• Texto Carol Scolforo | Realização Nuria Uliana | Fotos Victor Affaro
  • Texto Carol Scolforo | Realização Nuria Uliana | Fotos Victor Affaro
Atualizado em
  (Foto: Victor Affaro)

Luciano observa a vida da janela do quarto ao lado de uma das telas antigas que esperam restauração. À dir., a fachada da casa geminada, no centro do Rio de Janeiro (Foto: Victor Affaro)

Por mais que viva cercado pelo passado, o arquiteto de interiores e restaurador de arquitetura Luciano Cavalcanti de Albuquerque, 58 anos, não é um homem antigo. Muito pelo contrário, é um moderno sábio. Sabe exatamente o valor que o futuro dá a tempos que não voltam mais. Mas não dê a ele o rótulo de nostálgico, porque não é isso. Ele gosta de colecionar histórias interessantes. “Sou um curioso e procuro fazer com que o passado alimente o futuro”, resume.

A quem pisa em sua casa, na rua do Lavradio, centro do Rio de Janeiro, ele avisa: “Não está terminada, e nunca vai estar”. E veja bem: há 14 anos ele vem restaurando essa joia que tem passado nobre. “Ela pertenceu a um comerciante, genro de um marquês”, conta Luciano. O primeiro piso foi criado no meio do século 18, imagine só. Já em 1910 a casa ganhou o segundo e o terceiro pisos, que no fim dos anos 1980 viraram bordel – e aí se estragou bastante. Mas a construção chegou ao século 21 envaidecida, com fôlego renovado.

Luciano vive o dia todo por um dos três andares da construção de 350 m², em uma relação tão íntima que já não se sabe se a casa pertence a ele ou se é o contrário. Explico: o primeiro andar abriga sua loja de móveis de design antigo e moderno, o Ateliê Belmonte. Mais acima, no segundo pavimento, ficam a galeria de arte e o escritório de arquitetura que comanda com sua equipe. E, no terceiro andar, mora com Ottoni, seu cão fiel, que chega a fazer greve de fome quando o dono está fora.

  (Foto: Victor Affaro)

Na sala de estar, a parede de tijolos aparentes e a base de móveis antigos contam a história da casa. Os sofás revestidos de capa branca e a mesa de centro desenhada por Luciano dão leveza à mistura. Ao lado, a mesa de 3 x 0,70 m funciona como aparador, deixando CDs à mão (Foto: Victor Affaro)


A paixão por antiguidades vem da infância, mas há 20 anos se tornou urgente. Na época, especializou-se em arquitetura antiga, em Roma, e organizava feiras de antiguidades pelo Rio. Há 14 anos, quando soube da casa, que é uma concessão do governo, foi arrastado pela emoção e a comprou.

Desde então vem lapidando a preciosidade e se surpreende de vez em quando. Como no dia em que, descascando o reboco, que estava ruim, deparou com os tijolos aparentes. “É raro encontrar esse material em uma construção antiga assim, foi um feliz achado”, diz ele. Assim, os tijolinhos ficaram aparentes, e ganharam resina incolor para selar a poeira. “Fiz a casa reviver”, conclui.

Na cozinha, outra alegria: saiu uma camada de 5 centímetros de concreto e saltou aos olhos o ladrilho hidráulico original da época, estampado em amarelo e vermelho. “Conseguimos recuperar tudo, e deixei uma parte em um patchwork”, conta o arquiteto. O piso de peroba-do-campo é o mesmo do passado e resiste bravamente ao futuro. Muitas peças antigas da loja, no primeiro andar, sobem ao terceiro. Vão, mas também voltam. “A casa e a loja estão sempre em mutação. Misturo o moderno com o antigo, até mesmo para não falsear”, diz ele.

  (Foto: Victor Affaro)

A cozinha da casa tem ladrilhos hidráulicos estampados de amarelo e vermelho, feliz achado mantido pelo morador. O mesmo tom de ocre, C032, da Suvinil, recobre as paredes. Ao lado, no banheiro de base branca o arquiteto eliminou os revestimentos das paredes e colocou apenas pastilhas de vidro verdes no piso (Foto: Victor Affaro)

O ateliê veio há dez anos, antes de a casa ficar pronta. Parece mesmo que ela queria retomar suas origens, já que o Lavradio foi a primeira rua comercial do Rio. Na loja há mobiliário de épocas diversas, relíquias antigas ou nem tanto assim, mas de bom design – por isso o arquiteto não gosta de chamá-la de antiquário. “Gosto muito do meio do século 19, da época do Império, que foi muito rica para o Rio. Sou grande admirador do mobiliário até o meio do século 20, que foi o boom do design”, diz ele, que desenha móveis e também esculpe madeira.

Luciano é marceneiro de mão-cheia e devoto de São José, o padroeiro dos carpinteiros, que se espalha pela casa em imagens. De vez em quando é possível encontrá-lo com um dos dedos da mão roxo: culpa de uma martelada por engano, prova da paixão por ver formas na madeira.

Peças herdadas pela família também são restauradas e conservadas por Luciano, grande reconhecedor do valor afetivo que elas carregam. Quando não está projetando ou recuperando algum objeto de madeira, Luciano tem prazeres “comuns”. Anda de bicicleta pela rua, lê bastante e vai ao teatro – a noite no entorno é divertidíssima, ele garante. “O grande charme desse lugar é a recuperação do melhor do passado com injeção de modernidade”, diz ele.

Outro bom momento por ali é olhar pela janela e perceber a vida simples do Rio, em um cenário em que a pressa chegou, mas não corroeu muita coisa. “O passado constrói o futuro”, diz ele, sobre o combustível que o cerca.

  (Foto: Victor Affaro)

Acima da cadeira, quadros do século 19. Encostado na parede, parte do guarda-corpo original da casa virou um portão para o cão Otoni não descer as escadas (Foto: Victor Affaro)

  (Foto: Victor Affaro)

A mesa Dom José original foi herança dos pais de Luciano e ganha pitada de modernidade com a tela de Claudio Faciolli. À dir., sobre o cavalete francês do século 19, tela original de Thomas Hickey. A mesa serve de bar e, embaixo dela, o banquinho que habitava a cozinha do avô de Luciano respira ares novos (Foto: Victor Affaro)

  (Foto: Victor Affaro)

Impressiona o pé-direito da sala. São 5 metros em telhado de duas águas, que preserva vigas originais. Sobre a mesa do século 19, lustre estilo Império francês. Atrás, a cristaleira guarda a coleção de louça inglesa do morador. No quarto, os quadros dispensam a necessidade de uma cabeceira alta (Foto: Victor Affaro)

  (Foto: Victor Affaro)

Entre os santos de devoção do morador, São José, que era carpinteiro, está sempre em suas orações. Uma fotografia da condessa de Belmonte, que dá nome ao ateliê, é uma das peças queridas da casa (Foto: Victor Affaro)

  (Foto: Victor Affaro)

No lavabo, espadas que eram do avô e do pai de Luciano ficam expostas na parede. Sobre a escrivaninha, fotografias da Família Imperial – pasme: todas autografadas (Foto: Victor Affaro)