeira vista, considerando os resultados, tem-se a impressão de que as chances de desenvolver transtornos de sono são altas, mas não é bem assim. “Se pensarmos que a prevalência do sonambulismo na população adulta é de cerca de 2,5%, a possibilidade de que ambos os pais sejam sonâmbulos é bastante pequena”, explica o neuropediatra Saul Cypel, do Hospital Albert Einstein (SP).  Estima-se que pelo menos 30% da população já passou ao menos por um episódio isolado de sonambulismo, o que não significa que haja de fato uma tendência a ser sonâmbulo.

Episódios de sonambulismo são mais frequentes durante a infância e tendem a se tornar mais escassos entre a adolescência e a vida adulta. “O sonambulismo é transtorno relacionado a uma instabilidade do sono. Por causa dos aspectos maturacionais, o sono tem uma propensão a se tornar mais estável conforme a criança cresce”, explica a pediatra Rosana Cardoso Alves, da Associação Brasileira do Sono (ABS). Segundo a pesquisa, entre os 2 e os 13 anos de idade, a taxa de prevalência de sonambulismo é de 29,1%.

Sonambulismo e terror noturno: entenda a diferença


A pesquisa mostrou também que crianças com episódios de terror noturno, outro tipo de transtorno do sono, têm uma tendência maior a desenvolver sonambulismo. Isso acontece porque ambos são desencadeados pelo mesmo mecanismo de alteração do sono. “É como se fosse um despertar inadequado. O que acontece é que a parte motora se movimenta, mas o cérebro ainda está dormindo”, explica Rosana.

Durante os eventos de sonambulismo, na grande maioria das vezes, a criança apenas se senta na cama a e murmura coisas sem sentido durante alguns minutos, voltando a deitar e dormir logo em seguida. No entanto, quando o transtorno já evoluiu para um estágio mais complexo pode ser que a criança perambule pela casa – o que pode ser perigoso. Pesquisas mostram que o sonambulismo é mais comum entre crianças de 7 a 12 anos.

Já o terror noturno, que é mais frequente em crianças menores, na faixa dos 3 a 5 anos, tem um apelo um pouco mais dramático. A criança grita, chora, transpira, o coração acelera... É natural que os pais se assustem, mas não é grave. “Quando a criança tem um pesadelo, ela acorda e conta o que aconteceu. No terror noturno, ela não se lembra do que causou o pavor, não sabe o que aconteceu”, explica a pediatra. Segundo a pesquisa, entre 1 ano e meio e 13 anos, a taxa de prevalência do terror noturno é de 56,2%.

Distúrbios do sono têm um fundo genético (Foto: Thinkstock)

Distúrbios do sono têm um fundo genético (Foto: Thinkstock)

Causas de transtornos do sono


O fator genético não é o único responsável por desencadear episódios de terror noturno e sonambulismo. Outras variáveis, como privação do sono (quando não se dorme o número de horas suficiente), febre (quando a criança apresenta um quadro infeccioso), ruídos excessivos e luminosidade também podem interferir na qualidade do adormecimento, aumentando a probabilidade de ocorrerem eventos. Outro comportamento que pode ser prejudicial é o uso excessivo de tecnologias. “Um dos problemas hoje é que as crianças são muito estimuladas: vão dormir com o celular em mãos, brincam com o tablet quando já estão deitadas”, explica Rosana. Por isso, o ideal é que o ritual de preparação para o sono comece no mínimo meia hora antes de a criança ir para a cama e que haja horários estabelecidos para ela se deitar e para se levantar. É o que se chama de higiene do sono.

No entanto, contornar apenas as variáveis ambientais e estabelecer uma rotina pode não ser suficiente. O fator emocional é um dos grandes desencadeadores de episódios de sonambulismo e transtorno noturno. A grande maioria das crianças que passa por episódios frequentes estão enfrentando alguma dificuldade  – pode ser que estejam sentindo uma ansiedade maior na escola, passando por período de adaptação a um novo grupo de amigos ou até se sentindo muito exigidas pelos pais em algum nível. “O sono é uma área muito sensível na expressão de dificuldades emocionais, que se altera com muita facilidade. Quando a criança passa por dificuldades, dorme mal, acorda muitas vezes à noite... isso torna o sono mais instável e, portanto, mais propenso a crises”, explica Cypel.

Por isso, para o neurologista, não adianta investir apenas em tratamentos paliativos, é preciso entender o que está acontecendo. “Você tem de discutir com o pediatra qual é o contexto todo de vida dessa criança, como está a organização da família, a escola. Seria bom se um dos pais pudesse acompanhar o filho mais de perto pelo menos por uma semana”, recomenda. Em alguns casos, o pediatra pode até prescrever o uso de medicamentos, mas o principal é analisar como a criança está de uma forma holística.

Medidas de segurança


Uma vez que os pais estejam cientes de que o filho é sonâmbulo, eles devem tomar alguns cuidados para evitar que a criança se machuque durante os episódios:
- Tire da frente tudo o que puder machucar: enfeites, objetos cortantes, copos de vidro, objetos espalhados pelo chão;
- Obstrua escadas – vale instalar um daqueles portõezinhos – e mantenha trancadas as portas de entrada e também da cozinha, onde há uma infinidade de objetos perigosos;
- Coloque grades ou telas nas janelas;
- Se o seu filho for dormir em um hotel, tome cuidado redobrado na hora de verificar os riscos. E, se ele for dormir na casa de amigo, melhor avisar a família. O próprio fato de estar em um ambiente estranho pode levar a um episódio;
- Se você encontrar seu filho perambulando pela casa durante um episódio, não precisa acordá-lo. Você pode apenas conduzi-lo de volta �� cama.