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Eleições EUA

Condenação de Trump é tapa na cara dos encarregados de garantir integridade das eleições

Ex-presidente dos Estados Unidos foi considerado culpado em Nova York de 34 acusações nesta quinta-feira

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Lúcia Guimarães

Jornalista, vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT e colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo

Logo depois das 17h em Nova York (18h em Brasília), nesta quinta-feira (30), um conhecido historiador da Presidência nos Estados Unidos sugeriu: lembre onde você estava quando ouviu esta notícia monumental.

Lembro bem quando cheguei em casa, no Rio, e vi a reação da minha mãe ouvindo no rádio a notícia do assassinato de John Kennedy, em novembro de 1963. Não tinha idade para entender, mas nunca esqueci a cena.

O ex-presidente Donald Trump durante julgamento em Nova York
O ex-presidente Donald Trump durante julgamento em Nova York - Steven Hirsch/Pool via Reuters

E não vou esquecer da minha incredulidade no momento do veredicto, que não era esperado. A condenação unânime de Donald Trump por 34 acusações de crimes cometidos para facilitar sua eleição em 2016 significa mais de uma vitória. Primeiro, ao contrário das mentiras que desfiava todo dia na entrada do tribunal, o republicano estava sendo julgado no sistema Judiciário de Manhattan por falsificar documentos no suborno pelo silêncio de Stormy Daniels, a atriz de filmes pornô.

O caso inédito entra para o arquivo da História sob o título "O povo contra Donald Trump". E um júri de 12 de seus pares —na ilha onde ele morou, construiu, roubou e estuprou— o declarou culpado num processo denso, com centenas de documentos, detalhes de contabilidade e com provas circunstanciais. Trump não usa email, não deixa trilha de documentos e, como Don Corleone, este poderoso chefão sugere aos seus jagunços que cumpram ordens ilegais.

A outra vitória, ainda que possa ser um caso isolado, é um tapa na cara dos encarregados de garantir a integridade das eleições nos EUA. A Comissão Federal de Eleições é uma instituição falida que pouco monitora campanhas e permitiu, por exemplo, ao mentiroso serial George Santos roubar descaradamente de doadores numa cidade que abriga a elite intelectual entre promotores federais.

Se não fosse um furo de reportagem do jornal The New York Times, Santos, que aguarda julgamento por 23 acusações, talvez não teria chamado atenção da Justiça federal e fosse expulso do Congresso.

Trump vai descobrir sua sentença dias antes de ser confirmado, na convenção, o candidato à Presidência do Partido Republicano. Não há dose de cinismo, mentalidade de culto ou alienação que esvazie a importância deste fato.

Daqui a semanas, a corrompida Suprema Corte que hoje defende Trump por 6 votos a 3, vai decidir se o ex-presidente tem imunidade na Justiça. A Corte atrasou a decisão de propósito para impedir que o eleitor americano vá às urnas sabendo se Trump é culpado em dois processos federais –roubo de documentos secretos e insurreição no Capitólio– e um estadual –a tentativa de roubar os votos de Joe Biden na Geórgia.

No caso de suborno julgado em Nova York, a equipe do procurador Alvin Bragg articulou para os jurados a tese de que Trump cometeu crimes para derrotar Hillary Clinton em 2016. Eles concordaram. Esses crimes se juntam à intervenção da Rússia naquela eleição, que é fartamente documentada.

A eleição de 2016 foi suja e, em 2024, as máquinas estaduais do Partido Republicano, com a cumplicidade da Suprema Corte, estão fazendo o que podem para torná-la imunda.

O sóbrio juiz Juan Merchan, que conduziu um julgamento impecável e vive há meses sob ameaças de morte que afetam também sua filha, merece a gratidão dos americanos. Os corajosos jurados, que a partir de agora, vão ser perseguidos por hackers para ter sua identidade revelada, passaram todo o julgamento sem olhar Trump nos olhos. Hoje, pelo menos um deles olhou direto na cara do criminoso que parecia em choque.

Aos que se prostram diante das pesquisas, diante do fracasso da imprensa americana em documentar, não a corrida de cavalos, mas o que está em jogo em novembro, os 12 jurados deram um exemplo singelo: a democracia somos nós.

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