Maior cidade da região do Grande ABC, com seus mais de 844 mil habitantes, São Bernardo do Campo assistirá novamente à polarização entre tucanos e petistas na disputa pela prefeitura, em novembro. Orlando Morando (PSDB) tenta a reeleição e terá como principal oponente o ex-prefeito Luiz Marinho (PT).
Com a pandemia restringindo campanhas na rua e numa cidade sem emissora de televisão, consequentemente sem horário eleitoral, o embate entre os dois será feito, principalmente, nas plataformas digitais.
Ambos prometam uma campanha propositiva, com a comparação dos feitos de cada gestão para convencer o eleitor sobre quem foi o melhor prefeito. Na prática, o histórico de disputas entre os dois partidos volta à tona com acusações dos dois lados.
Morando diz que Marinho deixou uma prefeitura com déficit de R$ 200 milhões. "Peguei a cidade com o rating [classificação de risco de crédito], avaliado pela Caixa Econômica Federal, em D - e hoje é A+".
O petista rebate e afirma que "o que o prefeito Morando fala não passa de uma mentira absoluta". "Eu deixei a cidade organizada, com um conjunto de obras entregue e em andamento. Tirando as obras que eu deixei, que ele parou e depois terminou, não tem nada", diz Marinho. Segundo ele, o tucano "está morrendo de medo" de enfrentá-lo nas urnas.
Morando leva vantagem no número de partidos que conseguiu aglutinar: 17 siglas estarão ao lado dele, incluindo DEM, MDB, o vice do PSD e o Cidadania, do deputado federal Alex Manente, derrotado no segundo turno de 2016 e hoje aliado do tucano.
Após deixar a prefeitura em 2016 ao fim de dois mandatos, Marinho disputou o Governo de São Paulo em 2018. Terminou em quarto lugar, com 12,66%, e teve mais de 101 mil votos em São Bernardo, atrás apenas de João Doria (PSDB), que recebeu 111 mil e acabou eleito no segundo turno.
Naquela campanha, o petista exibiu e defendeu no seu horário eleitoral a candidatura de Lula à Presidência da República, que acabou barrada devido à Lei da Ficha Limpa.
A presença do ex-presidente ao seu lado nas ruas no pleito atual ainda é incerta. Lula participou ao vivo da live de lançamento da candidatura de Marinho em São Bernardo, diferentemente do que aconteceu no evento virtual de Jilmar Tatto, que disputa a eleição pelo PT na capital paulista.
Marinho conta com o apoio de ao menos seis siglas. Repetia a parceria de chapa com o PTB, que esteve com o petista por dois mandatos. Porém o partido comandado por Roberto Jefferson contestou a aliança na cidade, abrindo um impasse sobre o posto de vice.
Em meio à pandemia do novo coronavírus, a saúde virou tema da campanha. Marinho diz ter “reconstruído 100%” a área da saúde na cidade. Lista a reforma da rede de UBSs, 9 novas UPAs e a abertura de um hospital. Morando cita como grande feito da sua gestão a entrega de dois hospitais, um obra autorizada no final da gestão de Marinho e outro reformado.
A enfermeira Luciana Santos, 41, que cresceu na cidade, leva o pai de 78 anos para atendimento no Hospital de Clínicas, obra de Marinho ampliada por Morando, e elogia o atendimento, assim como no Hospital de Urgência, projeto do petista entregue pelo tucano em 2020. “A gestão atual melhorou muito o atendimento”, diz ela.
O metalúrgico João Coelho, 24, que nasceu e cresceu em São Bernardo, critica o excesso de propaganda em torno do Hospital de Urgência. Ele lembra que houve atraso na entrega para coincidir com o ano eleitoral e diz que há déficit de médicos na cidade.
A prefeitura nega o atraso e diz ter dobrado o número de profissionais da saúde em quatro anos, passando de 1.485 médicos em 2017 para 3.018, em 2020.
O próximo prefeito terá que lidar com um caixa apertado e uma dívida elevada. A pedido da Folha, o professor do Laboratório de Políticas Públicas da EACH USP Leste, Renato Eliseu, analisou o peso da dívida para o município em comparação com a receita corrente (pagamento de impostos, taxas diversas e receitas).
Os dados de 2019 mostram que a cidade tinha pouco mais de 51% de comprometimento orçamentário, com uma dívida de R$ 1,83 bilhão diante de R$ 132 milhões de repasses.
Morando diz que pretende enfrentar tal cenário com austeridade. No primeiro mandato, afirma ter cortado cargos comissionados, uso de veículos e aluguel, além de repasses para escolas de samba da cidade.
Na primeira semana de setembro, ele anunciou a assinatura de um contrato de investimento de R$ 500 milhões com a Corporação Andina de Fomento —instituição internacional multilateral de desenvolvimento da América Latina. O tucano diz que pretende investir em obras de infraestrutura, saúde, saneamento e segurança pública.
Marinho promete fomentar pequenos negócios e priorizar as áreas impactadas pela pandemia, como saúde, assistência social e geração de emprego.
Segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério da Economia), desde janeiro, a cidade acumula um déficit de mais de 9.600 vagas.
Polo industrial, conhecida pela presença de grandes montadoras, a cidade sofreu um grande baque antes mesmo do novo coronavírus, com o fechamento da fábrica da Ford, em 2019.
Professor da FGV e coordenador da subseção Dieese no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luis Paulo Bresciani diz que as estimativas da época indicavam perdas para a economia região superiores a R$ 3 bilhões, afetando diretamente mais de 100 mil pessoas.
Morando afirma que o prejuízo é inegável, mas que o local onde a fábrica funcionou já foi vendido e deve voltar a gerar empregos.
Com a pandemia, outra empresa impactada foi a Volkswagen, que estimava cortar 1.900 empregos na cidade. Na terça-feira (15) o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC concluiu a aprovação de um acordo, que estabelece um plano de demissão voluntária e redução de benefícios.
Trabalhador da fábrica há 25 anos e coordenador do comitê sindical na empresa, o soldador Wagner Lima afirma que o acordo manteve 8.600 empregos.
Coelho foi funcionário da empresa por cinco anos, perdeu o emprego na crise de 2016, quando passou a trabalhar em outras áreas. Em 2020, ficou sem ocupação novamente.
Para ele, o desemprego, especialmente entre os jovens, e a moradia —área pela qual milita no MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) — são os problemas mais graves da cidade.
Dados de 2012 do IBGE indicavam um déficit habitacional no município de 53.560 moradias, que correspondia a 22,1% dos domicílios. A prefeitura não respondeu como está esse cenário atualmente.
A administração municipal foi questionada pelo Ministério Público sobre suposta inconstitucionalidade de um decreto de 2018, usado pela gestão tucana para promover despejos administrativos de famílias em áreas ocupadas.
Segundo o professor da UFABC Francisco Comaru, do Observatório de Remoções, projeto em parceria com a FAU-USP que monitora o tema em São Bernardo desde 2015, o processo de remoções vem da gestão Marinho, mas se agravou com Morando na prefeitura. Ele diz não haver uma política habitacional consistente e encaminhamento social para as famílias.
Os pesquisadores registraram, por exemplo, remoção sem processo judicial de 11 famílias na Vila São Pedro no dia 9 de junho e outras 11 ameaçadas no mês seguinte no Jardim Regina, numa ocupação consolidada há mais de 30 anos.
"Ele [Morando] abriu mão de cuidar da cidade e virou uma bagunça. Depois resolve dar uma de cabra macho e saí despejando pessoas com uma crueldade nunca vista durante a pandemia. Precisa zelar pra não ter ocupação e ter um programa vigoroso de habitação", diz Marinho, que afirma ter investido 8% do orçamento na área.
A prefeitura diz que o decreto para remoção foi criado por recomendação do Ministério Público Ambiental de São Bernardo, para evitar degradação no local. Sobre políticas habitacionais, afirma ter entregue mais de mil moradias e 11 mil escrituras, além de ter um pacote de 30 obras para contenção de encostas em áreas vulneráveis.
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