Diante do veto à prisão logo após a segunda instância decidido pelo Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (7), congressistas que têm a Operação Lava Jato como bandeira se articulam para acelerar a tramitação de PECs (propostas de emenda à Constituição) sobre o tema na Câmara e no Senado.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no entanto, afirmou na noite desta quinta que o Congresso não deve enfrentar o Supremo. A declaração foi dada antes do término do julgamento no STF.
“A gente tem que tomar certo cuidado porque tivemos a oportunidade de ter tratado disso [segunda instância] em março. [Apreciar as propostas] logo depois que o Supremo decidir que ia revisitar o tema, pode parecer que a gente está querendo enfrentar o Supremo e não é o caso”, afirmou Maia.
O grupo de deputados e senadores lavajatistas não tem votos suficientes em nenhuma das duas Casas. Como se trata de uma emenda constitucional, são necessários 308 votos de deputados e 49 de senadores, em votação em dois turnos.
Por 6 a 5, o Supremo voltou a barrar o cumprimento da pena antes de esgotados todos os recursos, revertendo o entendimento estabelecido pela corte em 2016.
O veto à execução da pena após condenação em segunda instância (Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais) pode beneficiar até 5.000 condenados no Brasil —o mais célebre deles é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ele foi condenado no ano passado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP) e cumpre pena em Curitiba.
Em meio a esse embate jurídico, no Senado, 43 congressistas subscreveram carta entregue no início desta semana a Toffoli, defendendo a manutenção da prisão em segunda instância.
A PEC que tramita no Senado, de Oriovisto Guimarães (PODE-PR), já tem parecer favorável e, segundo o autor, deve ser votada em 15 dias.
O texto é breve e apenas insere um inciso no artigo 93 da Constituição.
A redação que vai para votação, dada pelo parecer da senadora Juíza Selma (PODE-MT), diz que "o acórdão criminal condenatório proferido ou confirmado por órgão colegiado deve ser executado imediatamente após o julgamento dos recursos ordinários cabíveis".
Apesar de terem conseguido apoio de seis senadores a menos que o mínimo necessário para aprovar uma PEC, Guimarães diz acreditar que é possível aprovar a matéria no Senado.
"Essa mudança do Supremo ao sabor dos fatos cria insegurança jurídica no país", disse Oriovisto Guimarães.
O senador Marcos do Val (Cidadania-ES) havia dito, ao sair da reunião com Toffoli, que seu sentimento era de que caberia ao Legislativo retomar a prisão em segunda instância. Para ele, não será difícil chegar ao mínimo de votos.
"Essas 43 assinaturas [da carta] foram conseguidas sem esforço nenhum. Para chegar a 49, vamos conseguir com muita facilidade. Estamos bem otimistas referente a isso", disse Marcos do Val.
Na Câmara, deputados que apoiam a Lava Jato também tentam avançar uma PEC que trata do tema, mas a articulação esbarra na falta de votos.
Na semana em que o STF iniciou o julgamento sobre a prisão em segunda instância, o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), decidiu pautar uma proposta de autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP) que quer mudar o inciso da Constituição que versa sobre o trânsito em julgado.
Após embates com a oposição, que exigiu a realização de uma audiência pública sobre o tema antes de debater a constitucionalidade e admissibilidade da matéria, Francischini decidiu deixar o texto em segundo plano.
"A PEC agora já está apta para discussão e votação. Conversei com alguns ministros do STF e eles me disseram e reiteraram que não veem como afronta do Legislativo a pauta dessa PEC, até porque são Poderes independentes", disse.
"Não adianta eu tentar atropelar uma pauta e não aprová-la, o que eu quero é entregar a aprovação", afirmou.
Segundo as contas de defensores da PEC, não haveria apoio suficiente para que o texto seja aprovado –são necessários 308 votos dos 513 deputados em votação em dois turnos.
Contando eventuais dissidentes, a oposição teria pelo menos 120 votos. O mesmo número de parlamentares do chamado centrão –partidos como PL, PP, MDB e PSD— poderia votar contra a proposta.
A constitucionalidade da proposta é justamente o ponto que gera debate.
A proposta de Manente busca alterar o inciso 57 do artigo 5º da Constituição, que diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória –ou seja, até que acabem todas as possibilidades de recursos e que a sentença se torne definitiva.
O artigo 5º é uma das cláusulas pétreas da Constituição Federal –ou seja, não poderia ser modificado, nem mesmo por emenda.
"Esse projeto é absolutamente inconstitucional e oportunista porque altera uma cláusula pétrea da Constituição, e cláusulas pétreas só podem ser alteradas por uma nova Constituição", afirmou a deputada federal Clarissa Garotinho (PROS-RJ).
Já Manente defende o texto. "A mudança da cláusula pétrea seria com o princípio essencial da presunção de inocência, que nós não estamos mexendo", disse.
"O princípio da inocência continua soberano. Estamos é limitando até onde vai esse princípio da inocência, que vai até julgamento de órgão colegiado", afirmou.
Segundo Manente, a base do artigo 5º seria a cláusula pétrea, mas seria possível adequar os incisos. "O núcleo essencial do princípio de inocência se mantém", disse.
O resultado do julgamento teve repercussões divergentes no Congresso.
"É triste ver que o Brasil segue firme de mãos dadas com a impunidade", disse a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) em uma rede social. "Com o cenário que se desenha, Lula será solto. Vamos nos unir e lutar por justiça no Congresso."
"O STF está fazendo valer a Constituição, que regula o Estado de Direito. Fora disso é a barbárie, a tirania e os regimes de exceção. O STF chamou o feito a ordem. Ninguém está acima da lei. Estado de Direito é assim. Vale para todos", disse o deputado José Guimarães (PT-CE).
O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) também defende que a decisão seja do STF. "Não tem nenhuma chance de passar no plenário. Até o presidente Rodrigo Maia já se posicionou contra. Não vai colocar dois Poderes em choque."
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