Se fazem isso comigo, podem fazer com todo mundo, diz Trump após condenação

Em pronunciamento, ex-presidente americano nega ter cometido crimes e diz que vai recorrer da decisão

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Nova York e São Paulo

Um dia depois de se tornar o primeiro ex-presidente americano condenado em uma ação criminal na história dos Estados Unidos, Donald Trump fez um longo e tortuoso discurso em que afirmou ser alvo de perseguição política pelo presidente Joe Biden, repetiu inúmeras afirmações infundadas sobre imigrantes e criminalidade nos EUA, e acusou o juiz Juan Merchan de corrupto.

"Se eles podem fazer isso comigo, podem fazer isso com qualquer um", declarou o republicano em um pronunciamento de 33 minutos à imprensa no salão de entrada da Trump Tower, em Nova York. Ele disse que vai recorrer da decisão.

O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante pronunciamento na Trump Tower, em Nova York - Brendan McDermid/Reuters

Como esperado, Trump, 77, negou ter cometido qualquer crime e afirmou que o processo foi politicamente motivado. "São pessoas ruins. Em muitos casos, eu acredito, são pessoas doentes", disse ele sobre os responsáveis pelo caso.

Pré-candidato à Presidência pelo Partido Republicano, ele busca politizar o veredicto para energizar sua base e convencer indecisos de que está sendo perseguido. Segundo sua campanha, após a divulgação do veredicto ele arrecadou US$ 34,8 milhões —recorde para um único dia, e dez vezes o que ele arrecadou no dia que foi fichado e fotografado.

Nesta quinta-feira (30), um júri formado por 12 pessoas na Corte Criminal de Manhattan, em Nova York, considerou o empresário culpado das 34 acusações de falsificação de registros empresariais para encobrir pagamentos à atriz pornô Stormy Daniels e, assim, evitar que ela divulgasse as supostas relações sexuais que teve com Trump às vésperas da eleição de 2016.

A sentença será anunciada pelo juiz Juan Merchan no dia 11 de julho.

"Isso tudo foi feito por [Joe] Biden e seu grupo", afirmou Trump, sem provas. "Eu sou o presidenciável líder [nas pesquisas] e estou sob uma ordem de silêncio dada por um homem que não consegue juntar duas frases."

O republicano se referia a uma decisão de Merchan que impôs uma ordem de silêncio, sob pena de multa, para evitar que o ex-presidente criticasse envolvidos no julgamento. Durante o processo, Trump chamou seu ex-advogado Michael Cohen de "mentiroso em série" e acusou o tribunal de selecionar para o júri "ativistas progressistas infiltrados que mentem".

Cohen foi a principal testemunha da acusação. No depoimento que deu à corte no caso, o advogado disse que seguiu ordens diretas de Trump ao pagar pelo silêncio de Daniels.

Trump afirmou ainda que queria testemunhar em sua própria defesa, mas que acabou optando por não fazê-lo depois de concluir que teria enfrentado muitas perguntas para pegá-lo em uma mentira. "Eu gostaria de ter testemunhado, mas diria algo como, 'era um dia bonito e ensolarado,' quando, na verdade, estava chovendo", afirmou.

O republicano alegou também que as despesas pagas por ele eram legais. "Esse foi o crime que eu cometi", afirmou. "Quando há crimes violentos em toda a cidade em níveis nunca vistos antes", afirmou, em uma das várias declarações falsas que deu ao longo do pronunciamento.

Em seu depoimento, Cohen afirmou que Trump autorizou pessoalmente o pagamento de US$ 130 mil a Daniels e foi reembolsado posteriormente. Falsificar documentos comerciais é considerado um delito leve em Nova York, mas os promotores de Manhattan elevaram o caso para um crime grave sob a alegação de que Trump orquestrou essa conspiração para manipular a eleição.

Do lado de fora da Trump Tower, uma aglomeração de apoiadores, carregando bandeiras e cartazes, turistas curiosos e jornalistas aguardava uma aparição do ex-presidente. Um número menor de críticos se concentrou na esquina de um quarteirão ao lado da torre, sob orientação da polícia, para evitar conflitos com os trumpistas.

Enquanto ele falava de dentro da torre, uma caixa de som reproduzia o discurso. Um homem vendia bonés com a frase "Make America Great Again" (torne a América ótima de novo) a US$ 40 (R$ 200).

Os eleitores do republicano ecoam a narrativa de que o empresário é alvo de perseguição política. Juliet Germanotta, 42, disse que os processos criminais são uma tentativa de impedir Trump de voltar à Casa Branca porque, pelas urnas, os democratas saberiam que a derrota é impossível.

Ela disse ainda que se Trump não voltar à Presidência, haverá uma "guerra civil" nos EUA e que os apoiadores do republicano pegarão em armas e promoverão uma insurreição que deixará o 6 de Janeiro parecendo um programa infantil.

Menos exaltada, Gina Aldukova, 70, comparou o julgamento de Trump com os promovidos pela União Soviética, de onde ela é originalmente, contra dissidentes políticos.

Biden quebra silêncio

Biden criticou o pronunciamento nesta sexta. "É imprudente, perigoso e irresponsável alguém dizer que um caso foi manipulado só porque não gostou do veredicto", disse ele. "Donald Trump teve todas as oportunidades para se defender", continuou, ao afirmar que o veredicto foi entregue por "um júri de 12 cidadãos, 12 americanos, 12 pessoas como você".

No discurso de Trump, as críticas ao julgamento foram intercaladas com sua conhecida retórica anti-imigração e com afirmações sem comprovação.

"Milhões e milhões de pessoas estão vindo de todas as partes do mundo, não apenas da América do Sul. Da África, da Ásia, do Oriente Médio. E elas estão vindo de prisões, hospitais psiquiátricos e manicômios", afirmou o republicano contrariando as próprias autoridades de imigração dos EUA, que afirmam que a maioria dos migrantes integra famílias em situação de vulnerabilidade escapando da pobreza e da violência.

"Nós temos um presidente e um grupo de fascistas que não querem fazer nada a esse respeito. Eles poderiam interromper isso agora, mas não o fazem. Estão destruindo o nosso país", afirmou Trump sobre o governo Biden.

Também sem apresentar qualquer evidência, o ex-presidente afirmou que as crianças americanas não podem mais jogar beisebol porque há acampamentos de migrantes nos campos. "Isso é o de menos. Os migrantes estão tomando conta dos nossos hotéis de luxo, e os nossos grandes veteranos vivem nas ruas como cães", disse ele.

Várias emissoras interromperam a transmissão do discurso quando Trump começou a dar declarações enganosas. A CNN transmitiu Trump por 18 minutos antes de passar para um segmento de checagem de fatos. Já a NBC interrompeu a transmissão com 20 minutos. "Nos disseram que isso seria uma entrevista coletica", disse o apresentador Lester Holat antes de chamar dois analistas jurídicos para checar os comentários. A Fox News transmitiu a aparição de Trump na íntegra.

Embora tenha anunciado uma entrevista coletiva, Trump fez um pronunciamento, sem dar espaço para perguntas dos jornalistas presentes. Ele concluiu seus comentários sugerindo que o único julgamento que importava para ele era o nas urnas.

"Vamos continuar a luta. Vamos fazer a América grande de novo", disse o republicano. "Lembre-se, 5 de novembro é o dia mais importante na história de nosso país."

Com Reuters e New York Times

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