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Presença negra no BBB seria trilha a Wakanda, mas algo deu errado

Com participantes que parecem ter se preparado para um filme da franquia 'Jogos Mortais', programa perdeu a leveza

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Jairo Malta
Jairo Malta

Era 2002. O penta por vir, disco novo dos Racionais, grupo Rouge sendo formado no SBT e um ex-metalúrgico, prestes a ser eleito presidente, dizia “nunca na história deste país” num anúncio no Fantástico que nos intrigava. Na voz de Pedro Bial, o primeiro Big Brother Brasil era profetizado —“37 câmeras, 60 microfones, uma casa e um sonho de R$ 500 mil”. Uma mixaria, né? Bem-vindo aos anos 2000.

Inclusão, desconstrução e empoderamento ainda eram palavras restritas às rodas de conversa da galera de humanas da USP, a Universidade de São Paulo. Vai ver era por isso que, naquela primeira edição, dos 12 participantes, só dois, Vanessa e André, eram negros. LGBT? Um, o mesmo André.

Podiam até ser indícios de um programa fadado ao cancelamento, mas não foi o caso daquela edição. O primeiro BBB foi um sucesso, e o Brasil chorou com a vitória da dupla Kleber Bambam e sua companheira Maria Eugênia —uma personagem à parte, feita de madeira e talvez tão inteligente quanto seu companheiro.

É um Brasil de que sentimos falta. Será?

Este ano, em 20 de janeiro, o mundo inteiro tinha os olhos fixados na posse do mais novo branco a virar presidente dos Estados Unidos, certo? Errado. Aqui é Brasil, e nos nossos trending topics saía, a conta-gotas, a lista dos que iriam governar nossas vidas pelos próximos cem dias –os participantes do Big Brother Brasil.

Nunca na história deste país este momento teve tantos pretos e gays, e em sua maioria famosos. Como diria a personagem Odete na novela “O Clone”, “cada mergulho é um flash” nos intervalos comerciais da Globo.

Vinte participantes, nove deles negros, cinco LGBT, um programa perfeito para os telespectadores da família tradicional brasileira e bem ajustado às normas e bons costumes do bairro paulistano da Santa Cecília.

Projota, Karol Conka e Fiuk são medalhões tão famosos que nem se comparam às simples correntinhas da última edição, Manu Gavassi, Babu, Rafa Kalimann e Boca Rosa. Edição de grande sucesso e de muitos recordes, que provou que a medida certa é ser médio famosos. Com exceção da Boca Rosa, que foi cancelada.

Mas como diria o sábio mestre japonês Oogway, a tartaruga do filme "Kung Fu Panda", “a noite sempre é mais escura antes do amanhecer”. Neste que é um dos piores momentos da pandemia, seria ingenuidade achar que o Big Brother seria a nossa perfeita válvula de escape.

Em sete dias de programa, o "cancelamento" foi cancelado, depois "cancelar" virou regra e agora "cancelar" virou a exceção à regra. Como diria o atual brother mais cancelado, o jovem ator, produtor, cantor, rapper, poeta, secundarista, militante e negro Lucas Penteado, “eu não estou entendendo nada”.

E não dá para entender mesmo. O sucesso da última edição tinha sido justamente pela guinada do programa em direção ao reality A Fazenda, da Record, mas em sete dias a carreira dos famosos derreteram de grandes icebergs a pequenos granizos chatos em uma chuva de verão.

A impressão é que todos os participantes passaram pelo curso de atores de Fátima Toledo, conhecida pelas técnicas experimentais, em preparação para um filme da franquia "Jogos Mortais" —que assim como o programa da Globo, parte da mesma premissa do livro "1984", de George Orwell.

O fato de que as primeiras provas, de líder e de imunidade, foram vencidas pela mesma dupla de participantes negros, parecia indicar que o caminho para a terra prometida de Wakanda estava livre. Mas o clima neste momento está mais para as histórias dos europeus que, durante a colonização da África, mandavam os próprios africanos puxarem o gatilho contra seus líderes. No BBB, eles julgam de forma precoce seus iguais, rapidamente os transformam em vilões e mostram a força desproporcional de um falso axé.

O Big Brother perdeu a leveza dos casais improváveis, das brigas por cama e por quem vai tomar banho primeiro. Hoje os desentendimentos sobre o miojo roubado despertam gatilhos nos participantes a ponto de eles ficarem esgotados. Não está legal.

Hoje o programa brinca com as esperanças de mudar de vida dos mais humildes, e as mistura num caldeirão com a arrogância dos famosos em busca da consolidação de suas carreiras —o que basicamente tem significado mais seguidores no Instagram. Famosos, aliás, felizes por estarem no programa, mas muito bem cancelados em shows, Twitter, programas de TV, e por Anitta, Emicida, Neymar, Jojo Todynho e até Mark Hamill, que interpreta Luke Skywalker.

Esperamos que tudo isso seja apenas um sonho da MC Pocah, já que quando se trata de Big Brother Brasil você já sabe, “cada mergulho é um flash”.

Erramos: o texto foi alterado

A primeira edição do Big Brother Brasil teve um participante homossexual, André Gabeh. O texto foi corrigido.

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