EUA buscam acordo informal com Irã, na esperança de evitar crise nuclear

Biden negocia para limitar programa de enriquecimento de urânio de Teerã e libertar americanos detidos

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Washington | The New York Times

O governo Biden vem negociando discretamente com o Irã para limitar o programa nuclear de Teerã e libertar americanos detidos, segundo autoridades de três países, dentro de um esforço mais amplo dos EUA para reduzir as tensões e o risco de um confronto militar com a República Islâmica.

A meta americana é chegar a um acordo informal, não escrito, que alguns membros do governo iraniano estão caracterizando como um "cessar-fogo político". O pacto visa a evitar a deterioração maior de uma relação há muito hostil e que vem ficando ainda mais explosiva na medida em que Teerã forma um estoque de urânio altamente enriquecido de pureza em níveis para a produção de uma bomba, fornece drones à Rússia para uso na Ucrânia e reprime brutalmente os protestos políticos internos.

O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa durante evento em Washington
O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa durante evento em Washington - Jonathan Ernst - 14.jun.23/Reuters

As linhas gerais das discussões foram confirmadas por três altos funcionários israelenses, um iraniano e um americano. Membros do governo dos EUA se negaram a discutir em detalhes os esforços para conseguir a libertação de prisioneiros, dizendo apenas que essa é uma prioridade de Washington.

As conversações indiretas, algumas das quais ocorreram em Omã, Estado árabe do Golfo, durante esta primavera no hemisfério Norte, refletem a retomada da diplomacia entre os EUA e o Irã após o colapso de mais de um ano de negociações para restaurar o acordo nuclear de 2015, pacto que limitava fortemente as atividades do Irã, em contrapartida pela retirada de sanções econômicas impostas contra Teerã.

O Irã acelerou seu programa nuclear meses após o ex-presidente Donald Trump ter se retirado do acordo e imposto uma série de novas sanções ao país, em 2018. Sob um novo pacto, que dois funcionários israelenses descreveram como "iminente", o Irã concordaria em não enriquecer urânio para além de seu nível atual de produção de 60% de pureza. Isso é perto, mas ainda abaixo dos 90% de pureza necessários para a fabricação de uma arma nuclear, nível que os EUA já avisaram que forçaria uma resposta severa.

O Irã também suspenderia ataques letais de representantes do país contra empresas a serviço dos EUA na Síria e no Iraque, ampliaria a cooperação com inspetores nucleares internacionais e se absteria de vender mísseis balísticos à Rússia, disseram autoridades iranianas. Em troca, espera-se que Washington evite intensificar as sanções que sufocam sua economia; que não apreenda navios petroleiros estrangeiros carregados, como fizeram mais recentemente em abril, e que não busque novas resoluções punitivas da ONU ou da Agência Internacional de Energia Atômica contra Teerã por sua atividade nuclear.

"Nada disso pretender chegar a um pacto inovador", disse Ali Vaez, diretor para Irã do International Crisis Group, organização de prevenção de conflitos, mas "sustar atividades que ultrapassem qualquer ‘linha vermelha’ ou coloque uma das partes em posição de retaliar de uma forma que desestabilize o status quo". "É para estabilizar tensões e criar tempo e espaço para discutir diplomacia e acordo nuclear futuros."

O Irã também espera que os EUA descongelem bilhões de dólares em ativos iranianos, cuja utilização seria limitada a finalidades humanitárias, em troca da libertação de três prisioneiros iraniano-americanos que Washington diz estar detidos injustamente. Representantes americanos não confirmam essa ligação entre os prisioneiros e o dinheiro congelado nem qualquer ligação entre prisioneiros e questões nucleares.

Em algo que pode ser sinal de um acordo em desenvolvimento, na semana passada os EUA emitiram uma autorização para o Iraque pagar US$ 2,76 bilhões (R$ 13,31 bilhões) em dívidas energéticas que tem com o Irã. O dinheiro seria limitado para uso por terceiros aprovados pelos EUA para o fornecimento de alimentos e medicamentos a cidadãos iranianos, de acordo com o Departamento de Estado.

Isso pode aliviar os receios de que o governo Biden estaria colocando bilhões de dólares nas mãos de um regime autoritário brutal que está matando manifestantes, apoiando o esforço de guerra russo na Ucrânia e financiando organizações anti-Israel como o Hamas e o Hizbullah para agir em seus interesses. Republicanos criticaram a gestão Obama incansavelmente por liberar bilhões de dólares de fundos iranianos congelados, dinheiro que, segundo eles, possibilitou o subsídio de atividades terroristas.

As autoridades iranianas também estão tentando reivindicar estimados US$ 7 bilhões (R$ 33,7 bilhões) em pagamentos por compra de petróleo retidos na Coreia do Sul e que elas vincularam à libertação de prisioneiros americanos. Esse dinheiro também seria restrito para uso para fins humanitários e mantido num banco do Qatar, segundo um funcionário iraniano e outras pessoas familiarizadas com os diálogos.

A atenção renovada ao programa nuclear iraniano se dá em meio à preocupação crescente nos EUA de que o Irã possa precipitar uma crise ao intensificar seu enriquecimento de urânio. "Os EUA parecem estar deixando claro para o Irã que, se eles chegarem a 90% de pureza, vão pagar um preço altíssimo", disse Dennis Ross, que ajudou a formular a política de vários presidentes americanos no Oriente Médio. Ross falou de Israel, onde se reuniu com autoridades de segurança familiarizadas com as discussões recentes.

Ao mesmo tempo, disse Ross, a gestão Biden quer evitar uma nova crise. "Ela quer que a prioridade e a atenção continuem voltadas à Ucrânia e à Rússia", disse ele. "Ter uma guerra no Oriente Médio, onde você sabe como ela começa, mas não sabe como vai terminar, é a última coisa que o governo deseja."

Em entrevista coletiva na quarta-feira (14), o porta-voz do Departamento de Estado, Matt Miller, disse que "rumores sobre um acordo nuclear –interino ou não— são falsos ou enganosos". "Nossa política número 1 é garantir que o Irã nunca consiga uma arma nuclear, por isso é evidente que estamos observando suas atividades de enriquecimento nuclear", disse Miller. "Acreditamos que a diplomacia seja o melhor caminho para chegar a isso, mas estamos nos preparando para todas as opções e contingências possíveis."

Mas a negação dos EUA de um "acordo nuclear" iminente pode ser uma questão semântica, se o resultado concreto equivaler ao pacto informal descrito por vários funcionários. Um trato informal desse tipo também evitaria a necessidade de aprovação de um Congresso americano profundamente hostil ao Irã.

Numa mudança inesperada de tom, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, disse na quarta que pode endossar um acordo com o Ocidente se a infraestrutura do Irã se mantiver intacta, segundo a mídia estatal. Khamenei disse ainda que o Irã deve conservar ao menos alguma cooperação com inspetores nucleares internacionais. Israel avisou que o Irã pode sofrer consequências graves se produzir urânio próprio para uma bomba. "Se o Irã enriquecer até o nível de 90%, próprio para uma arma, será um erro muito grande, e o preço a pagar será pesado", disse em maio o ministro da Defesa Yoav Gallant.

Mesmo que o Irã utilize suas centrífugas de alta velocidade para purificar urânio até um nível próprio para uma bomba, a construção de tal arma levará tempo. Em março, o chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, o general Mark Milley, disse a um subcomitê da Câmara que o processo poderia levar "vários meses".

"As Forças Armadas dos EUA já desenvolveram múltiplas opções a serem consideradas por nossa liderança nacional se ou quando o Irã decidir desenvolver uma arma nuclear", acrescentou ele.

Um funcionário sênior da Defesa israelense disse que Israel estima que o Irã levaria muito mais tempo que isso –pelo menos um ano e talvez mais que dois— para fabricar uma bomba e que os comentários de Milley refletem um esforço dos EUA de transmitir a urgência de ser selado um novo pacto com o Irã.

O Irã insiste que seu programa nuclear tem fins pacíficos, apesar de evidências de que pesquisou capacidades nucleares militares. A missão iraniana na ONU se negou a comentar detalhes das discussões, mas disse que "é importante criar uma nova atmosfera e deixar a situação atual para trás".

A retomada das discussões preocupa alguns funcionários israelenses. Eles receiam que a implementação de um novo entendimento possa reduzir a pressão econômica ocidental sobre Teerã e até levar a um acordo nuclear mais amplo que, segundo Israel, poderia representar uma tábua de salvação para a economia iraniana, sem limitar suficientemente as atividades nucleares desse país.

Tradução de Clara Allain

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