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Supremo dá recado ao Judiciário após endossar por anos os atos de Moro

Cármen Lúcia muda voto, e turma do STF declara ex-juiz da Lava Jato parcial em caso do ex-presidente Lula no tríplex de Guarujá

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Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP

Sergio Moro, enquanto juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, não foi imparcial ao processar e julgar as investigações e ações penais contra Lula. Essa foi a decisão, por maioria de três votos a dois, da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.

A decisão, tomada em habeas corpus impetrado pela defesa de Lula em 2018, reconheceu que o ex-juiz foi suspeito. Nos termos da legislação, o juiz suspeito é aquele que perde a condição de imparcialidade, seja por interesses pessoais no deslinde do caso, seja por inimizade ou amizade com quaisquer das partes do processo.

Refere-se, assim, a uma condição subjetiva que o juiz nutre com alguma das partes. Por isso, seus efeitos são limitados a relação do juiz com aquela determinada parte, sem poder afetar outros casos automaticamente.

A maioria dos ministros entendeu que a suspeição do ex-juiz Moro foi provada.

A determinação da inconstitucional condução coercitiva e espetacular de Lula para depoimento, a ilegal interceptação telefônica de advogados, a divulgação dos termos de colaboração premiada de Palocci às vésperas das eleições e, por fim, o fato do ex-juiz ter condenado Lula e favorecido a eleição de um governo no qual iria, alguns meses depois, compor como ministro da Justiça, foram considerados elementos suficientes para considerar a suspeição, sobretudo quando analisados conjuntamente.

A posição da suprema corte brasileira afirma e encerra o assunto: estes atos foram praticados sem lastro jurídico e foram politicamente orientados. Não há recursos previstos no regimento interno contra essa decisão, já que as decisões de órgãos fracionários, como é a Segunda Turma, representam o próprio tribunal.

É um precedente importante: o recado para as demais instâncias judiciais é a de que condutas assim, caso reiteradas, serão anuladas. Não há fins que justifiquem meios, ao menos para maioria dos ministros da Segunda Turma.

Aos ministros foi impossível ignorar a revelação das mensagens trocadas entre membros do Ministério Público Federal da força tarefa da Lava Jato e o então juiz Moro, investigadas na operação Spoofing.

As mensagens reveladas não vieram a julgamento diretamente neste habeas corpus, mas compuseram o contexto da decisão, sobretudo ao dar o tom de constrangimento de um tribunal que, por muitos anos, endossou os atos de Moro.

Os diálogos trocados entre juiz e acusadores explicam muito dos eventos heterodoxos e decisões excepcionais que moveram a Lava Jato: a celeridade seletiva das decisões, o uso espetaculoso da imprensa e a fragilidade das provas, são todos elementos que saltam das mensagens para preencher algumas das lacunas da história.

A ministra Cármen Lúcia, diante do conjunto da obra de ilegalidades e seletividade de Moro, mudou de posição e compôs a maioria vencedora. Cármen Lúcia, enquanto integrante da Segunda Turma e, antes, como presidente do Supremo Tribunal Federal entre 2016 e 2018, endossara grande parte das decisões da Lava Jato. Ao mudar de posição, disse-se convicta agora da quebra da imparcialidade.

Kássio Nunes Marques, o ministro indicado a uma vaga no Supremo (vaga essa antes prometida a Moro) pelo presidente Jair Bolsonaro que, por sua vez, se beneficiou da inelegibilidade de Lula nas eleições de 2018 e poderia se beneficiar novamente em 2022, considerou Moro insuspeito.

Em seu voto, Nunes Marques considerou que todos os fatos levantados pela defesa já estavam preclusos, isto é, impossíveis de serem analisados por já terem sido objeto de apreciação em uma série de recursos —ainda que o Supremo nunca tenha se debruçado sobre o argumento da suspeição de Moro.

Concluiu, ainda, que Moro não teve direito ao contraditório no processo, mesmo que os efeitos da alegada suspeição tenham sido a condenação, a inelegibilidade e a prisão de Lula.

O voto de Nunes Marques, fundado em aspectos processuais majoritariamente dissonantes com a jurisprudência da própria turma, ficou isolado em um tipo de ficção jurídica: não analisaria a suspeição que não havia sido analisada; não conhecia a prova que todos conhecem e o direito de defesa serviria ao juiz e não ao acusado.

Ao final, compôs a minoria com o ministro Edson Fachin, que corroborou os termos do voto dado em 2018.

A consequência imediata do julgamento que reconheceu a suspeição de Moro é para Lula. Todos os atos instrutórios, ou seja, aqueles relativos às provas, como perícias e testemunhos, e as decisões de condenação serão anulados. Um juiz parcial não pode decidir e também não pode acompanhar, valorar ou deferir qualquer prova.

A essa decisão se soma à que declarou incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, enviando o caso a seção judiciária do Distrito Federal.

Caberá agora ao juiz competente acompanhar a instrução do processo –observadas as garantias do devido processo legal– para ao final condenar ou absolver Lula. Isso, claro, na hipótese de o plenário não alterar a decisão monocrática de Edson Fachin, uma vez que há recurso pendente de julgamento.

O Supremo enfrentou seus próprios erros. Reviu –ainda que tardiamente– os equívocos da operação Lava Jato que fragilizaram as investigações, contaminaram provas e geraram anulação de condenações. É importante afirmar: a Lava Jato padece por seus próprios erros.

Pela Constituição, até uma eventual condenação em segunda instância, Lula é inocente e elegível. A principal importância da decisão da Segunda Turma é justamente seu potencial de afastar novas tentativas de uso de processos persecutórios com fins eleitorais, cujas consequências extrapolam a esfera de direitos políticos de Lula para afetar a lisura de eleições, que já se aproximam.

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