Sem exposi��o, � imposs�vel avan�ar contra poderosos, afirma Dallagnol
Paulo Lisboa - 30.nov.2016/Folhapress | ||
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Procuradores da Lava Jato. Carlos Fernando (centro) e Deltan Dallagnol (dir.). |
Sem estrat�gia de comunica��o definida, a Lava Jato teria ca�do no esquecimento. Quem afirma s�o os procuradores da for�a-tarefa de Curitiba Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima.
Os quase quatro anos decorridos desde a deflagra��o da primeira fase da opera��o j� permitem que agentes do processo tracem an�lises sobre o saldo da investiga��o.
� Folha, os dois procuradores falaram sobre a comunica��o da opera��o, exposi��o pessoal, combate � corrup��o, reforma pol�tica e elei��es de 2018.
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Folha - De que forma a Lava Jato revolucionou o que se entendia como investiga��o?
Deltan Dallagnol - A investiga��o permitiu alcan�ar resultados inovadores em raz�o de um grande apoio da sociedade, de uma s�rie de lances de sorte e de um novo modelo de investiga��o. Dentro desse novo modelo, tem quatro pilares. O primeiro � o de colabora��es premiadas, o segundo de coopera��o interna e internacional, o terceiro de estrat�gia de fases e, em quarto lugar, exatamente o da comunica��o.
Dentro da comunica��o, esse caso inovou porque � imposs�vel avan�ar contra interesses t�o poderosos sem o apoio da sociedade. Al�m disso, quando se tornam investigados pol�ticos relevantes, muitos deles dominando m�quinas de comunica��o em seus Estados, que est�o acostumados a se defender, acusando e buscando tirar a credibilidade de quem os investiga. Existem muitas not�cias falsas que come�am a circular. Dentro desse ambiente � essencial uma maior transpar�ncia e ampliar e fortalecer os canais de comunica��o.
Se criou o primeiro website de um caso criminal na hist�ria do pa�s. Se adotou uma estrat�gia de entrevistas coletivas � imprensa sempre que foram feitas as principais acusa��es criminais. Al�m disso, deram-se entrevistas sempre indicadas pela assessoria de comunica��o. Toda vez que algu�m compareceu a uma entrevista n�o foi por voluntarismo, mas por existir uma pol�tica de comunica��o oficial por tr�s que recomendava esse tipo de postura.
Carlos Fernando - Em termos de comunica��o, voc� tem tamb�m uma mudan�a do pr�prio acesso que as pessoas t�m aos fatos, porque hoje o sistema � eletr�nico. O acesso ficou muito f�cil, com uma chave p�blica. Todos os jornalistas podiam acessar a qualquer momento documentos que n�o estavam sob sigilo. Isso teve um efeito muito grande porque os pr�prios jornalistas desenvolviam linhas de an�lise de documentos e investiga��es com base naquilo que foi apreendido. O e-proc � um dos fatores mais importantes do sucesso da estrat�gia de comunica��o.
E uma percep��o de que nessas investiga��es, salvo uma extrema necessidade de sigilo, todos os documentos foram p�blicos. Existe �s vezes o mau uso da palavra vazamento, quando na verdade houve uma decis�o do juiz ao nosso pedido para que fosse levantado o sigilo. N�o � vazamento porque n�o � ilegal, a decis�o foi do juiz e o acesso via e-proc � garantido a todos.
A transpar�ncia gerou mais cr�ticas � opera��o?
CF: A partir do momento que voc� permite a publicidade, d� a oportunidade para concordarem ou n�o com o que foi feito. � claro que vai gerar cr�ticas por ter optado por uma pol�tica de comunica��o, mas os criminalistas usam e abusam de uma pol�tica de comunica��o de seus interesses. N�s ficar�amos muito indefesos se tamb�m n�o tiv�ssemos uma pol�tica ativa.
Se formos lembrar da divulga��o do �udio entre o ex-presidente Lula e a ent�o presidente Dilma Rousseff.
CF: Essa � uma decis�o que foi tomada pelo Moro [Sergio, juiz], a pedido do Minist�rio P�blico. N�s sofremos a cr�tica e at� o momento entendemos que est� absolutamente correta.
Um agente p�blico n�o tem mais direito � privacidade, tem um direito menor do que o cidad�o comum. Quem vive uma vida p�blica deve se submeter a um escrut�nio maior da popula��o. Muitas vezes parece que alguns envolvidos nesses fatos acreditam que tinham um direito especial de privacidade por serem autoridades.
DD: Uma decis�o como aquela n�o � de pol�tica de comunica��o, � uma decis�o jur�dica sobre o princ�pio da publicidade. � coerente com todas as decis�es pr�vias e posteriores. Em regra na Lava Jato, todos os processos s�o p�blicos, salvo quando existe uma excepcional justificativa para que o sigilo seja mantido. Boa parte das cr�ticas � atua��o existiriam ainda que n�o houvesse transpar�ncia, porque h� grandes interesses envolvidos impactados pelas investiga��es.
Como seria o cen�rio da Lava Jato se n�o houvesse uma pol�tica de comunica��o t�o forte?
CF: Pergunto normalmente em palestras Conhece quais foram os fatos da Opera��o Boi Barrica ou os fatos que realmente levaram a Castelo de Areia a ser derrubada? As pessoas n�o sabem. O n�o saber � muito perigoso porque oculta manobras muito graves. O que acontece se n�o tivesse o e-proc, baixa de sigilo, entrevistas? Tudo teria sido eventualmente morto num habeas corpus qualquer, como tantas opera��es no passado.
Por que a Lava Jato foi diferente?
CF: Porque aprendemos. Porque o mundo estava diferente, o pr�prio poder pol�tico naquele momento hist�rico n�o estava coeso para reagir � Lava Jato. Havia muitos interesses de que talvez essa investiga��o atingisse apenas um partido. N�o perceberam que era uma investiga��o do pr�prio sistema de financiamento da pol�tica.
A pol�tica de comunica��o da Lava Jato vai ser replicada em pr�ximas investiga��es?
CF: Tenho a impress�o que de certa forma j� est� sendo replicada. O Rio de Janeiro costuma fazer coletivas, tem todo o procedimento que, se n�o � igual, � aproximado.
DD: O e-proc vai ser replicado quando existir processo eletr�nico. Esse primeiro fator depende de uma capacidade tecnol�gica para replicar. Outro fator, o que diz respeito � vis�o dos atores do processo quanto � amplitude do princ�pio da publicidade, vai depender de quem � o juiz, os procuradores, os delegados. Mesmo hoje, depois de tudo que aconteceu, o STF ainda mant�m o sigilo em uma s�rie de casos da pr�pria Lava Jato.
No tocante ao terceiro conjunto, website, entrevistas coletivas, vai depender do perfil do caso e do quanto se torna pertinente ou existe demanda. Se um promotor do interior quiser fazer uma entrevista coletiva sobre uma acusa��o que ofereceu contra algu�m que contrabandeou dez caixas de cigarros, provavelmente vai estar sozinho na entrevista.
Os senhores sentem uma press�o maior sobre o trabalho? Como lidam com a exposi��o?
CF: A exposi��o decorre de uma responsabilidade. Tenho 39 anos de servi�o p�blico e nunca tive um hist�rico de exposi��o como estou tendo agora. Chegamos � conclus�o de que era necess�rio tomar a frente da comunica��o. Como procurador n�o estou castrado dos meus direitos pol�ticos e de me manifestar. No acordo da J&F, o Minist�rio P�blico foi atacado de uma maneira extraordin�ria. Nos colocamos para fazer essa defesa p�blica da institui��o. Mas normalmente n�o � agrad�vel, perde muito da sua privacidade. � uma dificuldade, mais para o dr. Deltan do que para mim.
DD: N�s trabalhamos em casos como o do Banestado, o do Fernandinho Beira-Mar, e eu jamais tinha dado uma entrevista � televis�o at� novembro de 2014. N�s sempre evitamos exposi��o. Tomamos neste caso como parte de um dever, e n�o uma oportunidade.
Os senhores imaginavam que a exposi��o seria t�o grande?
CF: Mesmo n�s que lidamos com esse tipo de criminalidade, n�o imagin�vamos que estaria t�o espraiada e interligada aos neg�cios p�blicos. No come�o, fui convidado pelo Deltan. Eu cheguei e falei: 'Olha, parece t�o pouca essa investiga��o'. Era uma investiga��o de quatro doleiros. Tinha um pezinho no Paulo Roberto Costa [ex-diretor da Petrobras] ganhando uma Land Rover do Youssef [Alberto, doleiro]. Nesse pezinho a� que nasce a Lava Jato. Foi bastante surpreendente.
A campanha das 10 Medidas Contra a Corrup��o veio na esteira da Lava Jato. Como foi o processo?
DD: Foi uma iniciativa do Minist�rio P�blico que acabou sendo abra�ada pela sociedade. Hoje ouvi uma afirma��o do Joaquim Falc�o, professor de Direito da FGV do Rio de Janeiro Ele colocou que a Lava Jato n�o vai ser julgada pelos r�us que condenou, mas pela capacidade de mobilizar a sociedade e promover transforma��es que permitam reduzir �ndices de corrup��o.
Grande parte da sociedade tinha esperan�as de que a Lava Jato transformaria o pa�s. Esse foi o erro que se cometeu na It�lia [pa�s da Opera��o M�os Limpas]: se colocou uma expectativa demasiada sobre a capacidade da Justi�a de transformar uma realidade extremamente corrupta. Nosso papel foi alertar a sociedade sobre os limites que n�s temos. Na Lava Jato n�o existem her�is. Ningu�m aqui vai conseguir transformar o pa�s e ningu�m deseja essa fun��o.
Mas parte das pessoas espera isso.
DD: Exatamente. Por isso desde l� de tr�s sempre ressaltamos que se for para existir transforma��o do pa�s isso deve ser realizado pela sociedade como um todo. Trabalhamos para prover instrumentos que nos parecem adequados para caminhar nessa dire��o, como as 10 medidas.
CF: As 10 medidas focam muito na quest�o da impunidade. Al�m da impunidade, temos um sistema pol�tico que gera criminalidade pela necessidade excessiva de recursos para as campanhas e para os partidos. Diante disso, come�amos a fazer um diagn�stico de reforma pol�tica. N�o queremos especificamente uma reforma ou outra, isso � uma tarefa do Congresso. N�s estamos dizendo: o sistema proporcional de lista aberta � excessivamente caro e gera a necessidade da corrup��o para sustentar. As medidas da impunidade atacam por um lado, mas sem uma reforma da nossa maneira de fazer pol�tica, vamos ter muita dificuldade porque a necessidade de dinheiro vai persistir.
Os resultados da Lava Jato devem influenciar as elei��es do ano que vem?
DD: Como a Lava Jato revelou crimes praticados por diversos representantes, caber� � sociedade avaliar se deve incumbir dessas pessoas que tra�ram os interesses que lhes foram confiados um novo mandato ou n�o. Recentemente algumas pesquisas revelaram que, para o brasileiro, a corrup��o � o maior problema nacional. Se aliar essa vis�o a outras pesquisas que dizem que hoje o eleitor quer votar em pessoas que n�o s�o investigadas na Lava Jato e �s revela��es da Lava Jato, isso tende a ter um efeito nas elei��es.
Mas pesquisas tamb�m indicam que boa parte da sociedade quer votar no ex-presidente Lula, r�u em sete processos.
CF: N�o estamos dizendo que a corrup��o � dem�rito de uma pessoa ou partido. Estamos dizendo que o sistema gera a necessidade de caixa extraordin�rio. Vemos espraiado em quase todos os partidos: se n�o � corrup��o, � caixa 2. Dificilmente temos s� dinheiro limpo na campanha de algum candidato. N�o cabe a n�s fazer escolhas. Entendemos que uma pessoa que cometeu atos de corrup��o n�o deve ser eleita. Qualquer pessoa. A Ficha Limpa est� a� para isso. A pessoa condenada por corrup��o n�o deve ser candidata.
O que muda com a reforma pol�tica ?
CF: Concentrou nas m�os dos caciques partid�rios o volume de recursos p�blicos do fund�o. Na verdade a reforma pol�tica somente dificultou a renova��o. 'Est� faltando dinheiro de outras fontes, ent�o vamos usar a fonte p�blica'. N�o mudou essencialmente nada.
Os senhores pretendem atuar junto � sociedade civil em campanhas para 2018?
CF: Estou me encaminhando para me retirar da Lava Jato e me aposentar assim que poss�vel. Existem essas medidas novas, analisadas pela Funda��o Getulio Vargas, e todos estamos dispostos a lutar pessoalmente por mudan�as.
DD: Existem movimentos da sociedade no sentido de construir iniciativas que possam fazer com que as elei��es de 2018 produzam candidatos comprometidos com a integridade. Na linha que temos nos posicionado h� anos, nossa inclina��o � apoiar iniciativas apartid�rias, que n�o identifiquem pol�ticos espec�ficos, mas que tomem crit�rios de elei��o compat�veis com a nossa Constitui��o. Pessoas que comunguem com princ�pios democr�ticos, tenham um passado �ntegro e um compromisso com a implementa��o de uma agenda anticorrup��o.
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