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Arilson Favareto e Carolina Galvanese

Após cúpula de Biden, vem aí agenda crucial para clima e fome

Eventos do segundo semestre são estratégicos e exigem atuação integrada

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Arilson Favareto

Sociólogo e professor na área de planejamento territorial da UFABC, é pesquisador e coordenador do Cebrap Sustentabilidade

Carolina Galvanese

Socióloga e pesquisadora do Cebrap, é editora dos Cadernos Cebrap Sustentabilidade

[RESUMO] Cúpula de Líderes sobre o Clima, promovida pelo presidente Joe Biden a partir desta quinta-feira (22), marca o início de um calendário de reuniões internacionais que podem consolidar medidas de enfrentamento à crise ambiental mundial. Para autores, anúncio de novas metas e investimentos não é suficiente e países precisam se comprometer com uma estratégia clara de transição para um modelo sustentável.

Em 22 de abril de 1970, cidadãos americanos se mobilizaram para denunciar os efeitos de 150 anos de acelerado crescimento industrial sobre a natureza e para reivindicar uma agenda de medidas voltadas à proteção ambiental. Nos anos seguintes, a data foi adotada em outros países, dando origem ao Dia Mundial do Planeta Terra ou, mais simplesmente, Dia da Terra.

Meio século depois, na mesma data emblemática, líderes políticos de 40 nações se reúnem em iniciativa promovida pelo presidente dos EUA, Joe Biden, para tentar dar novo impulso à pauta ambiental. O que se pode esperar?

As atenções da imprensa estão voltadas ao posicionamento do governo americano. Espera-se que os EUA, de volta a uma agenda que abandonaram nos últimos anos e tentando recuperar a liderança internacional abalada pelo governo Trump, anunciem compromissos mais ousados e usem sua influência para trazer países como o Brasil para uma conduta mais responsável.

Enquanto os holofotes se voltam para esse evento, nos bastidores da diplomacia internacional observa-se movimentação intensa nos últimos meses, envolvendo três reuniões internacionais de alto nível previstas para o segundo semestre, que merecem mais atenção.

Em outubro, na China, acontece a Conferência de Biodiversidade da ONU (COP-15). Um mês depois, na Escócia, é a vez da Conferência do Clima da ONU (COP-26). E antes de ambas, em setembro, acontece a Cúpula Mundial sobre Sistemas Alimentares, promovida pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura).

As duas primeiras são conferências regulares, previstas em convenções internacionais, e a terceira resulta de declaração envolvendo dezenas de países-membros do sistema Nações Unidas.

Por isso, são muito diferentes do evento desta semana capitaneado pelos EUA: nelas as decisões envolvem intrincadas negociações e a busca por consensos, o que muitas vezes implica em rebaixar ambições. Porém, é nelas que poderão ser consolidados os passos necessários para avançar no enfrentamento da crise ambiental mundial.

Cada uma dessas reuniões terá que dar conta dos desafios específicos do tema central a que se dedicam. Quanto ao clima, o secretário-geral das Nações Unidas anunciou recentemente, com base nos balanços disponíveis, que os países não estão nem sequer próximos de alcançar as metas pactuadas para 2030 e que deveriam favorecer uma redução do ritmo de aquecimento global para o desejado 1,5 ºC.

Sobre a biodiversidade, será o momento de repactuar metas para o período 2030-2050, em meio a um processo de extinção em massa de espécies. E, quanto à fome, depois de décadas de avanço, os relatórios da FAO mostram que nos anos recentes os indicadores voltaram a piorar em escala global —apenas como exemplo, no Brasil, nos últimos cinco anos, regredimos aos índices do início do século.

Além das pautas específicas, um segundo desafio diz respeito às interdependências entre essas agendas. Recentemente, organizações sociais ameaçaram boicotar a cúpula sobre alimentação porque sua direção estaria sendo capturada pelos interesses de grandes grupos internacionais.

A agenda centrada na expansão da oferta de alimentos nos países mais pobres repetiria o modelo produtivista adotado nas últimas décadas, apenas atenuado por uma onda de inovações tecnológicas mais poupadora de recursos —a chamada agricultura 4.0. Este modelo, no entanto, é extremamente produtor de desigualdades e um dos vetores de degradação ecossistêmica em escala planetária.

Um dos temas controversos da Conferência sobre Biodiversidade será justamente o acesso a recursos genéticos e a repartição de benefícios. São evidentes as causas recíprocas envolvendo erosão de biodiversidade, em especial florestas, e mudanças climáticas.

Alguns países, entre os quais o Brasil, têm se posicionado contra a fusão de agendas, quando fica evidente que é exatamente um tratamento sistêmico desse conjunto de temas e questões o que se requer.

Essa já era, aliás, uma das críticas feitas pela comunidade científica aos objetivos do desenvolvimento sustentável, definidos na Agenda 2030 da ONU: não se trata somente de perseguir 17 objetivos globais, mas de fazê-lo com base em uma nova narrativa e em novos modelos de organização social e de relação com a natureza, que levem em conta as interdependências entre essas várias dimensões.

Tudo é ainda mais preocupante porque à crise ambiental se somam outros dois desafios globais: fazer frente à explosão das desigualdades experimentada nas décadas recentes, que levam a um esgarçamento da coesão social; e, em muitos países, a necessidade de defender ou reconstruir instituições democráticas que se encontram sob ataque.

Sem falar que tais discussões ocorrem em meio aos abalos provocados pela pandemia da Covid-19, com seus enormes custos humanitários e econômicos. É, em resumo, o processo civilizador que se encontra em uma encruzilhada.

Desde o primeiro Dia Mundial do Planeta Terra, houve progressos: foram criados acordos globais, agências e órgãos de regulação. Porém, o ritmo dos avanços é lento, claudicante e insuficiente.

Os indicadores ambientais mais importantes continuam piorando, e já é de uso corrente na comunidade científica a ideia de que estamos vivendo um novo período geológico, o Antropoceno, cujo traço marcante é a alteração dos fluxos naturais do planeta pela intensidade da ação humana.

O que se dirá daqui a 50 anos, quando completarmos um século do primeiro Dia da Terra, dependerá em grande medida das decisões que se tomem na reunião dos chefes de Estado desta semana e nas três cúpulas do segundo semestre.

Novas metas e cifras de investimentos são importantes e rendem boas manchetes. Contudo, é preciso mais que isso: uma estratégia clara para acelerar a transição para um modelo sustentável, dando maior consistência e coerência às agendas tratadas até aqui de maneira compartimentada. Esperar o balanço dos objetivos do desenvolvimento sustentável e da Agenda 2030 ao final desta década pode ser tarde demais.

Dois mil e vinte e um pode ficar marcado como o ano em que saímos de uma pandemia, inaugurando nova etapa na história mundial, ou como o momento em que desperdiçamos a oportunidade de dar uma resposta à altura dos desafios de nossa época.

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