“Muitos têm pedido perdão. Dizem: agora eu vejo que você está certa. O eleitor está acordando. Mesmo o eleitor que ainda está cego por uma paixão e por uma idolatria vai entender o que é melhor para São Paulo”, diz Joice Hasselmann (PSL).
É esse tipo de mensagem que faz a deputada federal e candidata à prefeitura acreditar que pode sair do isolamento em que se encontra.
Com o segundo maior fundo eleitoral e o quarto maior tempo de TV (1min4s), o que falta a Joice são eleitores. A candidata do PSL pontuou 1% nas duas pesquisas Datafolha, de 24 de setembro e 8 de outubro.
Isso não foi um problema em 2018, quando a jornalista teve a segunda maior votação para a Câmara dos Deputados —com 1.078.666 votos, ficou atrás de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que obteve 1,8 milhão.
O que mudou de lá pra cá foi o rompimento de Joice com os dois padrinhos da última eleição, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador João Doria (PSDB), à época unidos por ela mesma sob o slogan “BolsoDoria”.
Com a pecha de traidora na direita e rechaçada pela esquerda, Joice vê espaço para crescer entre aqueles que não a conhecem (51% dos paulistanos, segundo o Datafolha) e traça estratégias para recuperar seu eleitor de 2018.
A tarefa não será fácil. Alvo de bolsonaristas, sua rejeição, medida pelo Datafolha, é, ao lado da do prefeito Bruno Covas (PSDB), a maior entre os candidatos: 31%.
Sua campanha quer mostrar que a deputada segue vinculada à agenda liberal na economia e conservadora nos costumes.
Para os aliados de Joice, não importa a fidelidade às figuras de Bolsonaro e Doria, mas sua coerência em defender as ideias do eleitor paulistano que, em 2016 ao eleger o tucano e em 2018 ao eleger o presidente, quis um rompimento com a política tradicional e uma virada à direita.
“O eleitor de bem, gostando ou não de mim, não vai ter muita opção. Muita gente que torce o nariz pra mim, quando chegar na urna, vai apertar 17”, diz a deputada.
A candidata afirma que os eleitores irão entender que ela manteve a coerência. “Eu não saí da minha pauta, quem saiu foram eles. Tanto Bolsonaro quanto Doria.”
“Eu não rompi com Bolsonaro. Numa briga, por conta de um filho bandido, outro malandro e outro louco, ele rompeu comigo. E Doria foi eleito como alguém liberal e ajudou Bruno a quebrar a economia em São Paulo”, completa.
Minimizadas por Joice, as pesquisas eleitorais não trazem só más notícias. A chave para escapar da contradição de, segundo seus aliados, representar a agenda do eleitor paulistano, mas não ter o seu voto, está na rejeição a Doria e Bolsonaro.
De acordo com a pesquisa Datafolha divulgada em 24 de setembro, Bolsonaro é rejeitado por 46% dos paulistanos, enquanto Doria tem desaprovação de 39%.
Em 2016, Doria foi eleito prefeito no primeiro turno, com 53,3%. Sua votação para governador, em 2018, caiu na cidade pra 41,9%. Já Bolsonaro teve, no segundo turno de 2018, o voto de 60% dos paulistanos.
Na avaliação dos aliados de Joice, a rejeição a ambos se dá pela frustração com promessas não cumpridas.
Seguindo essa lógica, a deputada resgata em sua campanha aspectos relacionados a Bolsonaro, como defesa de armas, da religião e da família e falas contra o comunismo e o petismo –ela vê chances de vitória de Guilherme Boulos (PSOL) e diz ser a única que pode impedir isso.
No debate da TV Bandeirantes, em 1º de outubro, a candidata afirmou ter brigado com os filhos de Bolsonaro –não com o pai. Estrategistas da campanha negam que tenha havido ali um aceno.
A campanha da candidata, porém, é repleta de elementos caros ao bolsonarismo. Só na semana passada, Joice postou fotos em reunião com militares do Corpo de Bombeiros e praticando tiro esportivo, "uma de suas paixões".
À Folha a candidata diz que não houve estratégia eleitoral e que recorreu às armas para aliviar seu estresse. Seus companheiros na ocasião, contudo, eram o seu vice, Ivan Sayeg (PSL), e um candidato a vereador, Sargento Gledson.
Compromissos religiosos também estão na sua agenda. Joice escalou um pastor para ser coordenador evangélico da campanha.
Outro ponto que busca cativar o eleitor verde e amarelo da av. Paulista é a defesa da Lava Jato, alvo de desmonte pelo presidente e que atingiu tucanos como Geraldo Alckmin e José Serra. Nesse campo, Joice tem um trunfo: o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, de quem afirma ser amiga.
O ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra e sua atuação para a aprovação da reforma da Previsência são suas pontes com o liberalismo econômico.
As coincidências com a pauta e a estratégia de Bolsonaro não param por aí. Se o presidente tinha pão com leite condensado, Joice deixa o eleitor participar de sua intimidade ao falar de sua dieta, ensinar receitas em sua cozinha, gravar vídeos em sua sala de estar e exibir seus gatos.
“Meninas, minha fórmula do emagrecimento e juventude. Não largo meu caldo nunca mais”, posta ao fazer propaganda de seu novo canal no Instagram, o Bem Estar com Joice. O jeito extrovertido se deixa capturar ainda em vídeos em que dança samba e logo vão parar em suas redes.
Depois de sofrer ataques por causa de excesso de peso, vindos inclusive de Eduardo Bolsonaro, Joice quer usar a nova silhueta como uma história de superação.
Ela diz que a exposição da intimidade não é estratégia eleitoral, mas uma forma de dividir suas experiência de vítima do machismo com outras mulheres que passam por isso.
“Fui muito humilhada por esses bandidos que cercam a tropa do Palácio do Planalto e os filhos do presidente porque eu engordei. Eu engordei porque eu estava ajudando eles. Eu era o cinto de castidade do governo, foi só eu sair que o centrão estuprou o governo. Essa pressão eu aguentava sozinha e me fez engordar 20 quilos.”
O conflito com bolsonaristas é tão evidente que parte dos xingamentos foi adotado pelo marketing da campanha, que usa imagens de Peppa Pig e Miss Piggy no horário eleitoral.
Para adversários de Joice, ela ainda conserva ligações com seu outro ex-padrinho, Doria. Seu marqueteiro, Daniel Braga, por exemplo, serviu ao tucano nas eleições de 2016 e de 2018. A candidata chegou a ser cotada como vice de Covas e o visitou no hospital, em ação patrocinada pelo governador.
Sua campanha, porém, tem feito o esforço de associá-la às bandeiras da direita ao mesmo tempo em que a desvencilha de Doria, cujo candidato é Covas, e de Bolsonaro, cujo candidato é Celso Russomanno (Republicanos).
Joice ataca aquele como um prefeito que não dá conta do recado e este como um candidato ligado a esquemas e que tem medo do debate –não vê chances de vitória deles.
Russomanno lidera a pesquisa Datafolha com 27%. Covas está em segundo com 21%.
Com o cancelamento dos debates, que Joice vê como estratégia do Planalto a favor de Russomanno, lhe resta o horário eleitoral e a estrutura do PSL.
“Ela é a única com DNA de direita raiz”, afirma Braga. O título é reivindicado também por Filipe Sabará (Novo) e por Arthur do Val (Patriota), que coincidem com Joice no liberalismo e no lavajatismo.
Para o marqueteiro, Joice tem o perfil do “João trabalhador”, mote que elegeu Doria em 2016. “Ela tem energia, determinação, é dinâmica, incansável e quer mudança.”
Joice no Datafolha
Intenção de votos: 1%
- Chega a 2% entre homens, evangélicos e eleitores de 25 a 44 anos
- Chega a 3% entre desempregados
Rejeição: 31%
- É a candidata com maior rejeição, ao lado de Bruno Covas (PSDB)
- Chega a 43% entre quem tem ensino superior
- Alvança 40% entre quem recebe mais de cinco salários mínimos
- Chega a 55% entre funcionários públicos
Nível de conhecimento: 49%
- Cai para 30% entre as donas de casa
- Cai para cerca de 30% entre quem tem ensino fundamental e recebe até dois salários mínimos
Fonte: Pesquisa Datafolha registrada no Tribunal Regional Eleitoral com o número SP-08428/2020. Levantamento realizado nos dias 05 e 06 de outubro de 2020, com 1.092 eleitores. A margem de erro máxima da pesquisa é de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos. O nível de confiança é de 95%
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.