• Texto Roberta Malta | Foto Iara Venanzi | Produção Luana Prade
Atualizado em
Ela voltou pra ficar (Foto: Iara Venanzi)

Ela voltou pra ficar (Foto: Iara Venanzi)

A carménère pode até não ser a uva que faz os vinhos mais imponentes do mundo, mas tem história das melhores. Cultivada na região de Bordeaux, na França, foi destruída por pragas, junto com as demais videiras do país, no século 19. Os vinhedos foram reconstruídos, mas a carménère acabou deixada de lado, por ser especialmente sujeita a moléstias.

A variedade, entretanto, pegou no Chile, região vinícola onde os bichinhos devastadores não entram, graças à proteção natural do país – a Cordilheira dos Andes, o Oceano Pacífico, o Deserto do Atacama e a Antártica delimitam o território chileno. Durante cerca de um século, a carménère foi cultivada lá como se fosse um clone da merlot, e ninguém entendia por que a cepa ia tão mal naquele terroir. É que a carménère tem maturação demorada. Assim, quando ela era tirada do pé no tempo correto, a merlot já tinha passado do ponto; se esta, por sua vez, estava madura, a carménère ainda estava verde. Como todo mundo achava que a carménère também era merlot, as duas uvas eram colhidas na mesma época e o resultado sempre ficava a desejar. Para encurtar a história, em 1994, o ampelógrafo (estudioso de vinhas) Jean Michel Boursiquot descobriu que aquela merlot problemática era, na verdade, a sumida carménère. Resultado: o Chile, orgulhosamente, passou a produzir vinhos dessa cepa – que depois pintou também na Itália e em alguns países do Novo Mundo.

“A carménère não tem meio-termo”, afirma Arthur Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers – São Paulo (ABS-SP). “Faz vinhos muito ruins ou muito bons. Se não estiver perfeitamente madura, dá zebra.” Pouco tânica e com acidez de menos, ela vai melhor em cortes (misturada a outros tipos), especialmente com cabernet sauvignon. Seus rótulos, em geral, têm corpo médio e ficam gostosos com comidas condimentadas, como chili com carne, e queijos mais picantes. Na hora de comprar, nada de vinhos mais velhos. “Rótulos na faixa de R$ 100 ou mais duram no máximo cinco anos e os mais baratos, até três anos”, afirma Azevedo. Na taça, observe se o vinho, de cor púrpura intensa, mantém os tons violáceos. “Quando perde isso, fica sem expressão.”

Para combinar com o italiano Carmenere Più 2007, importado pela Mistral, a sommelière e restauratrice Daniela Bravin, do Bravin, em São Paulo, escolheu um prato que também tem história. Resgatado da coleção de cardápios do escritor Olavo Bilac (1865-1918), o cordeiro à Villeroy fez sucesso no começo do século 20. “Ele teve seus momentos de glória e hoje está esquecido”, diz Daniela. Se depender da moça, o prato voltará de vez à cena gastronômica. Exatamente como aconteceu com a carménère.