À frente da corrida à Prefeitura de São Paulo, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) diz que uma de suas tarefas na campanha é combater o rótulo de invasor por causa de sua atuação no movimento de moradia e vê Ricardo Nunes (MDB) perdendo a reeleição por fazer uma gestão pífia.
"Nunes é o novo [Celso] Pitta, que representou abandono, completo caos de gestão e esquemas de corrupção para todo lado", afirma em entrevista à Folha, citando o ex-prefeito (1997-2000).
Boulos aparece no Datafolha com 32%, enquanto Nunes alcança 24%. "Com muito diálogo e capacidade de escuta, vamos conseguir avançar para outros setores [do eleitorado]", diz o psolista, que é apoiado pelo presidente Lula, num arranjo em que o PT ficará sem candidato próprio na capital pela primeira vez.
Esta é a primeira de uma série de entrevistas com pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo que será publicada pela Folha ao longo das próximas semanas. Boulos, líder em intenções de voto no Datafolha, abre a sequência, que terá continuidade com outros nomes em destaque na pesquisa.
O desempenho de Nunes no Datafolha surpreendeu?
Não, o que surpreende é que alguém que faça uso abusivo da máquina e gaste R$ 380 milhões de publicidade enquanto a cidade vive recorde de população de rua não seja o favorito. A gestão dele é tão trágica que, mesmo com as condições desiguais de disputa, estamos na frente.
O deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP) foi a principal voz contrária ao apoio a seu nome e mantém críticas à aliança, falando no risco de fracasso. Isso o preocupa?
A relação com o PT está consolidada. O apoio à nossa candidatura foi aprovado por unanimidade no congresso de diretórios zonais. Não tenho a menor dúvida de que vamos ter um conjunto de partidos de esquerda, de centro-esquerda, unidos para devolver São Paulo para o povo.
Que partidos o sr. vai buscar, além dos que formam as duas federações (PSOL, Rede, PT, PV e PC do B)?
Tenho conversado com partidos como o Avante, o PDT e o Solidariedade para criarmos uma ampla frente progressista para recuperar São Paulo, porque é isso que está em jogo. A situação hoje é de caos e de insegurança completa, e o centro da cidade é o maior retrato disso.
Nunes aglutinou partidos como MDB, PSD e União Brasil, que se aproximaram de Lula. Como vai lidar com essa margem estreita para alianças que dificulta replicar em São Paulo a frente ampla do presidente?
O que pretendo fazer é uma frente semelhante à do Lula no primeiro turno. Isso é o que é possível na cidade. Se um partido está no governo do Nunes, é muito difícil que venha para compor conosco.
Quero dialogar com os setores de centro, com a classe média do centro expandido que votou no Lula contra o Bolsonaro. Quando o Nunes abraça o Bolsonaro, ele pode trazer os partidos que forem, mas mostra a verdadeira face dele, que tenta se pintar como uma pessoa de centro, mas não é.
Fica difícil ver a ampliação da qual o sr. fala, já que citou três partidos, sendo que um deles, o PDT, tem pré-candidato próprio, José Luiz Datena.
Ampliar alianças não é algo apenas de somatória de partidos. É discutir com setores que não necessariamente estão representados partidariamente. Quero construir uma aliança com a sociedade.
O prefeito pode ter máquina para eventualmente comprar apoio partidário, mas na sociedade não se tapa o sol com a peneira. A rejeição à gestão dele é um fato consumado.
Nunes é uma pessoa omissa, sem comando, sem projeto de cidade. Tudo o que ele tem para mostrar é um programa de recapeamento, coisa que deveria ser obrigação, não motivo de propaganda. E pior: faz de forma malfeita e suspeita.
Qual o seu limite para fazer composições?
Sabe uma coisa que eu acho engraçada? Se não converso com ninguém, [dizem]: "O Boulos é radical, é extremista". Se abro uma conversa, aí vai vir gente dizendo: "O Boulos está abrindo mão das suas bandeiras". Pelo amor de Deus, né?
Não se constrói política no ambiente democrático sem diálogo entre os diferentes. Minhas posições todo mundo conhece. E quero dialogar com a sociedade. Primeiro, é afastar [a pecha de] bicho-papão, radical, extremista, "vai invadir sua casa". Isso está se quebrando. Segundo, é mostrar que o meu projeto, que é combater as desigualdades, interessa a todos.
O que tem percebido nas conversas com setores que não apoiariam o sr. naturalmente?
Existe um receio, pela minha trajetória, de que eu atue só na periferia e deixe o centro expandido abandonado. O que respondo para eles é que mais abandonado do que está fica difícil, né? Meu compromisso é com o conjunto da cidade. É lógico que, numa cidade tão desigual, a prioridade tem que ser para as regiões mais pobres.
Como pretende combater a pecha de invasor, explorada por Nunes?
Tenho orgulho da minha biografia, da minha atuação no movimento social [MTST] por 20 anos. Acho que ninguém mais cai nessa de "o Boulos invade a casa dos outros". Francamente, ninguém em sã consciência acredita nisso, né? O que defendo é que as pessoas possam ter moradia digna.
Não é um vespeiro tocar nesse assunto neste momento, com a CPI do MST em evidência?
A CPI do MST está acabando absolutamente desmoralizada. Como mais uma tentativa vã de criminalizar movimento social.
Que sociedade é essa que convive com imóveis abandonados, que devem mais impostos do que os valores deles, e crianças e idosos dormindo na calçada desse mesmo edifício? Eu não acho isso natural, e estou na política para mudar isso. Hoje boa parte da sociedade entende a necessidade de [políticas de] moradia.
O prefeito só piorou essa situação. Eu tenho condições de resolver essa situação, por história, posicionamento, compromisso. Duvido muito que o prefeito possa dizer que tenha orgulho da própria trajetória. De onde ele veio? É alguém que só se omite, só se esconde, atua às escondidas. Qual é a trajetória pregressa dele? Como ele conseguiu os bens que ele tem?
Nunes tem uma série de ações com impacto eleitoral previstas até a campanha. Como fará frente a isso?
Tem político que pensa que a população é besta. Essa história de deixar a cidade três anos abandonada e, no ano da eleição, meter obra para gerar um visual, isso não cola.
As pessoas têm memória. Isso é um desrespeito. É uma forma de oportunismo político-eleitoral que os paulistanos não engolem.
Que espaço o sr. vê para a iniciativa privada, depois de em 2020 ter sofrido críticas por falar em novos concursos para ampliar o funcionalismo público?
Defendo o serviço público. Ter um servidor valorizado é essencial para um serviço de qualidade na ponta. Ao mesmo tempo, não sou contra parcerias com a iniciativa privada que sejam boas para a cidade e para os cidadãos. Não tem uma demonização, tem uma discussão de qual é o papel do Estado, e ele é central no combate às desigualdades e na gestão das políticas públicas.
O sr. defendeu em 2020 a revogação do contrato de concessão do estádio do Pacaembu. Hoje está em discussão a privatização da Sabesp. O sr. prega revisão contratual, caso o processo seja concluído?
Sou contra a privatização da Sabesp porque pode trazer aumento da conta de água para a população. A Sabesp é uma empresa pública que funciona, que tem lucro, tem capital aberto na Bolsa de Nova York, tem rentabilidade, conseguiu expandir o saneamento num nível razoavelmente acima da média nacional. Não há por que fazer o processo de privatização.
Agora, revisão de contrato assinado não é uma questão de vontade [do prefeito], tem que ter irregularidade ou descumprimento.
Se eu chego lá e revogo algum contrato, e há vários deles com os quais não concordo, o Tribunal de Justiça revoga minha canetada.
O que fará desta vez para vencer, algo que não aconteceu em 2020?
A situação é totalmente diferente. Bolsonaro era presidente. Hoje o Lula é o presidente e me apoia. Em 2020, eu tinha 17 segundos de televisão. Desta vez, vou ter três minutos, com uma coligação de 7 ou 8 partidos.
Tenho buscado nesse período me preparar e conhecer melhor o tema da gestão urbana. Estive em Santiago e Paris, conhecendo experiências de mobilidade, e vou para Harvard me encontrar com os prefeitos de Boston e Chicago. As cidades globais estão discutindo sustentabilidade. E São Paulo? Parou no tempo, está sem rumo. Tenho me reunido com especialistas de várias áreas, e não só de esquerda, como o ex-secretário estadual de Saúde Jean Gorinchteyn [que foi auxiliar do então tucano João Doria].
Além disso, hoje sou deputado. Em seis meses, aprovei duas leis de minha iniciativa, e construí isso com diálogo, obtendo votos da União Brasil, PSD, MDB, PSDB.
Em 2020, a presença de Luiza Erundina como sua vice era a resposta às críticas à sua inexperiência. O sr. apresenta agora uma vacina?
Não é questão de vacina, são fatos. É chegar com uma série de experiências, com uma atuação como deputado. Agora, se o Nunes na campanha vier falar para mim de experiência, a que ele tem para mostrar é a da tragédia em que ele transformou São Paulo em três anos? Essa experiência eu quero longe de mim.
Que perfil o sr. espera para vice, vaga cuja indicação será do PT, como prevê o acordo?
Não vou discutir vice agora, mas no começo do ano que vem. Neste semestre, vou andar as 32 subprefeituras para escutar os problemas da cidade, dialogar com todos os setores e fazer encontros internacionais.
Fará uma campanha mais nacionalizada ou local?
Tenho orgulho de ser o candidato do Lula, diferentemente do meu adversário, que esconde que é apoiado pelo Bolsonaro. E o Lula vai estar na campanha. Meu objetivo é debater a cidade. Quem está fugindo disso e fazendo guerra ideológica é o meu adversário, por não ter o que mostrar.
RAIO-X | GUILHERME BOULOS, 41
É formado em filosofia e mestre em psiquiatria pela USP. Coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), foi candidato a presidente em 2018 pelo PSOL. Chegou ao segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo em 2020 e foi derrotado pelo candidato à reeleição, Bruno Covas (PSDB). Foi o deputado federal mais votado no estado de São Paulo em 2022, com 1 milhão de votos
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